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Sociedade

AQUECIMENTO GLOBAL EM DEBATE NOS ESTADOS UNIDOS

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Andrew Kovaleski está, de momento, a realizar uma pós-graduação em música, cuja área de  especialização é instrumental (saxofone). Trabalha como assistente administrativo no departamento de música da Otterbein University, uma pequena escola de artes liberais em Westerville. Andrew está preocupado com o aquecimento global, pois é certo ter efeitos devastadores no planeta Terra. Para além disso, os Estados Unidos da América, como uma das superpotências a nível mundial, deve ter uma responsabilidade para conter estes efeitos através de ações, legislação e perspectivas, considera o músico.

Daria: Quanta atenção é dada ao conceito de Aquecimento Global nas escolas americanas?

Andrew: Bem, eu lembro-me de aprender na escola primária que as fontes renováveis de energia existiam e que, eventualmente, iríamos ficar sem fontes não renováveis, uma vez que as renováveis são melhores para o meio ambiente. Eu não sei quando é que ouvi pela primeira vez “aquecimento global”, mas eu acho que foi entre o 7º e o 8º ano. No secundário, já estava mais consciente sobre este fenómeno. No entanto, até ao secundário e faculdade, não me lembro de ter estudado esta matéria como algo importante.

D: Porque é que as pessoas sentem que têm autoridade para questionar factos científicos?

A: Eu acho que muito disso vem da questão “nós” vs “eles”, ou seja, as pessoas que são vistas como alguém superior e a restante população. “Essas pessoas com os seus diplomas estão a tentar dizer-me que eu não posso fazer o que é para mim possível para sustentar a minha vida”. Numa escala maior, a elite diz que o aquecimento global é real e que não deveríamos estar a queimar tanto carvão como o fazemos. Todos os mineiros de carvão em Kentucky, Tennessee e Virgínia Ocidental não deveriam fazer isso sem, antes, apresentar um meio alternativo. No entanto, essas pessoas assumem que o seu sustento está a ser atacado. Para eles, não é tanto uma questão de ser bom para o ambiente, mas mais uma questão de como vou alimentar a minha família.

D: Descreveu os cientistas como a elite, o que é interessante porque, para muitos, nas elites estão, por exemplo, os CEO das empresas que, normalmente, são as pessoas que não acreditam (ou pelo menos afirmam não acreditar ) no Aquecimento Global.

A: Pessoalmente, e acrescento, as pessoas nas companhias de petróleo, por exemplo… Não é possível que eles não consigam acreditar que o Aquecimento Global existe. Só pode ser uma escolha consciente de alguém que prefere o lucro em detrimento da ação consciente. O que eu quis dizer com as classes de elite não era tanto a elite económica, mas uma elite social e educada, The Educated Class. Há hostilidade entre quem não tem educação e os educados por causa da razão que eu referi anteriormente: esta elite ameaça a subsistência de algumas classes sem instrução.

D: Considera que o novo Presidente dos EUA não acredita no aquecimento global ou é apenas a posição que ele assume para ganhar mais atenção entre as camadas da população que, por várias razões, negam os regulamentos de proteção ambiental e a possibilidade do fenómeno climático?

A: Bem, quanto mais tempo passa, mais eu acredito que Donald Trump não é capaz de compreender…Pessoalmente, acredito que ele seja produto daquilo que temos falado: “a minha opinião é minha porque é e vocês podem acreditar no que escolhem, mas dizerem que eu estou errado vai contra a minha ideia de liberdade de expressão”. Não que Donald Trump fosse dizer isto literalmente, mas acaba por ser uma ilustração do que se tem passado recentemente. E também acredito que o Presidente foi capaz de explorar o que a maioria das camadas de população americanas estão a sentir, de modo a representá-las e a manipulá-las também. Assim, Donald Trump ao concordar com essas pessoas, está a apresentar-se a si próprio. Portanto, será que eu penso que ele acredita no Aquecimento Global? Sinceramente, eu acho que não.

D: E parece que ele manipulou a sua equipa, de tal forma, para que não houvesse oposição à sua linha de pensamento.

