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Cultura

A VIDA É UMA DANÇA BIZARRA DE SAMUEL ÚRIA

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A noite começou (e bem) com a doce voz de Catarina Munhá a ecoar pela sala de espetáculos do Maus Hábitos. A artista em emergência trouxe até terras portuenses alguns pedacinhos do todo que é o seu álbum de estreia, Animal de Domesticação, que terá escrito aquando do aluguer do seu rés-do-chão. Canções como “Águas Furtadas”, “Leite Derramado” e “Choveste” evocam o tempo em que o seu cantinho estava ainda vazio e lembram-na de quando os seus instrumentos e canções substituíam a mobília.

Também “Isto de ser Mulher”, na qual costuma partilhar o tempo de antena com Hélio Morais (Linda Martini), não foi esquecida e “Qualquer Beata” foi a melodia à qual o anúncio do próximo trabalho ficou entregue.

Os “minutinhos” – que mais pareceram segundos – de Catarina acabaram e a artista abandonou o palco, mas para trás ficou uma curiosidade (e não é exagero dizer que em toda a gente) de ir espreitar o seu trabalho na esperança de passar por momentos tão delicados quanto os que acabaram de acontecer.

Já passava um pouco das horas previstas, mas há artistas pelos quais vale a pena esperar – ainda que uma vida inteira. Entra agora em palco a estrela da noite. “Há sempre uma espécie de quentinho subjetivo quando vamos tocar ao Porto”, diz Samuel Úria depois de se aperceber da quão lotada a sala estava.

“Agenda” e “Miúdo” são as escolhidas para abrir o serão de rock, mas é a “Aeromoço” que trata de acalmar o ambiente eletrizante: “se nós tocássemos mais uma canção rápida, acabava aqui o concerto”.

É agora a vez de recordar O Grande Medo do Pequeno Mundo com “Essa Voz” e o público não teme em mostrar a seu carinho pelo álbum. Canta-se “Tapete”, “A Grandiloquência do Roque”, “Mãos” e “Nirivita” e aproveita-se todos os segundos entre elas para não deixar passar despercebido quem ajudou a que a noite fosse possível: vai-se apresentando os elementos da banda, mas também quem está na sombra dos holofotes.

Trocam-se as guitarras que estão desafinadas, mas para trás deixa-se ficar o cape que a próxima música requer. Já era tempo de se cantar a “canção mais nortenha da noite”. A mais bela e a mais feia. A mais verdadeira e a mais dolorosa. A que estende pontes e levanta muros. “Lenço Enxuto” é a mais aguardada da noite, até mesmo pelos que vieram pela euforia do rock, e isso nota-se quando a sala se une pela primeira vez numa só voz para a cantar.

O concerto prossegue e canções como “Fusão”, “Não Arrastes o Meu Caixão”, “Rock Desastre” não são esquecidas. Entretanto, pela necessidade de uma “ injeção de sangue novo em palco”, chama-se o então aniversariante Jorge Romão. O baixista dos antigos GNR junta-se a Samuel Úria para dar duas de rock em “Repressão” e  “Sub 16”, esta última uma original da ex-banda portuense.

Há ainda tempo para homenagear “aquela que era maior que todos nós” em “Lábios da Amália”. O concerto parece acabar com “Teimoso”, que não podia combinar mais com o público desta noite, que teimava em não querer que o espetáculo terminasse.

Samuel Úria e a banda voltam ao palco para cantar aquele que é o mais bonito poema de amor do compositor: “Barbarella e Barba Rala”. O ambiente acalma, como o tema assim o exige, e podemos ver rostos de olhos fechados a murmurar cada palavra. Segue-se “É Preciso que Eu Diminua” e é “Tigre Dentes de Sabre” que dá por terminada a noite quente que se vivia no Maus Hábitos.

Segue-se uma longa e merecida salva de palmas – e não é para menos. Ah, como a vida bem pode ser uma viagem pelo reportório de Samuel Úria e uma bizarra dança dos seus pés de roque enrole.

Artigo da autoria de Francisca Gomes