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Educação

Manifestação na Reitoria da UP marca Dia Nacional do Estudante

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Fotografia: Inês Aleixo

Na véspera do Dia Nacional do Estudante, dezenas de alunos concentraram-se à porta da Reitoria da Universidade do Porto para reivindicar melhores condições de permanência no ensino superior, numa manifestação que contou com o apoio de várias Associações de Estudantes da Academia do Porto.

 

O Dia Nacional do Estudante, celebrado a 24 de março, foi este ano assinalado na Academia do Porto por uma manifestação estudantil em frente à Reitoria da Universidade do Porto (UP). A manifestação, organizada pelo movimento “23 de Março – Dia Nacional de Luta“, decorreu ontem, dia 23, pelas 16 horas. Estiveram presentes várias dezenas de estudantes de diferentes instituições da Academia.

Nem a chuva intimidou os estudantes que reivindicaram o “Fim às barreiras no ensino superior!”. À entrada da Reitoria da UP, os manifestantes fizeram-se acompanhar de faixas e cartazes sobre os problemas que os afetam, como os aumentos das propinas, a falta de alojamento público e a necessidade de mais ação social escolar.

O movimento, organizado por estudantes de todo o país, contou com a subscrição de oito Associações de Estudantes (AEs) da Academia do Porto, sendo estas das Faculdades de Belas Artes (AEFBAUP), Letras (AEFLUP), Ciências (AEFCUP), e Arquitetura (AEFAUP) , das Escolas Superiores de Educação (AEESE) e Artística (AEESAP), do Instituto Superior de Serviços Sociais (AEISSSP) e da Escola de Artes da Universidade Católica Portuguesa (AEEA). Apesar disso, apenas a AEFBAUP marcou presença na Praça dos Leões, à qual se juntou a AE da Faculdade de Direito (AEFDUP).

“Propinas e Bolonha, é tudo uma vergonha”

A redução urgente das propinas foi uma das exigências mais ouvidas. Martim, estudante da Faculdade de Engenharia (FEUP), foi um dos participantes na manifestação e partilhou a opinião com os seus colegas, querendo mesmo “o fim das propinas”

Na ótica dos presentes, diretamente relacionados com o problema do valor da propina estão o Processo de Bolonha, que uniformiza o ensino superior europeu em três ciclos de estudo (licenciatura, mestrado e doutoramento), e o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), apontado como uma barreira formal à participação dos estudantes nos processos de discussão e decisão” pela organização do evento. Para Carolina, aluna da Faculdade de Letras (FLUP), ambos vieram “afetar e muito o que é o nosso percurso enquanto estudantes e os pagamentos que temos que fazer”.

Em particular, a fixação de um limite máximo de 697 euros para a propina da licenciatura, em conjunto com a desintegração dos mestrados integrados, propiciada pelo Processo de Bolonha, tem levado a aumentos das propinas de mestrado para valores classificados como “elevadíssismos” e “exacerbados” por diferentes estudantes.

Assim, Martim afirma que “um bom começo talvez seria a aplicação de um teto máximo de propinas para o mestrado”. Segundo o estudante, “o mestrado agora é uma necessidade (…) para ter uma formação completa [e] acabamos por pagar mais”.  

Também António, da FBAUP, expôs a sua experiência enquanto estudante internacional na Universidade do Porto. “[Na] propina, o preço é exacerbado para os estudantes da comunidade CPLP [Comunidade de Países de Língua Portuguesa]“, foi uma das declarações prestadas. Adicionou ainda que as instituições “querem usar a gente como token, «olhem, as nossas instituições são inclusivas, têm estudantes do mundo todo, estudantes que vêm das colónias»”, mas “colocam essa propina absurda que é quase o triplo do que o português paga.

“É preciso investir, queremos camas para dormir”

O acesso ao alojamento digno foi outra das principais reivindicações dos estudantes presentes na manifestação. As dificuldades de arranjar um quarto para arrendar ou o aumento exacerbado das rendas que se tem vindo a verificar são as principais queixas apresentadas. Nas palavras de Joana, aluna da Faculdade de Ciências (FCUP), as dificuldades com o alojamento são “um problema gravíssimo e que está agora a ficar cada vez pior”.

O problema da habitação afeta essencialmente os estudantes deslocados, que estão a estudar fora da sua área de residência. No entanto, Sofia Gouveia, estudante na Faculdade de Belas Artes (FBAUP) e membro da respetiva AE, alerta que “a maior parte dos estudantes não são do Porto, portanto, um estudante que é duma cidade mais pequena em que não exista um polo universitário não tem como estudar”, caso não consiga arranjar um local para viver

“A maior parte dos estudantes não são do Porto, portanto, um estudante que é duma cidade mais pequena em que não exista um polo universitário não tem como estudar.”

