Cultura
Monet & Klimt: Uma Fusão Imersiva
Impressive Monet & Brilliant Klimt é uma experiência imersiva proposta pela Alfândega do Porto, que faz uma retrospectiva do legado de dois pintores impulsionadores da arte no seu século, através de projeções digitais das suas obras de arte e de reminiscências de pormenores que os individualizam, numa tela em 360 graus, que são as paredes da galeria.
Descendo pelas escadas atrás da cortina vermelha, a primeira coisa que se sente ao ingressar naquele universo é a submersão física do corpo, que se assemelha a estar debaixo de água. Grandes letras anunciam o espetáculo, e o seu interior não desilude. Na grande antecâmara onde a magia acontece, bancos sugerem que se experiencie a exibição sentados, até no próprio chão, não só para ter uma perspectiva maior da sala, mas também para nos dar a oportunidade de realmente nos sentirmos fascinados e assombrados ao entrar na vida destes artistas. E, de facto, sentimos.
O mundo de sombras da galeria subterrânea é substituído por plena luz, cor e movimento. O homem de boina, o auto-retrato do próprio Monet, conduz-nos através de prados, de flores e muitas telas e convida-nos a entrar na sua mente. Sentados, percorremos com ele campos viçosos e outros cobertos de neve, algumas mulheres passam por nós de sombrinha e o sol quase aquece. Esta é uma recriação do mundo de Monet, escapante da sua condição estática. Porém, as suas pinturas despidas de qualquer edição digital, já possuem o movimento frenético de pinceladas, de batimentos cardíacos de algo animado, esta exposição apenas faz da nossa respiração o pincel que incita os pastéis à vida.
Pintores de luz como estes, só podem ser homenageados em exposições no subsolo da sombra, para poderem brilhar. Cada tela corre à nossa beira ou então penetra-nos a pele, enquanto caem pétalas e folhas do outro lado da sala labiríntica. Os planos de projeção são algo transparentes, produzindo uma sobreposição de imagens que se torna numa tela inteiramente nova a ser criada naquele momento, e só nós temos o ângulo perfeito para a reconhecer. E assim, o homem de boina nos mostra quem é, e nos emociona com as demonstrações coloridas e idílicas. Mesmo a música clássica que preenche o ar nos oferece o ambiente ideal para fechar os olhos, ainda com as formas pouco nítidas de Monet em mente, e nos imaginarmos nelas.
“Everyone discusses my art and pretends to understand, as if it were necessary to understand, when it is simply necessary to love.”
― Claude Monet
Klimt puxa o fio condutor para si e leva-nos ao seu cosmos dourado e assimetricamente harmonioso. Influenciado pelos movimentos do simbolismo e da arte nouveau, aliou ao seu estilo de pintura temas como o amor e a sexualidade, a vida e a morte.
De repente, a sala torna-se altamente dourada e desconcertante, caras de mulheres pintadas com grande realismo contrastam com os cenários em ouro, com formas geométricas quadradas, circulares ou em espiral, que por sua vez brilham intensamente, não numa aragem suave como em Monet, mas com uma acentuada vontade de cativar. Aqui, é o brilho enérgico que cria a sombra, e não o oposto.
Sendo filho de uma família de ourives, este artista expressa claramente a sua mundividência através não só dos objetos do seu estudo, mas da forma como os representa. Rodopiar à volta das salas naquele momento foi perder completamente a noção de onde se está e quem se é. Quatro mulheres de longos cabelos olhavam-me à direita, umas galinhas vagueavam à esquerda e ao fundo dançavam caveiras sucessivas, logo cobertas por muitas flores violeta, cor que só torna o dourado do plano de fundo mais e mais ardente.
Em Klimt encontramos uma motivação diferente na bilheteira de entrada para as suas pinturas. Se em Monet quisemos desvanecer em pinceladas frenéticas para esquecer o nosso ser e nos transformarmos em girassol ou pôr-do-sol, Klimt obriga-nos a olhar ao espelho através dos seus olhares, dos seus cabelos, da sua plenitude, ao ponto em que se torna indistinguível a vontade de querer conhecer aquelas mulheres, ou a de querer ser elas. As animações produzidas pelas projeções nas grandes paredes tanto nos preenchiam com a construção das pinceladas, das cores e geometria, como em seguida nos roubavam o fôlego e havia uma certa desconstrução desse mundo estilizado, recomposto em seguida num ciclo que ecoa nas nossas mentes.

“Whoever wants to know something about me – as an artist which alone is significant – they should look attentively at my pictures and there seek to recognise what I am and what I want.”
– Gustav Klimt
Mas o que mais ficou no final foi o fascínio em experienciar algo tão gratificante e de o fazer com vários sentidos, o caminhar por entre colunas, ver as pinturas a comporem-se, a fugir e a voltar, ser envolvido pela música teatral, tudo colabora em sincronia para a grande experiência imersiva desta exposição.
Compreender o fascínio de Gustav Klimt pelo feminino e derreter na doçura do seu tratamento pitoresco num lugar onde a arte é tão importante que nos rodeiam dela e a engrandecem ao longo daquelas paredes, é alimentar a fome intrínseca do ser humano pelo belo.
Já em Monet, o homem vagueante leva-nos não só a observar quadros sobre a natureza, mas a observar a própria natureza, enquanto saímos da rotina de intensa produtividade que nos é imposta pela sociedade, e de facto paramos para apreciar um longo momento de deleite e reflexão.
Esta exposição permite-nos ter uma imagem de um pintor por dentro. Não precisamos de saber qualquer bibliografia ou história, ou sequer saber os nomes das pinturas que vemos, mas definitivamente ficamos a conhecer um pouco do âmago do seu ser. E poder exprimir um pouco de alma assim, para ser entendida por outrem, é o máximo legado de um ser humano para com o próximo, é um ato de solidariedade para os que não veem forma de expor o que sentem e o que são.
Artigo redigido e fotografias por Raquel Gonçalves da Costa. Artigo revisto e editado por Inês Aleixo.

