Connect with us

Cultura

ReadS: Como se lê na Universidade do Porto?

Published

on

O Reading Summit (ReadS), organizado pelo Plano Nacional de Leitura, é um concurso de leitura e escrita destinado aos alunos do Ensino Superior. Tendo por base um livro à escolha dos concorrentes, estes devem elaborar um texto verbal ou multimodal. É permitida a participação em pares e o apoio ou consultoria de elementos da instituição de ensino.

A cerimónia de entrega de prémios da edição de 2023 decorreu no dia 4 de julho, na Reitoria da Universidade do Porto (UP). O JUP esteve presente e conversou com vários dos participantes, incluindo os vencedores, todos estudantes da UP.

O primeiro lugar foi atribuído à participação conjunta de Francisca Ferreira e Beatriz Pinto, ambas do Mestrado em Biologia Funcional e Biotecnologia de Plantas da Faculdade de Ciências (FCUP); o segundo lugar a Afonso Couto, aluno de Engenharia Eletrónica e de Computadores, na Faculdade de Engenharia (FEUP); o terceiro lugar a Rui Miranda, estudante do Mestrado em Engenharia Matemática da FCUP.

A cerimónia

Foto: Ana Pinto | ReadS 2023

A sessão de abertura da cerimónia contou com as palavras de representantes da Universidade do Porto, da Câmara Municipal do Porto (CMP) e do Plano Nacional de Leitura (PNL).

O Vice-Reitor da Universidade do Porto, Prof. Dr. José Castro Lopes, mencionou um “orgulho particular” em ver a Universidade do Porto tão bem representada no cenário nacional. “Vivemos hoje, no Ensino Superior, uma crise da leitura e da cultura humanística”, comentou, reforçando a importância destas atividades para a preparação da geração atual de universitários, com um papel definidor no futuro na sociedade.

Do mesmo modo, a Dr.ª Catarina Araújo, Vereadora da CMP, elogiou o testemunho dos jovens participantes e o seu gosto pela leitura extracurricular, reconhecendo o contributo do ReadS na promoção da mesma.

“Foi mérito próprio”, afirmou a Comissária do PNL, Dr.ª Regina dos Santos Duarte, sobre a escolha da cidade do Porto para receber esta cerimónia. Não houve lugar a dúvidas, uma vez que “dos finalistas, grande parte são das diferentes faculdades da Universidade do Porto”. Lembrou também que “a maior representação nos finalistas não é dos alunos de Letras, o que significa que na Universidade do Porto, nas diferentes faculdades, se lê, e se lê bem”.

“Não temos de ter um diploma em estudos literários para podermos falar de literatura; temos de ser leitores.”

A Comissária do PNL destacou o papel do concurso em dar voz às leituras pessoais dos universitários, que são “o resultado de escolhas livres”, servindo o desenvolvimento do espírito crítico, da curiosidade e da capacidade de participação. “A voz sobre a leitura não é uma voz de autoridade, (…) é a de todos nós leitores, e todos temos direito a ela”, lembrou. “Não temos de ter um diploma em estudos literários para podermos falar de literatura; temos de ser leitores.”

À sessão de abertura, seguiu-se uma intervenção do Prof. Dr. Nuno Camareiro, também romancista, acerca do sempre imprevisível “confronto do mundo interior do leitor com o mundo interior do escritor” que é ler um bom livro.

Numa Mesa Redonda, os finalistas tiveram a oportunidade de despertar a curiosidade sobre as obras escolhidas, explicar o essencial dos seus textos e o que neles ficou por dizer. O evento fechou com o anúncio dos vencedores e um momento cultural e de convívio.

À conversa com os estudantes

Embora não fator único, o entusiasmo sentido por um livro é certamente condição necessária para participar num concurso de leitura. Procurámos, assim, saber mais sobre este processo para cada participante.

Beatriz Pinto procura num livro “algum tipo de ensinamento. Não necessariamente uma lição de moral, mas algo que dê para refletir”. Beatriz e Francisca Ferreira concorreram com o clássico “Mataram a Cotovia”, de Harper Lee.

“[O livro] consegue tratar uma temática que é muito relevante, que é o racismo, mas de uma forma sui generis, na medida em que nós vemos as coisas através dos olhos de uma criança”, explicou Francisca. A esta inocência alia-se uma mensagem de esperança no futuro, também presente no texto das estudantes – uma carta às próprias, a abrir em 2060.

Afonso Couto aponta o “momento em que se acaba um livro, em que se fica em estado catatónico”. O estudante trabalhou numa fusão de “A Canção de Aquiles”, de Madeline Miller, e “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, e “cantou” o romance entre Aquiles e Pátroclo em soneto.

