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Artigo de Opinião

O Relógio que Nunca Andou

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A noção de tempo é inegavelmente relativa, apenas mais uma vontade da humanidade de se impor ao correr natural da vida. Desde sempre, tentamos regular algo tão superior ao nosso ser. Tanto tempo passamos ofuscados pela ilusão de que somos apenas um sopro de tempo e que é apenas uma questão de dias para que esse sopro nos leve como cinzas de algo que nada mais tem para dar. Algo tão possivelmente perturbante que não passará de uma manipulação do nosso conceito do que pode ser uma vida —  reduzimo-la a um mero início, meio e fim.

O avançar dos ponteiros do relógio pode também ser um reconforto, um repouso nos números crescentes que rodeiam aqueles que não se podem cansar de correr. Sendo estes que determinam o passar do tempo, e sendo eles regulados pela mão humana, como é possível que ainda se caia na ilusão de que o tempo é inevitável, quando tudo o que basta para o parar é o movimento em direção a um botão? Porque, na verdade, quem avança indispensavelmente não são os números num ecrã, nem os ponteiros num pulso, mas nós, pelo contínuo temporal que nada mais é a passadeira entre o hoje e a incerteza do amanhã, nada garantido senão a ideia para alguns utópica de que o presente passará. Lamento desiludir, mas se o tempo é um contínuo, julgo que não temos o direito de o rasgar em pedaços de esmola que de maneira alguma irá saciar a fome dos mais famintos pela ideia do dia seguinte.

Desde sempre ouvi dizer que o presente é uma dádiva. O passado será, então, uma prenda engavetada e o futuro algo pelo qual ansiamos tal qual uma criança na véspera de Natal, ou talvez algo tão inesperado quanto um dia de sol quando ainda ontem as nuvens choravam desalmadamente e o vento fazia eriçar a superfície da nossa pele que mais tarde ou mais cedo irá ser, sem qualquer margem para dúvidas, acariciada pelos raios escaldantes da estrela que nos garante o dia de amanhã.

A passagem do tempo não irá apagar alguém que fomos outrora, mas irá abraçar todas as versões que porventura tememos recordar, mas que contribuíram para a soma do que somos hoje e que iremos ser no hoje de daqui a muitos dias e noites. O tempo não existe, porque o relógio nunca andou, pelo contrário, quando nos toca a sensação de que o tempo parou, é aí, nesse preciso momento, que somos imensuráveis.

Artigo da autoria de Joana Oliveira