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Ciência e Saúde

“AS CIÊNCIAS SOCIAIS NÃO SÃO CIÊNCIAS POBRES”

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João Teixeira LopesNa sua opinião, como está a Ciência em Portugal nos dias de hoje?

Se olharmos para os níveis de financiamento eles estão a cair não desde há três ou quatro anos. E vem geralmente acompanhada por um discurso de legimitação dessa queda. Ou seja, o discurso dominante diz-nos que na verdade não há menos dinheiro para a Ciência, há menos dinheiro público, mas isso até pode ter um lado positivo. Porquê? Porque supostamente o dinheiro público cria dependências. Se quiseres, é, mutatis mutandis, o discurso da subsidiodependência que habitualmente se cola ao campo cultural e artístico. E por conseguinte, diz-se que o ideal seria que o Orçamento de Estado para a Ciência diminuisse porque isso significaria quer o aproveitamento dos fundos comunitários quer principalmente o aproveitamento do investimento privado. Mas isto é uma falácia completa. Porque se há outra coisa que os números demonstram também é que o financiamento privado, empresarial, de Investigação e Desenvolvimento é muito pequeno, é reduzidíssimo, e não tem aumentado.

Como comenta o facto das Ciências Sociais estarem a ser mais atingidas que as outras áreas?

Isso é evidente particularmente nos últimos concursos de projectos científicos e de bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento. Tens variações que vão de 15% de bolsas atribuídas nas ciências biológicas ou noutro ramo da engenharia e depois tens 5%, 6% áreas das ciências sociais. Essa é outra questão importante. Desde sempre as ciências sociais têm sido preteridas com o argumento de que, por um lado, a sua aplicabilidade é menor, por outro lado, os seus próprios custos de funcionamento seriam menores. As ciências sociais, ainda que seja muitas vezes as ciências dos pobres ou que estudam os pobres, não são ciências pobres. São ciências que exigem o mesmo grau de sofisticação e complexidade. Mas são ciências que desde sempre têm levantado por parte dos poderes instituídos alguma desconfiança.

Então, como responde a quem diz que as ciências sociais não criam valor para a sociedade?

A resposta que eu dou é que quem afirma isso tem uma visão de lucro imediato, tem uma visão ultra restrita da aplicabilidade e, em terceiro lugar, esquece-se como o pensamento sobre a própria Ciência é desenvolvido. Como é que se produzem as teorias e os conceitos? Epistimologia. Quais são as condições instituicionais favoráveis à propagação da cultura científica? A sociologia da ciência dá um bom contributo para isso. Porque é que certos temas são previligiados face a outros, que dificilmente são estudados? Porque é que as mulheres demoram mais tempo a chegar ao topo das hierarquias científicas? Enfim. Todas essas questões fundamentais para uma política científica, para um política pública moderna, são património, ou da filosofia, ou das ciências sociais, ou do conhecimento crítico em geral. Logo, a visão restrita da aplicabilidade é uma visão muito curta, muito mesquinha, que só vê utilidade na Ciência se ela produzir imediatamente, amanhã, uma patente, ou se tiver um qualquer efeito mecânico numa empresa, numa organização.

Quais são as maiores implicações que os resultados do concurso da FCT teve, na sua opinião?

Apesar da FCT ter dito que, e isso foi público, iria atribuir 10% de bolsas de forma tranversal independemente das áreas ou domínios, o que já de si é muito pouco, é uma quebra brutal em relação a concursos anteriores e que significa desinvestimento público na Ciência. A meu ver, o principal efeito foi essa hierarquização das áreas científicas do ponto de vista institucional. E há um terceiro aspecto, além do desinvestimento e da hierarquização que são os procedimentos, a meu ver, ilegais, de alterar classificações do juri, sem que o juri tenha sido avisado.

Há um recuo duplo da FCT no entretanto. A FCT vai tentar repor os 10% através deste orçamento adicional que apareceu por causa duma reacção transversal da comunidade científica. E há outra coisa que é a FCT ter manifestado abertura para repor as classificações que o juri tinha dado em sede de audiência prévia. A ver vamos.

Como é que isso afecta a sua decisão, tornada pública, de recusa em voltar a pertencer a esse juri?

Eu não vou voltar a ser avaliador em futuros concursos, e isso tenho certeza. Não quero mais colaboração com a FCT enquanto ela funcionar nestes moldes e tiver esta orientação ideológica de subfinanciamento público, hierarquização das áreas científicas. A minha única dúvida neste momento prende-se com participar ou não na audiência prévia. Se eu achar que, como houve estes recuos, para os candidatos pode ser mais útil eu estar lá nas audiências prévias, como membro do júri, e se for reposta a classificação anterior, considero a hipótese de participar no painel no que diz respeito às audiências prévias. Mas em futuras avalições não farei parte porque acho que seria uma colaboração com um sistema científico em desestruturação e que gera injustiças e desigualdades.

Passemos para o futuro. Até onde nos levará a implementação e manutenção destas políticas científicas?

Eu acho que nos colocará numa posição ainda mais subalterna no que diz respeito à nossa posição na divisão internacional do trabalho científico. Nós tínhamos conseguido recuperar atrasos, tínhamos até, em alguns aspectos, uma posição próxima das boas práticas ou das boas médias. Acho que agora iremos ficar claramente subalternatizados. Isto é, acho que vamos ter um apoio ultra concentrado, ultra selectivo, ligado para aquilo que o Governo considerar ser o mais interessante em termos de exportações no momento acutal. O que quer dizer uma visão de curtíssimo prazo sobre a Ciência e isso significa o desmantelamento do sistema científico nacional, ponto. Significa uma hipoteca do futuro. Significa também que, no futuro, a lógica rentista das empresas se vai desenvolver, porque vão ter dinheiros públicos para fazer investigação privada segundo interesses privados.

Por fim, o que é central e urgente alterar na política de Ciência em Portugal?

A questão da precariedade dos cientistas, eu acho que é fundamental. Ou seja, unidades científicas com um quadro de financiamento estável e com uma equipa e recursos humanos estáveis que possam ter previsibilidade e algum tipo de estabilidade. Porque eles são avaliados. A ideia de que a previsibilidade é inimiga da boa performance científica, é errada. A boa performance científica faz-se com avalições rigorosas entre pares. Eles estão expostos constantemente. Essa exposição garante à partida a qualidade do produto científico. A estabilidade garante também, creio eu, a possibilidade de se fazerem projectos que, mais uma vez, não sejam condicionados pela necessidade absoluta do momento. Isso é que é futuro científico.

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