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Artigo de Opinião

Novo e-mail na caixa de entrada: uma lembrança de que o tempo passa

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Parei de escrever poesia.

Não sei exatamente como ou quando, contudo, só percebi hoje ao receber um e-mail da Associação de Estudantes da faculdade nos convidando a participar num concurso de escrita. O tema? Poemas. Qualquer tema, desde que em versos.

E, embora o meu primeiro impulso fosse abrir o rascunho e começar a procurar por um arquivo PDF qualquer para enviar, parei. E dei-me conta de que o meu texto mais novo era um experimento modernista de há quase dois anos. A maior parte da minha produção ficou na minha adolescência, junto dos meus ténis de cano baixo e das calças jeans azul marinho que faziam parte do uniforme do colégio católico – assim como a esperança de evitabilidade da crise climática ou de ressignificação e retomada da bandeira brasileira. Ainda existia uma coisa ou outra do início da faculdade, da época do meu primeiro coração partido. Quanta nostalgia, quando paro para pensar agora. Recém-formada e recém solteira – tinha descoberto que o para sempre não passa dos vinte anos quando se começou antes dos dezoito. E que compromisso era muito mais do que decidirmos juntos o que assistir numa sexta à noite, ou se era melhor pedir pizza ou kebab. No meio dos arquivos, ainda tinha também alguma uns poemas em inglês – algumas palavras ousadas em espanhol ou alemão. Da época que eu decidi que precisava exercitar mais a minha tentativa de poliglotismo. Mas nada com menos de um ano. Nenhum filho novo, nenhum orgulho. Nada que fosse digno de submeter para o concurso. Gastei minha sorte jovem demais e maintenant, faire quoi, c’est la vie.

Talvez seja porque poesia é coisa de gente nova e meu espírito já é velho demais para isso. Não tenho mais o gingado necessário – se é que uma vez tive – para versos e rimas e métricas batidas, inéditas, criativas, paixão lírica e sentimento, enfim. Talvez seja porque agora adulta, as contas a pagar, a faculdade, o emprego novo, o voluntariado; essa rotina intensa e extensa me consome demais e daí não sobre tempo, criatividade, ou um ou dois sonetos decassílabos. Quiçá a culpa seja da própria faculdade que, com suas leituras obrigatórias e bibliografias vastas, não me permite desfrutar de uma tarde vadia com Drummond em uma mão e um vinho na outra.

Mais provável seja porque comecei a tomar antidepressivos e ansiolíticos e finalmente estes estão fazendo efeito.

Só sei que parei de escrever poesia. Não sei exatamente como ou porquê. Só parei de escrever.

Fui ler aquilo que rascunhava quando nova, na vã esperança de reavivar meu espírito de fingidora e voltar a sentir a dor do fazer da arte, mas tudo o que consegui foi o ardor no meu rosto ao deparar-se com a pior versão de si quando ainda se era enganado pela volatilidade das memórias.

Descobri, meus caros, o motivo de meu abandono poético – eu acho: a produção não passava mais pelo corte de qualidade.

Porque quando se é criança, qualquer palavra basta. Qualquer metáfora é nova, qualquer ironia é profunda. O eufemismo encanta e prosopopeia engana; e é fácil se perder entre as antíteses antitéticas, os apóstrofes, as aliterações, as elipses e os pleonasmos hiperbólicos. Mas quando envelhecemos, todo filme começa a parecer o mesmo, e a cerveja dos bares perde a graça quando comparada com aquela que se provou em Berlim. E os amores deixam de ser intensos e os erros ficam mais amargos já que não há mais tanto espaço assim para errar. E as pessoas esperam mais de você, o mercado já não admite a sua falta de experiência e você não se sente mais tão confortável em criar comparações entre a sua dor e as estações do ano ou seus ímpetos suicidas e o fluir do rio porque agora, enfim, já tem quem entenda e escute seus sentimentos – cobra 40 euros por sessão, mas aceita plano de saúde.

A vida perde um pouco a graça e eu ainda nem cheguei aos trinta.

Talvez seja por isso que parei de escrever poesia.

 

Artigo da autoria de Débora Magalhães Binatti

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