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Mundo Novo

Carolina Duarte: “O grande desafio é conseguir que os políticos consigam falar com poucas palavras”

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Tendo iniciado os seus estudos na Escola Superior de Jornalismo, Carolina Duarte realizou também um master em Administração Pública pela Universidade Católica Portuguesa, exercendo funções posteriormente no grupo Renascença Multimédia como jornalista, por um período de 24 anos, lecionando ao mesmo tempo jornalismo na Escola Secundária Filipa Vieira. É assessora política há sete anos.

Considera difícil imaginar a política num mundo pós-pandemia?

Um bocadinho. Tenho visto que os partidos políticos demoram no que diz respeito à sua escolha do candidato às presidenciais, apesar de que já se mexem um bocadinho mais porque daqui a essencialmente ano ano teremos eleições autárquicas. O que eu tenho então verificado nos partidos políticos é um renovar intenso de campanha, via redes sociais, à exceção do PCP, que a realiza de uma forma “antiquada”.

 

Na sua opinião, quais serão as novas formas de fazer política num mundo a atravessar um possível final de uma primeira fase desta pandemia?

A aposta tem sido em reuniões, mesmo dentro dos partidos, realizadas com recurso às novas tecnologias. Eu lembro-me de uma votação recente: o PSD elegeu há pouco as suas distritais e as suas concelhias e toda a campanha foi feita através das redes sociais para os seus militantes, tanto por e-mail, dando a conhecer as figuras que se candidatavam e as suas propostas de organização para os próximos dois anos, quer depois por apelos sistemáticos pelas mesmas vias. Apenas as votações tiveram lugar presencialmente, como não poderia deixar de ser em democracia, voto a voto, pessoa a pessoa, mas mesmo aí o sistema já foi diferente: habitualmente, todos os militantes do distrito do Porto votavam no mesmo local, mas este ano dividiram as pessoas por vários grupos e alargaram as sedes de campanha de modo a evitar o contacto entre elas. Já quanto às eleições externas, os partidos têm recorrido às redes sociais, à exceção do PCP. Sabe-se que a pandemia não acabará enquanto não houver vacina, de modo que a aposta continuará a ser nas novas tecnologias, sem dúvida alguma.

 

Tendo em conta a sua experiência profissional nas áreas de consultoria e direção de campanha, quais serão os maiores desafios dos políticos e das direções de campanha a nível nacional e internacional?

O grande desafio é conseguir que os políticos que habitualmente falam muito consigam dizer em poucas palavras aquilo que se pretende. E outro facto que terá que ser mudado, o que já tem sido ao longo dos tempos, estando no entanto ainda longe de se conseguir, é a maneira como se dirigem às pessoas. É muito complicado estar a apelar ao voto e a fazer campanha quando se fala em questões que a maioria das pessoas não percebe (aquilo que costumamos identificar como “palavras caras”). Eu só me lembro de um político que é capaz de fazer isto, o Paulo Portas. É uma pessoa que conseguia dizer quanto é que custava um pacote de leite, um pão, e é muito raro os políticos conseguirem transmitir isso às pessoas numa altura em que vivemos numa pandemia, sendo que a maioria das pessoas perdeu o seu emprego e, caso exista uma segunda vaga (que muitas pessoas dizem que irá acontecer), a economia “bate no fundo”.

Carolina Duarte. DR

Entrando por esse caminho da crise financeira que iremos ultrapassar. Na sua opinião, qual é a diferença entre uma campanha presidencial numa época de crise financeira, como a vivida a partir de 2008 em Portugal, e a que se espera futuramente, devido aos efeitos da pandemia?

Eu não sou economista, não tenho informação, mas acredito que ao haver uma segunda vaga da pandemia será muito pior. A economia vai ressentir-se muito mais que em 2008, por razões diferentes, mas vai, e não sei como o iremos resolver. A única coisa que eu sei é que será por ajudas comunitárias, que não sei se chegarão. Não sei se haverá mais uma intervenção da Troika, se tal é admissível apesar do discurso que ouvimos durante muito tempo do primeiro-ministro de que não vai entrar, no seu historial político, uma recuperação económica por intervenção exterior, do FMI… Não sei se esse discurso vai ter de mudar, provavelmente vai. Cautelosamente, também os políticos, para não serem alarmistas, têm de ponderar o discurso. Não é hora ainda de [António] Costa falar de uma intervenção do FMI, mas há um discurso que ele terá de afinar todos os dias, à medida que a economia demonstra que está mal, que os indicadores estão maus. O discurso do político tem de se adequar à realidade. Contudo, as presidenciais não deixarão de fugir a esse assunto, contanto que serão em janeiro e poderemos estar a viver uma segunda vaga da pandemia. Obviamente que nenhum discurso poderá fugir desse assunto. Como o fará depende do seu credencial político. Quanto ao discurso, será mais com base nas suas filosofias políticas: se são liberais, neo-liberais, conservadores… O que todos terão em comum é uma palavra de calma e apelo aos portugueses, com base na história portuguesa, de que em momentos de dificuldade acabamos sempre por conseguir contornar o “Cabo das Tormentas”.

 

Em termos da história de Portugal, gostaria de lhe fazer uma pergunta mais especulativa, dando um salto ao passado. Em 1986, Mário Soares e Freitas do Amaral disputavam as eleições presidenciais, e muitos dos ganhos foram conseguidos com base em arruadas, comícios e mobilização presencial de militantes. Imaginemos a situação de pandemia nessa época: quais seriam os principais desafios como assessora e diretora de campanha e os suportes utilizados?

São tempos diferentes, é quase incomparável. Estamos a falar de duas figuras que marcaram o panorama político português, Mário Soares e Freitas do Amaral. Quanto ao doutor Mário Soares, que conheci bem, seria muito difícil calá-lo, no sentido de lhe tentar explicar que não poderia estar em público, beijar as pessoas… Estamos a falar de um político que tinha por hábito, nos comícios e por onde passava, abraçar, beijar, pegar nas crianças ao colo. Seria muito complicado explicar-lhe que vivíamos num tempo novo e não poderia fazer nada disso, que teria de usar máscara e cumprir a distância de segurança. Não consigo imaginar, sinceramente, Mário Soares a viver esta pandemia e a fazer campanha, a não ser por uma coisa: escrever, que sempre foi uma das suas paixões. Eventualmente, escreveria manifestos que seriam redigidos em versões mais curtas para as redes sociais. Estou a imaginar um lançamento de um livro, por exemplo. O doutor Freitas do Amaral, eventualmente, seria mais fácil de convencer, devido ao estatuto académico, a aderir às novas tecnologias e transpor o seu discurso, que não era tão animado, mas mais racional. Seria mais fácil levá-lo a fazer uma campanha pelas redes sociais que ao doutor Mário Soares.