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Cultura

O RITMO URBANO EM ALMADA NEGREIROS

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O regresso do encenador Ricardo Pais ao TNSJ, que chegou a dirigir durante mais de uma década, é feito pelas palavras de Almada Negreiros. Provocatórias, lascivas e cruas, elas transportam-nos para um mundo criado maioritariamente a partir de “Saltimbancos”, um texto de 1917 “obsessivamente físico e sexual”.

As expectativas para esta peça eram particularmente altas, não fosse este um dos encenadores com mais impacto no panorama nacional, não fosse este o seu regresso a casa e não fosse este um tributo a um dos melhores escritores portugueses, que muitas vezes fica esquecido. A combinação dos nomes Rui Silva, Pedro Almendra, actor de inegável talento, e Momentum Crew, um grupo de dançarinos mundialmente reconhecidos, ditou o claro sucesso desta peça. Ricardo Pais não desiludiu!

A peça não começa logo, pois primeiro é preciso limpar os vestígios de “Turismo Infinito”, paraíso pessoano. Este preâmbulo, marcado pelo ritmo de Rui Silva (percussionista que acompanha o público durante toda o espectáculo) e pelos movimentos de Bruce Almighty (um dos bboys de Momentum Crew), ambienta-nos para o que iremos ver durante 1h15.

O cenário é o mesmo, ou seja, um chão e um tecto, dois planos de rampa que só se cruzarão num infinito imaginário. Esta escolha cenográfica de Manuel Aires Mateus é extremamente inteligente e acentua o carácter “nada” a esta peça. Cada palavra toca a aresta do palco, ficando lá, imóvel, esperando ser retomado por Pedro Almendra num dos seus círculos de “solidão”.

Almendra, umas vezes Almada Negreiros, outras narrador, interpreta todo o modernismo presente na peça e não deixa aquém a sua interpretação, justificando os dezasseis anos de interpretação teatral que carrega consigo. Quando entra em cena pela primeira vez não vem só, com ele traz o seu amigo, Fernando Pessoa, o seu oposto, mas também o seu “eu” em “Turismo Infinito”. A partir daí separam-se e o festival pictórico começa, construindo um cenário diabolicamente erótico, com o desenho de luz de Nuno Meira.

No entanto, a grande revelação é a entrada da dança urbana num palco teatral. Momentum Crew foram os escolhidos, já o eram desde que Ricardo Pais os conheceu em 2011, através de programa Portugal Tem Talento, do qual foi júri. Sabendo tirar partido das singularidades de cada um dos elementos, quer a nível pessoal, quer a nível técnico, Ricardo Pais enriqueceu todo espectáculo. Mix Ivanou, Lagaet Alin, Deeogo Oliveira, Max Oliveira, Bruce Almighty e Pedro França movem-se numa homenagem ao futurismo e modernismo de Almada. Num misto de powermoves, toprock, footwork e freezes, Momentum Crew delineam as personagens da obra: soldadinhos, cavalos, Zora… Eles são o elo de ligação entre a palavra e o visual, são o ritmo de Almada, mas são também a sua voz. A prestação de Mix ao ler um excerto de “Saltimbancos” em russo é algo que ficará retido na memória dos espectadores.

Almada Negreiros sempre dançou com as palavras e “Al Mada Nada” prova-o, surgindo de uma forma tão orgânica que parece que Pedro Almendra sempre foi Almada Negreiros, que Rui Silva sempre marcou o seu ritmo e que Almada sempre pertenceu à crew destes bboys.