Dentro da sólida relação de Afonso com o mundo dos épicos, “Os Lusíadas” são uma paixão recente. Destacando as emoções fortes presentes neste tipo de literatura, não desvaloriza o valor da forma. “Demorei dois meses para escrever dez estrofes e nunca respeitei tanto Camões como respeito agora”, brincou.

“O que é realmente o homem sem os outros? Ricardo Reis pensava conhecer a resposta a esta pergunta.”

“O Ano da Morte de Ricardo Reis”, de José Saramago, foi a escolha de Rui Miranda, com uma abordagem técnica: Rui aplicou três teorias da psicologia do século XX à construção de uma personagem tão realista como Ricardo Reis. Para o estudante, um livro tem de “ao mesmo tempo, afastar-nos da realidade e ligar-nos a ela”.

Rui sublinhou a resistência a construir relações como um dos traços mais notáveis desta personagem. “O que é realmente o homem sem os outros? Ricardo Reis pensava conhecer a resposta a esta pergunta”, explicou. No entanto, a compreensão chegou “demasiado tarde, quando já não era capaz de reaprender a viver”.

Eu leio para ser tocada, e escrevo porque fui tocada. Gosto de um livro que me faça pensar”, partilhou Mariana Moreira, estudante da Faculdade de Direito da UP (FDUP). A sua escolha recaiu na mesma obra, que a prendeu pela temática da cidade e a perspetiva do deambulador.

Mariana destaca os deambuladores como personagens interessantes na exploração de temas como a solidão e a introspeção filosófica. Saramago serve-se desta lente para “nos apresentar, ironicamente, o perfil de Portugal e do povo português da primeira metade do século XX”. A premissa do texto que levou ao ReadS foi a hipotética opinião de Ricardo Reis sobre a Lisboa atual.

Foto: Ana Pinto | Mesa Redonda

Mais do que tudo, [um livro] tem que mover as pessoas”, afirmou Alice Pacheco, estudante na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC). Fascinou-a a complexidade da obra “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa, particularmente quando explorada à luz da sua Licenciatura em Psicologia.

“Não há uma melhor altura para começar a ler Fernando Pessoa, e especialmente o «Livro do Desassossego», do que a adolescência.” No seu texto, Alice colocou-se na pele do autor e interpretou passagens da obra com base na experiência pessoal, no conhecimento da literatura de Pessoa e no seu conhecimento científico.

Gabriel Gomes espera que o livro o faça “pensar sobre o mundo em que estamos atualmente e o mundo que queremos construir daqui para a frente”. O aluno da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC)  baseou-se em “Ecologia”, de Joana Bértholo, e construiu uma entrevista à autora com perguntas que colocaria ao romancista e filósofo Dostoiévski.

“Senti que, ao ler este livro, nós [eu e a autora] estávamos a reparar na mesma coisa do mundo”, comentou Gabriel. A obra retrata uma sociedade em que se começa a pagar, diferenciadamente, pelas palavras usadas, medida que confronta resistência e conformismo.

“Senti que, ao ler este livro, nós [eu e a autora] estávamos a reparar na mesma coisa do mundo.”

“Há duas coisas que eu procuro num livro. (…) O conteúdo e a forma como esse conteúdo é apresentado. Quando escolho um livro para trazer para o concurso, geralmente escolho um livro que tem as duas”, afirma Marco Loureiro, estudante de Física na FCUP. Isto justifica a seleção de “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde.

Além de reconhecer o autor como um estético, Marco avisa que o livro reflete a experiência do leitor. “Baseei-me numa temática de espelhos, numa temática de reflexos, (…) e decidi tentar retratar a humanidade, e tentar retratar-me a mim próprio enquanto personagem do livro”, partilhou.

Diana Duarte e Beatriz Bacelar, estudantes na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, escolheram “Um Crime no Expresso do Oriente”, de Agatha Christie, e reinventaram a narrativa com um assassino diferente.

As estudantes referiram a escolha da obra como um dos principais desafios, devido às diferenças de gostos literários. No entanto, têm em comum “uma missão de fazer chegar este gosto, que nós já temos, pela leitura aos nossos alunos”, afirmou Diana.

Tratou-se, pois, de um evento rico pela variedade de experiências, de escolhas, de abordagens interpretativas e de textos construídos pelos estudantes – desde sonetos a cartas – fazendo pleno uso da liberdade de forma permitida e encorajada por este concurso do PNL.

Para saber mais sobre o ReadS, pode consultar o regulamento. Fique atento a novidades sobre a próxima edição no site oficial e redes sociais (Facebook, Instagram) do Plano Nacional de Leitura.

 

Artigo escrito por: Ana Pinto

Editado por: Inês Miranda

Fotografia por: Ana Pinto