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Cultura

MAUS HÁBITOS TRANSFORMOU-SE EM CAMPO DE BATALHA ONDE AS ARMAS FORAM IDEIAS

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O universo artístico passa agora por um período conturbado e os atos de inúmeros criadores de conteúdo reacenderam a discussão de algumas questões morais.

O movimento feminista #MeToo, que tem vindo a incentivar a quebra de silêncio de vítimas de violência sexual, trouxe até ao espetro público denúncias contra nomes como o do produtor Harvey Weinstein ou o de Brian Singer, cujos primeiros casos datam de 1997. Acusações de assédio caíram também em cima do ator Kevin Spacey, que se viu a ser afastado da série House Of Cards, e do realizador Roman Polanski. Recentemente, temos o exemplo do documentário Leaving Neverland, da HBO, que alegou crimes de violência sexual infantil cometidos por Michael Jackson, mas se recuarmos um pouco no tempo, encontramos também situações de má conduta que já têm sido faladas, como é o caso do realizador Woody Allen.

Como é que nós, enquanto sociedade, devemos agir perante estes casos? Devemos condenar o comportamento de um artista através do boicote ao seu trabalho, ou isso seria descartar a sua contribuição histórica para uma determinada área? Devemos ser capazes de separar a arte do seu criador, ou isso seria perdoar atos condenáveis e instalar um clima de “vale tudo”?

Fotografia: Inês Moura Pinto

Fotografia: Inês Moura Pinto

Foi sobre estas dúvidas que se debruçou, na passada terça-feira, a última Battle of Ideas organizada pelo Institute of Ideas (Londres). A sala de espetáculos do Maus Hábitos encheu-se para desconstruir e responder à questão “Can we deplore the artist but love the art?”. O debate, mediado pela especialista em política de artes e cultura Mo Lovatt, teve como oradores Tiago Assis e Paula, dois professores da Universidade do Porto, Patrícia do Vale, uma curadora independente e ainda (last but not least) Manick Govinda, um consultor freelancer de artes.

Cada um dos oradores convidados pôde partilhar a maneira como dá resposta a este problema através da partilha das suas opiniões com base na sua área profissional, tornando o discurso muito subjetivo e pessoal.

Ainda que com diferentes bagagens e experiência vividas, foram muitos os pontos que reuniram o acordo de todos. A ideia de que devemos ter a capacidade de conseguir separar a arte do artista foi unânime no discurso de cada um.

Patrícia partilhou ter até criado a sua própria “galeria de monstros” por não se sentir capaz de se desapegar de certas peças de arte, ainda que condene os atos dos seus criadores, ressalvado ainda que não é justo condenarmos artistas do passado à luz da sociedade de hoje. Seguindo também pelo caminho da compreensão, Tiago Assis refere que devemos ser capazes de interpretar certas situações menos corretas de maneira, não a desculpar, mas sim tentar perceber a posição de cada pessoa e não cair no erro de reduzir as suas criações às suas ações, afirmando ainda que, para si, banir qualquer tipo de trabalho artístico não deve ser uma opção.

Paula leva até a ideia mais longe fazendo referência a inúmeras personalidades portuguesas cujo trabalho não foi banido e se tornou importante para compreendermos a história do país, dando Eça Queirós como um dos casos do homem que só pensava em dinheiro e que criticava os próprios amigos, mas que foi essencial à nossa compreensão da sociedade portuguesa do século XIX.

O tom descontraído e acessível que a conversa conseguiu atingir refletiu-se, por sua vez, na participação ativa do público. Não se sentiu por momento algum uma barreira entre oradores e audiência. A troca de ideias foi constante e cada opinião foi ouvida, desconstruída e, acima de tudo, respeitada.

Artigo da autoria de Francisca Gomes