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Crónica

Tempos de Redescoberta

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Perante os dias agitados que estamos a viver, que nos obrigam a observar o mundo apenas pela janela e forçosamente a passar mais tempo connosco próprios, encontramos a altura ideal para nos redescobrirmos.

Tenho tentado perceber por onde passa esta redescoberta. Curiosamente, apenas uma minoria de nós diz, em bom português, qual tem sido a sua. Mas, indiretamente, tenho constatado algumas redescobertas maravilhosas que apelam ao nosso humanismo, à nossa criatividade e àquilo que de bonito existe em nós.

Por um lado, nota-se que há uma reaproximação, talvez motivada pela tentativa de manter a sanidade mental de toda a família. Assim, procuram-se atividades para realizar com os filhos, jogos, trabalhos manuais, inventam-se maneiras de entretenimento, puxa-se pela criatividade e voilà, somos diariamente arrebatados com os relatos das ideias mais imaginativas e surpreendentes que vimos nas últimas décadas.

Por outro lado, estamos fechados em casa, no entanto, só agora conhecemos os nossos vizinhos! Só agora vamos às varandas, cantamos às janelas e damos o que temos para dar a quem vive perto de nós … Até já há quem saia à rua para dar aulas de ginástica aos seus vizinhos, que de todas as idades, acompanham a partir das suas varandas! A bela ironia do ser humano…. É preciso ficarmos fechados para nos abrirmos.

Somos obrigados a redescobrir outras formas de nos entreter, há quem veja as séries que tinha há meses guardadas nos favoritos, há quem releia os livros com pó que tem na prateleira há séculos ou finalmente tenha tempo para ler o monte de livros novos que foi acumulando na mesinha de cabeceira.  Existem aqueles que estão a redescobrir a paixão pela cozinha, pela escrita, pela música e por todo um leque vasto de coisas a que antes não conseguiam se dedicar.

Há quem se dedique aos amigos, a dita pôr a conversa em dia, só que hoje apenas virtualmente. Que finalmente tem tempo para um café, apenas em videochamada, mas desta vez não irão existir contratempos certamente.

Redescobre-se a saudade. A saudade de conviver, dos abraços e dos beijos, do barulho das cidades e do martírio que são os transportes públicos. A saudade de ver os nossos, dos nossos sítios, a saudade de tudo o que nunca pensámos que iríamos sentir saudade. Em muitos casos, ama-se à distância, ama-se a partir de memórias e de ecrãs.

Obrigam-nos a ser resilientes, unidos e pacientes. Três caraterísticas chave e tão difíceis de alcançar por nós, que nos habituámos ao facilitismo das coisas, ao egoísmo e à pressa de querer tudo para ontem. Assim, redescobrimos do que somos capazes, onde podemos chegar e quem realmente somos.

A redescoberta que hoje todos vivemos, cada um a seu tempo e à sua maneira, resume-se a tudo o que sempre esteve aos nossos olhos, mas que nós temos vindo a ignorar por falta de tempo, porque o trabalho é muito, porque temos muito para estudar. À família, aos vizinhos, às pequenas coisas que nos fazem feliz, às amizades, ao amor, à saudade…

Hoje, mais do que nunca, temos de voltar a descobrir a nossa resiliência, a nossa união e a nossa paciência. Temos de voltar a descobrir a vida e quem nós somos.