Uma solução para este problema poderia passar por cumprirem o PNAES [Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior]”, comenta Licínio, estudante da FCUP. Este plano tem como principal objetivo a disponibilização de mais alojamento público acessível e com condições dignas para quem se encontre a estudar deslocado. No entanto, o estudante considera que mesmo “isso não é suficiente e há imensas casas devolutas cá no Porto que poderiam ser convertidas em alojamento estudantil”. 

Constança Viegas Martins, presidente da AEFBAUP, que discursou durante a manifestação, destacou igualmente a necessidade urgente de melhoria das atuais residências e a construção de mais residências do ensino superior público enquanto meio de mitigação da crise que há atualmente da habitação estudantil, gerada pela alta especulação do mercado imobiliário“.

A dirigente associativa apelou ainda à necessidade de “apoiar as cooperativas de habitação estudantil, (…) modelos como os das repúblicas”. No entanto, Irina, estudante da UP e residente na Real República dos Lysos, uma das repúblicas existentes no Porto, reconhece a dificuldade em obter ajuda por parte da Universidade, tanto ao nível da manutenção do edifício onde habitam como da alimentação dos residentes, ao contrário do que se verifica, por exemplo, em Coimbra, onde “a Universidade dá algum tipo de ajuda [monetária], principalmente na questão da comida”. 

O seu colega, Vítor, acrescenta, “de há uns anos para cá, deixaram de reconhecer a gente até como uma entidade académica”. O estudante reitera que o principal objetivo da Real República dos Lysos é poder “dar continuidade à nossa prática da vida comunitária em cenário académico com mais facilidade e com o apoio da Universidade, que é o que mais nos falta atualmente.

Fotografia: Inês Aleixo

“A Educação é um Direito, sem ela nada feito”

Os estudantes destacam ainda os apoios sociais escassos como uma grande dificuldade de permanência no ensino superior. Como exemplo, Lícinio menciona que, para os estudantes deslocados, “o complemento de alojamento não chega a todas as pessoas que não têm lugar em residências, as bolsas são insuficientes e muitas vezes chegam tarde e a más horas”. Assim, a presidente da AEFBAUP alerta: o reforço da ação social tem que passar por um questionário menos burocrático, menos invasivo dos estudantes. As instituições não precisam de saber mil e uma coisas sobre nós para nos oferecerem uma bolsa”. 

“O complemento de alojamento não chega a todas as pessoas que não têm lugar em residências, as bolsas são insuficientes e muitas vezes chegam tarde e a más horas.”

Por outro lado, em conversa com o JUP, estudantes de diferentes faculdades da UP apontaram ainda diversos problemas que existem as unidades orgânicas em que estão inseridos e afetam o seu dia-a-dia. 

Na FLUP, Carolina aponta a necessidade de mais espaços para refeições, já que “na maioria das vezes, os estudantes, por não terem espaço nem na cantina nem no bar dos estudantes, têm que almoçar nas escadas ou então em salas que estão sem aulas”, um problema que já tinha sido noticiado pelo JUP há um ano e continua sem resolução.

Também na FCUP os problemas para almoçar se fazem sentir, pois “a cantina é muito pequena e não dá para todos os alunos, os bares também são muito pequenos e por vezes não existem microondas suficientes para podermos aquecer a comida que trazemos de casa”, enumera Joana.

Já na FBAUP, Sofia Gouveia partilhou a realidade da falta de investimento. Fazendo parte do Conselho Pedagógico da sua faculdade, afirmou que o orçamento de uma das oficinas era “por volta de 500€ por semestre“, sendo este para o uso de todos os estudantes, e que “500€ para uma oficina de madeiras e metais não é nada em relação à manutenção de máquinas“. Relativamente às condições das infraestruturas, Constança Viegas Martins adicionou que no edifício de Pintura e Escultura “chove no último piso, naquele que é o atelier de pintura do terceiro ano”, havendo várias manchas de humidade noutros edifícios da faculdade

Quando inquirida pelo JUP acerca da situação atual dos trabalhadores e estudantes artísticos em Portugal, Constança declarou que “a precarização na arte e na cultura começa logo nas faculdades, não começa só quando vamos para o mercado de trabalho (…). Os estudantes do ensino superior artístico estão a pagar para realizarem projetos artísticos”. Concluiu apelando a uma maior comparticipação financeira para os projetos realizados na FBAUP, alertando, relativamente ao financiamento público, que “não se pode dar para tudo igual, porque nem todos temos as mesmas necessidades (…). A questão é como é que vamos mudar a lei de bases de financiamento das IES [Instituições de Ensino Superior]“. 

