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Cultura

Primavera Sound: 2º dia na Casa da Música Alternativa

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No passado dia 13 de Junho deu-se o segundo dia do tão aclamado festival da cidade invicta: o Primavera Sound. Com um cartaz marcado pela presença de Central Cee, ilustre nome do rap britânico, ou o rapper norte-americano Denzel Curry, o dia foi no entanto um marco de outros tempos no maior festival da cidade.

Numa época marcada por grandes ansiedades e noites passadas a seco a estudar, a escolha de colocar o Primavera Sound no seu epítomo, especialmente sendo uma boa parte do seu palco estudantes da UP, é um quanto agridoce. Por um lado podemos relaxar durante uma noite ao som dos artistas que mais gostamos, enquanto saboreamos um bom copo entre amigos. Por outro, torna-se complicado perder uma tarde completa, nomeadamente a partir das 16h, a deambular pelo Parque da Cidade. Portanto, tive, como muitos participantes, de fazer uma escolha: ir apenas aos pesos pesados da noite de sexta.

Cheguei a Matosinhos pelas 9h30m, logo após jantar (salve-se quem pagou por uma refeição no recinto), e imediatamente me senti envolvido pelo ambiente. Um clima caloroso, com uma decoração a condizer com o parque: tons de madeira, acastanhados e um verde intenso que se mesclava com a relva dos quatro palcos distribuídos pelo parque. E claro, as várias barraquinhas de comida e bebidas, estrategicamente colocadas e adornadas da melhor forma. Encontrei-me com uns amigos, bebemos um copo de cerveja fresca e deslocámos-mos para o palco Vodafone, onde iriam atuar às 10h30m os Beach House.

 

Os Beach House são o caso raro de uma banda que, apesar de se manter sempre na mesma génese, nunca perde o seu charme, beleza e encanto. Uma banda que surfa as várias tendências do tempo, desde os anos 50, com as suas vozes angélicas e propositadamente enaltecidas bem dentro da nossa alma, as guitarras e baixos saturados dos Cocteau Twins em meados dos anos 80, e claro, a transcendência emocional e musical dos Slowdive. Um ressuscitar da música de outros tempos, com letras e sintetizadores mais contemporâneos do que nunca. Enfim, uma banda que definiu a sua identidade desde cedo e que não tem vergonha de a dar a conhecer em palco.

Na minha primeira vez a ver os Beach House senti-me absorvido por este ambiente. Um elevar do nosso estar, como se nos víssemos na terceira pessoa. Um concerto de poucas palavras, pouca histeria, e onde um público reagia apenas suavemente entre as melodias interligadas e ininterrompidas da banda. Algo que contribuiu para este mundo místico e distante da realidade foi a disposição da banda em palco. Quem não conhecesse Victoria Lagrand ou Alex Scally também não saberia por este concerto: apenas, diria, as silhuetas. Neste caso, sombras e luzes estrelares no fundo da tela branca atrás dos intrumentos. Uma simplicidade chocante, de músicos que nunca quiseram ser estrelas, mas antes mostrá-las. Músicos que nasceram só e apenas para tocar, seja ao vivo, seja em casa, com uns fones de ouvido baratos deitado ao luar. E quanto à música não há mesmo nada a apontar. Dum profissionalismo feroz, onde cada nota foi tocada como se num estúdio fosse gravada. Claro que a plateia vibrou mais para clássicos, como “Silver Soul”, “Master of None” e a (de longe) mais conhecida “Space Song”, mas houve tempo para outros temas menos conhecidos, que, confesso, me souberam a tanto como os grandes êxitos. A começar com “Lazuli” e a acabar com “Over and Over”, o concerto dos Beach House no Porto levou e trouxe o público numa viagem pelo espaço. Não soube a pouco, soube a unidade. Não terá sido fácil para Liniker igualar este ambiente no palco Revolut.

 

Pelas 23:10h o concerto já acabava e muitas pessoas “acampavam” na subida do Palco Vodafone, à espera da grande estrela da velha guarda: os Deftones. No entanto, cumprindo o meu dever como jornalista vi parte do concerto do cabeça de cartaz do dia, Central Cee. A atuar no palco Porto, o maior do recinto, este trouxe um público consideravelmente diferente daquele sentado a poucos metros de distância. Central Cee é de outras filosofias: “rap”, “luxo” e “fumaradas”. A sua música é efémera, feita para a rádio e redes sociais e feita para durar meia dúzia de meses (música de consumo), com letras controversas e sem grande profundidade. Todavia, dentro do seu estilo, e numa análise imparcial, diria que é dos melhores na atualidade. A sua popularidade fala por si, com êxitos atrás de êxitos, ano após ano.  Aos olhos da maioria do público no recinto, o seu concerto no Porto agradou e marcou. As rimas foram “catchy” como esperado, “Doja”, “Sprinter” e “BAND4BAND” foram cantadas a par com o público e, no meio de tanta festa e folia, houve ainda tempo para autógrafos e conversa com os “vocalistas” da plateia. Entretanto, e apesar da sua boa performance artística, uma parte considerável da plateia foi dispersando, especialmente porque muitos foram ao palco principal para passar o tempo. Eu, pessoalmente, estive meia hora no concerto do jovem britânico, mas rapidamente me dirigi ao palco Super Bock (mesmo ao lado do palco Vodafone) onde atuava a banda underground de Noise Rock, Chat Pile.