A: Basicamente, o que está a acontecer agora é que Donald Trump sente-se como a figura que controla os fantoches e algumas das pessoas mais inteligentes do seu gabinete estão a executar tarefas para ele. Por exemplo, o Steve Bannon, que costumava ser (ou ainda é) o dono da Breitbart News, está no gabinete de Trump. A Breitbart News é uma organização maioritariamente de direita que, no fundo, publica notícias falsas com regularidade para promover a agenda de direita. Ele está próximo de dizer que, se tivesse uma oportunidade, entraria no sistema político e o destruiria por dentro. E agora ele é uma das principais mentes da Casa Branca. (Risos)

D: A forma como a questão da Proteção Ambiental é vista impressiona-me: o quanto as pessoas nos EUA podem ser individualistas nas suas opiniões. O que poderia ser feito sobre isto?

A: Penso que é preciso estar pessoalmente envolvido noutros locais, para além dos EUA, viajar, ter contacto com imigrantes ou pessoas de diferentes países e culturas. Acredito que seja difícil encontrar pessoas que viajaram regularmente para assegurar a visão de que o destino dos Estados Unidos, a nível ambiental, está separado do resto do mundo. Mas muitas pessoas nunca viajaram, nem sequer para outro estado, então nunca vão ter oportunidade de ter esse tipo de interação. A maioria apenas fala Inglês, não conhecem ou nem sabem qualquer outra língua.

D: Na China, por exemplo, o princípio do cuidado ambiental foi estabelecido após se tornar uma preocupação pública, apesar do governo tentar afastar as atenções desse assunto. Então, considera que a forte presença dos meios de comunicação social afetaria a visão atual do governo?

A: Eu acho que o Aquecimento Global e a Proteção Ambiental são temas que estão presentes nos media, tal como manifestações para aumentar a consciencialização pública. No entanto, os políticos de direita estão a descredibilizar a verdade que os meios de comunicação partilham. Donald Trump usa o twitter cerca de três vezes por semana e escreve como os media são desonestos e como estão a tentar levar o povo americano “na sua conversa”. “A CNN tem notícias falsas, o New York Times é desonesto…”. Também as manifestações que têm acontecido regularmente são alvo de descrença por parte da direita e do presidente, pois estes acreditam que os manifestantes são, em muitos casos, pagos pelas organizações que estão a tentar promover a necessidade das mudanças climáticas.

D: Não deveria estar assegurada, no sistema de ensino e educação, uma preocupação em compreender a importância da protecção ambiental? 

A: Estamos a falar de uma questão que é, hoje, muito politizada. Fala-se sobre isso nas escolas de uma forma afirmativa, o que gera reações por parte de outros, por exemplo os pais, que, muitas vezes, não acreditam. Para um professor dizer que algo tem de ser feito relativamente ao ambiente, se não haverá efeitos drásticos, é porque teria algum impacto. No entanto, os locais que mais precisam de receber este tipo de informação são os que não têm ninguém para ensinar e alertar sobre esta problemática. As pessoas que acreditam nesta causa mudam para as cidades para que possam estar socialmente mais envolvidas. As pessoas que ignoram a questão ambiental optam pelas áreas mais rurais onde podem ficar “no seu mundo”. Nesses lugares, é difícil encontrar alguém com uma opinião diferente do status quo. E se o professor não acreditar, pessoalmente, em alguma coisa, então a sua atitude é a de minimizar a situação: é algo que tem que ensinar sem realmente concordar com o que diz.

D: Sente que faz parte de uma minoria quando se trata da consciencialização sobre questões ambientais e a sua proteção?

A: Acho que é 50/50. Metade acredita na mudança climática e nas ideias progressistas, ao contrário da outra metade. As últimas eleições são um bom exemplo. Eu não me sinto parte de uma minoria, mas também não me vejo no grupo maioritário.

Photo: Courtesy of Andrew Kovaleski

Photo: Courtesy of Andrew Kovaleski

Andrew considera, ainda, que as pessoas, de certa forma, não admitem que existe um problema, como o aquecimento global e a sustentabilidade. Dão, antes, a volta à situação e dizem: “Que factos há para provar que o aquecimento global é real e que leva a certas mudanças?”. Para além disso, acredita que esta forma de pensar pode estar relacionada com uma compreensão distorcida da liberdade de expressão e escolha. Uma opinião deve ser algo formado a partir da investigação e da análise, no entanto, o músico concorda que, para alguns, torna-se uma escolha aleatória que vão sempre defender.