“Estudantes unidos, jamais serão vencidos”

A ausência da maioria da Academia do Porto nas celebrações do Dia Nacional do Estudante fez-se notar, em particular com apenas uma das AEs subscritoras a comparecer. Sendo a Federação Académica do Porto (FAP) uma organização de natureza agregadora do associativismo universitário, foram levantadas questões acerca da sua atuação enquanto órgão representante dos estudantes e das suas necessidades. 

“A prioridade da FAP tem sido a redução da carga horária a nível de aulas. Não vemos a FAP a lutar por uma redução das propinas, a representar-nos no que toca a mais residências públicas, a mais espaço nas faculdades, a mais material nas faculdades“, foi a opinião de Carolina. Outro colega, Licínio, afirmou que “a FAP gosta muito de recolher notas e fazer inquéritos, mas (…) nós não vemos medidas concretas e que efetivamente solucionem os problemas”. Também, Martim confessava que “eles acabam por ter uma abordagem muito mais passiva com a qual muitos estudantes, especialmente os que aqui estão, não concordam“. 

Contactada pelo JUP, a Federação Académica do Porto, na figura da presidente Ana Gabriela Cabilhas, expressou as suas preocupações relativamente à atual situação dos estudantes universitários. “O risco de abandono escolar é real. O impacto da inflação na vida quotidiana dos estudantes faz-se sentir nas despesas de alimentação, na ida ao supermercado, mas também na retração da compra de materiais de estudo. A falta de alojamento a preços acessíveis também constitui um grande encargo para os estudantes, conforme temos vindo a denunciar. Já o excesso de carga horária e a falta de inovação nos métodos de ensino e aprendizagem devem ser realçados.” Além disso, alertam, “vários estudantes sentem um declínio significativo no bem-estar psicológico durante o presente ano letivo“.

“Vários estudantes sentem um declínio significativo no bem-estar psicológico durante o presente ano letivo.”

Assim, as reivindicações da FAP passam por um “reforço da ação social, direta e indireta, uma estratégia de combate ao abandono escolar e a promoção da inovação pedagógica“. Adicionalmente, propõem “a criação de um Estatuto do Estudante do Ensino Superior que salvaguarde a frequência de trabalhadores-estudantes, estudantes dirigentes associativos, estudantes atletas, com doenças crónicas e/ou necessidades educativas específicas, pais e mães estudantes, entre tantos outros”, no sentido de minimizar as “desigualdades significativas na relação entre as Instituições de Ensino e os estudantes“. “São vários os exemplos de normas estabelecidas por via de despachos que, para questões iguais, preveem enquadramentos e respostas diferentes de Instituição para Instituição”, explicam.

“São vários os exemplos de normas estabelecidas por via de despachos que, para questões iguais, preveem enquadramentos e respostas diferentes de Instituição para Instituição.”

No que refere à ausência da Federação da manifestação estudantil, Ana Gabriela Cabilhas explica a impossibilidade de comparência devido ao calendário próprio que mantêm. No dia de ontem, 23 de março, a FAP foi recebida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, para apresentação dos “resultados da Campanha Corrida Contra o Tempo, uma iniciativa promovida na Academia do Porto com o fim de recolher as questões que preocupam a comunidade estudantil. Nas urnas entregues ao órgão de decisão, constaram as urgências do ensino superior identificadas pelos estudantes.” As celebrações do Dia Nacional de Estudante da FAP decorreram, assim, durante o dia de hoje, 24 de março, na baixa da cidade do Porto, onde reuniram a Academia e realizaram uma ação de sensibilização sobre as preocupações referentes ao ensino superior.

“E esse é o caminho que precisamos, é pedir tudo por inteiro que a educação não é privilégio, é um direito e cá estamos.”

Num momento de celebração da memória do movimento estudantil em Portugal, Constança Viegas Martins terminou a sua intervenção na manifestação apelando à ação das estruturas de associativismo universitário para exigir melhores condições no ensino superior em Portugal, para todos: “E, por último, deixo uma nota a todas as estruturas associativas, das quais também faço parte, que é não nos conformemos, não pedimos nada pela metade, que isso não faz a diferença. Há anos atrás, pedimos a abolição da propina, elas desceram. E esse é o caminho que precisamos, é pedir tudo por inteiro que a educação não é privilégio, é um direito e cá estamos“.

 

Artigo escrito por: Diogo Macedo Malcata e Inês Miranda

Editado por: Inês Miranda e Vasco Castro

Conteúdo Multimédia por: Inês Aleixo