E se eu soubesse mais cedo dos Chat Pile…. Descobertos ao acaso, enquanto me dirigia para o palco dos Deftones, estes subiram instantaneamente na minha estima pessoal. Os Chat Pile são daqueles tesouros que, das duas uma, ou se avistam numa caixa de CD´s com pó da juventude dos nossos pais, ou num bar duvidoso a altas horas da noite. Com uma mistura da violência crua do metal dos Sabbath e dos Black Flag, a distorção No Wave dos Sonic Youth e as letras arrojadas dos Swans, a banda não esconde aqueles que os tornam tão únicos, como anacrónicos. Eu, que vivo preso à distorção e ao desconcerto musical dos 80s e dos 90s, olho para os Chat Pile como uma lufada de ar fresco, e um relembrar de que, seja em 2000 ou 2050, o rock viverá e prevalecerá jovem como sempre.

Fotografia: Inês Aleixo

Felizmente, foram convidados num dia em que a velha e nova guarda dos Deftones estava bem atenta, e com sede de música ao seu agrado. Com uma sumptuosidade quase nula, e uma presença em palco um quanto pacata, os Chat Pile levaram o público pela mão, enquanto nos apresentavam o seu novo e brilhante álbum, “Cool World”. Quando dei por ela, a meia hora tinha acabado, e aquilo que para mim e muitos outros seria um concerto digno de nome próprio num Hard Club, soube de facto a pouco. Trago comigo uma nova banda que tenho vindo a conhecer nesta época de exames, nomeadamente as músicas que mais fizeram o público abanar as cabeças: “I am Dog Now”, “Marc” e “Funny Man”, e mais um concerto memorável na edição de 2025 do Primavera Sound.

Acabado o concerto dos Chat Pile, preparei-me emocionalmente para a razão de ter visitado o Parque da Cidade nesta época de exames, a banda de metal alternatico, Deftones. Antes do concerto, já em muito se sentia aquilo que iria ser o regresso da banda americana 8 anos depois a Portugal: uma turva endiabrada de jovens vestidos de preto e velhos de calça de ganga e casacos arrojados, com fome de ouvir aquela que foi a juventude dos velhos e o renascimento dos novos.

Filhos do “nu-metal”, os Deftones nunca falharam em impressionar a audiência a cada álbum. Uma banda conhecida pela constante mistura de estilos e numa procura imensa pela infinidade das possibilidades da música, mas sem nunca esquecer o que os define: o metal, a introspeção e a sensualidade harmónica. Isso torna os Deftones num caso particular na música “pesada”, sendo uma das poucas bandas que, sem sombra de dúvidas, conseguiu romper as barreiras do tempo, sendo tão vivos hoje como nos meados dos anos 90. Com uma diversidade demográfica tão notável é de esperar que os 5 minutos de espera depois das 23h40m (hora marcada de início), tivessem parecido quase uma semana.

 

Mas quando finalmente começou foi um explodir de emoções. Sobretudo depois de escolherem o hino “Be Quiet and Drive (Far away)”, um dos marcos da banda de Sacramento, para iniciar o concerto. Na hora seguinte, o público veria a banda a descrever uma história em palco, começando de arremesso com “Around the Fur” e a serrotada de “My Own Summer (Shove it)”. Nesta música deslumbrou-se aquilo que definiu o resto do concerto dos Deftones no Porto: encontrões, gritos e saltos em uníssono. Uma “Mosh-pit” permanente de velhos e jovens a correrem uns contra os outros agressivamente, a sorrir e a celebrar o verdadeiro elixir da juventude. Uma descarga de energia negativa e de velhos e novos desconhecidos aos abraços. A prova massiva de que o metal não é apenas ruído e violência gratuita: é a comunhão entre interiores, o libertar daquilo que reside dentro de nós e o descartar dos filtros sociais que nos impomos.  Abraçado por este ambiente multilinguístico e etário, vi-me de olhos semi-fechados a correr ao relento contra esta massa humana, com a cabeleira a baloiçar incessantemente e a poeira a mansar as botas que me guardavam os pés. E claro, com os ouvidos bem atentos.

