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Cultura

Oppenheimer: O Prometeu Americano

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Três anos após a estreia de Tenet, que muitos fãs consideraram uma desilusão, Nolan regressa com um filme bastante distinto de todos os seus anteriores e que marca uma importante separação do realizador com a Warner Bros. Inspirado no livro de Kai Bird e Martin J. Sherwin, American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer, o realizador britânico-americano escreve assim o seu primeiro argumento na primeira pessoa, isto com o objetivo de apresentar a história do famoso físico na perspetiva do mesmo. É de realçar ainda que provavelmente o filme mais focado em diálogo dirigido por Nolan foi escrito em apenas alguns meses, sendo, no entanto, uma obra que o próprio visiona há mais de vinte anos.

Este épico de três horas começa com uma breve descrição do conto de Prometeu, o titã que roubou o fogo aos deuses para o dar aos humanos e que, por isso, foi castigado para toda a eternidade. Nolan pretende estabelecer de imediato uma relação de paralelismo entre o mito do Prometeu grego e a realidade da vida de Oppenheimer, o “Prometeu Americano”, que irá ser contada no filme. Concretiza-se assim uma espécie de aviso ou mesmo uma antevisão do que está para vir, ou seja, a história de um homem que através do seu papel no desenvolvimento da bomba atómica deu aos seres humanos o poder de se destruírem, vivendo o resto da sua vida atormentado pelo seu feito, tanto a nível pessoal como político.

À semelhança dos outros filmes do realizador, Oppenheimer segue um estilo de narrativa não linear, principiando a ação nos anos 50 com o físico a ser interrogado por um conselho de segurança a cerca de possíveis ligações aos soviéticos durante o seu envolvimento no desenvolvimento da bomba atómica. Simultaneamente, Lewis Strauss (Robert Downey Jr.), presidente da Comissão de Energia Atómica (AEC), procura distanciar-se do seu antigo colega e amigo durante as suas audiências de confirmação para o cargo de Secretário do Comércio do presidente Eisenhower.

O resto da narrativa surge sob a forma de flashbacks que passam pelas várias etapas da vida do físico. Desde o tempo que passou a estudar na Europa, em que cruzou caminho com alguns dos mais importantes cientistas da época, como Patrick Blackett (James D’Arcy), Niels Bohr (Kenneth Branagh), Werner Heisenberg (Matthias Schweighöfer) e Albert Einstein (Tom Conti); passando pelo seu regresso aos Estados Unidos, no qual trouxe para o seu país natal o estudo de mecânica quântica; e até ao Projeto Manhattan, que foi escolhido para liderar por ser considerado a mente científica do momento, cargo que prontamente aceitou, uma vez que, como homem judeu, mais do que ninguém sentia que era o seu dever auxiliar a sua pátria na corrida contra os nazis para construir uma bomba.

A primeira metade do filme foca-se maioritariamente no crescimento do estudo da mecânica quântica no Estados Unidos, impulsionado pelo protagonista, e no desenvolvimento e subsequente teste da bomba atómica na cidade secreta de Los Alamos, Novo México. Porém, é também ao longo desta parte que se tornam claros os interesses e as conexões políticas de Oppenheimer, principalmente com o Partido Comunista do qual fazem parte muitos dos seus amigos e o seu próprio irmão, que mais tarde levam a que a sua lealdade para com a sua pátria seja questionada.

Assim, a segunda metade do filme explora precisamente a perseguição política que o aclamado físico foi alvo durante a era do Macarthismo. Aqui o pai da bomba atómica é obrigado a “justificar a sua vida toda”, desde o seu envolvimento amoroso com a conhecida comunista Jean Tatlock (Florence Pugh), até ao Incidente Chevalier e ao envolvimento da sua mulher, “Kitty” Oppenheimer (Emily Blunt), com o Partido Comunista.

Com Oppenheimer, Nolan atinge um novo alto na sua carreira a nível técnico, provando que se encontra vários passos à frente da maior parte dos diretores da sua geração, dando se destaque ao uso magistral do som que, aliado de uma excelente trilha sonora da autoria de Ludwig Göransson, contribuem para uma imersão completa da plateia.

As brilhantes atuações de um elenco de estrelas certamente não ficam aquém da genialidade dos aspetos técnicos do filme. Robert Downey Jr. prova que, após vários anos a trabalhar para a MCU, ainda consegue entregar uma performance exemplar, enquanto outros grandes nomes da indústria como Matt Damon, que desempenhou o papel do General Leslie Groves, e a própria Emily Blunt também não desapontaram. Contudo, é a monumental encarnação de J. Robert Oppenheimer realizada por Cillian Murphy, resultado de uma enorme dedicação e sacrifício pessoal, que acaba por ser o foco de todas as atenções, tanto mediáticas, no que toca a previsões de nomeações para Óscares e Globos de Ouro, como dos próprios colegas que afirmam nunca terem visto tamanho empenho na realização de um papel como o de Murphy.

No entanto, apesar de todos os aspetos já mencionados acerca do filme, que serão certamente a origem de vários debates e trocas de elogios entre tanto críticos como fãs durante vários anos, é imperativo identificar o caráter humano de Oppenheimer como a verdadeira fonte de genialidade da que por muitos já é considerada a magnum opus de Nolan. Ao longo de 180 minutos são nos apresentadas duas perspetivas distintas: a do físico, em que a imagem a cores representa uma visão mais subjetiva dos acontecimentos; e a de Strauss, em que o uso inovador de imagens a preto-e-branco gravadas em IMAX apontam para uma representação mais objetiva de certos momentos do filme.

Todavia, é a perspetiva a cores que vigora durante maior parte do filme, permitindo assim ao espetador estabelecer uma conexão e até mesmo sentir empatia pelo protagonista que, apesar de ser visto por muitos como alguém arrogante e narcisista, não deixa de ser um ser humano que teve de lidar com um peso de consciência sobre-humano. Assim tem-se que o principal foco do filme é o tumulto psicológico de Oppenheimer, resultado não só do seu papel nos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, uma decisão que não foi sua mas que não seria possível sem o seu trabalho, mas também da sua ingenuidade na crença de que a bomba atómica traria paz mundial.

Por fim, pela sua excelente noção de “timing”, é vital destacar Oppenheimer como (ainda mais do que o melhor) o mais importante filme do ano. Nolan traz aos cinemas um thriller biográfico aliciante e até mesmo viciante, mas que acima de tudo conta uma história que faz sentido ser ouvida nos dias de hoje, pois o medo de um holocausto nuclear é algo cada vez mais presente na mente de cada um de nós. E é precisamente com isto que o realizador nos pretende deixar: o olhar profundamente atormentado de Cillian Murphy, um sabor amargo na boca, um aperto no coração, talvez até uma lágrima no canto do olho; isto tudo numa avalanche de sentimentos que não são pessoais mas sim globais e de que de certa forma nos unem a todos numa simultânea paixão pelo cinema e receio pelo futuro.

Artigo escrito por Duarte Leite