É na existência catártica e conjunta que os Deftones continuaram a “setlist” pretendida para este concerto. Tocaram-se temas mais suaves como “Rosemany” do mais recente “Koi No Yokan” ou “Change (In the House of Flies)” do lendário “White Pony”, intercalados com metal mais puro e duro como “Hole in the World” do “Saturday Night Twist” ou “7 Words”, do seu primeiro álbum “Adrenaline”, música que encerrou o concerto em chave de ouro. No total foram tocadas 16 músicas, num concerto que passou um pouco pelo melhor de todas as fases da carreira dos norte-americanos. O que mais admiro num concerto, no entanto, é sempre a forma como se vive a música e os Deftones conseguiram realmente revelar o melhor que o metal tem a dar às pessoas. Por isso, foi para mim, sem sombra de dúvidas, o melhor concerto do passado dia 13, e um dos melhores ambientes que tive o privilégio de presenciar num festival.

Além dos artistas acima, que indubitavelmente marcaram esta edição do festival, faço de seguida referência aos restantes artistas do dia, que contribuíram enormemente para este grande dia.

Começando com “a garota não”, a artista portuguesa estreou-se no Primavera pelas 17h40m no palco Revolut com a apresentação do seu novo álbum, “Ferry Gold”. Como já nos habituou, a artista, mais do que um concerto, deu um banho de realidade àqueles que a viram, com as suas letras cheias de poder interventivo, crítica a temas atuais e ao sistema socioeconômico atual. Uma visão de um Portugal de versos, melodia e amor pelo próximo, e que sem dúvida passou uma mensagem a quem a viu.

Logo a seguir, pelas 18h35m, a banda “Been Stellar”,  entrou no palco Super Bock onde revelou o seu mais recente e único álbum, “Scream from New York, NY”. O grupo de adolescentes novaiorquinos, criado só em 2022, juntou-se com o fim de rejuvenescer a onda musical da cidade, trazendo um pouco de vários grupos das décadas passadas, como os Slowdive ou os Interpol. A sua juventude e irreverência foi sentida em palco, dando-se a conhecer da melhor forma e agradando o paladar “shoezaziano” do público.

Por volta das 19h40m, enquanto a banda indie do Pais de Gales “Los Campesinos” atuava no Palco Revolut, deu-se o regresso a Portugal da banda “TV on the Radio” . Conhecidos por lançamentos nos anos 00’s, e um sucesso quase imediato, os “TV on the Radio” não envelheceram da melhor forma, tendo ao longo dos anos, deixado se levar pelos êxitos de outros tempos. Todavia, foi justamente com álbuns como “Desperate Youth, Blood Thirsty Babes” que a banda cativou o público da invicta, certamente honrando um grande passado do “punk” e “pós-punk”.

Fotografia: Inês Aleixo

Pelas 20h50m, e ainda antes da minha chegada, deu-se o concerto de Michael Kiwanuka no palco Porto. Apesar de ser cabeça de cartaz, a tarefa de Kiwanuka não era fácil. Num cartaz preenchido por rock de distorção e rap de várias variantes, é certamente um desafio introduzir a energia espiritual e os ritmos diferenciados do “soul”. No entanto, com um misto de comunicação com o público, melodias de elevada profundidade e uma voz que move montanhas, o artista britânico justificou o significado do seu nome no panorama musical do Reino Unido. A léguas estilísticas de distância, Kiwanuka deu um concerto que merece um artigo por si só.

 

Mais tarde, e para fechar o cartaz do dia 13, deu-se a atuação no palco Super Bock da banda “Fcukers” às 2h00m da manhã. Num horário desafiante, especialmente depois do deslumbrante concerto dos Deftones, a banda viu-se reduzida aos corajosos festivaleiros que decidiram pernoitar no Parque das Nações até às 3h00m. Apesar disso, dando uso ao som mais eletrônico e “de discoteca” das suas composições,  serviu na perfeição como um “after” para um dia preenchido e cansativo como este. Concluía-se com danças e copos ao alto o 2º dia da 25º edição do Primavera Sound.

Em nota de síntese, concluo que a 25º edição do Primavera Sound conseguiu trazer um pouco de tudo, desde o rap e  pop até ao rock e música alternativa. Por mais que esteja longe do ser o apogeu da música alternativa que uma vez foi, deixando esse lugar para o Paredes de Coura ou o Vilar de Mouros, conseguiu acolher todos os públicos musicais do Porto, e isso tem valor por si só.  O dia que estive presente fica marcado pelo domínio claro da música diferenciada e distante do “mainstream”, fazendo lembrar as raízes do festival, e mostrando acima de tudo, que ainda há lugar para dar boa música ao público da cidade invicta.

A 26º edição acontece do dia 11 ao dia 13 de Junho de 2026, e faço votos de que repita a diversidade deste ano.

Até para o ano, Primavera!

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