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Crónica

QUERIDO JOVEM,

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Sara Monteiro

Sara Monteiro

quem te escreve é o país que te viu nascer, Portugal. Escrevo-te para te pedir que fiques comigo, que não deixes o meu clima ameno e que pares para pensar em tudo o que te dei de mão beijada.

Em criança, dei-te um presente: o ensino gratuito. Os teus pais só pagaram os livros e o material escolar e os almoços na cantina e as visitas de estudo, coisa pouca.

Estudaste noite e dia para entrar no curso que querias. Quando conseguiste, trabalhaste ao mesmo tempo para pagares as propinas e a casa e a eletricidade e as fotocópias.

No fim do teu curso, um estágio não remunerado abriu-te os braços, e durante seis meses, aprendeste a ser o melhor. Diz-me, haverá melhor recompensa do que ver o nosso esforço reconhecido?

Jovem sonhador, visitaste a Internet à procura de trabalho (que os jornais são coisas do passado) e procuraste entrar no mercado, mas as bancas estavam esgotadas e o peixe cheirava a podre.

Não desististe, trabalhaste numa área que não era a tua, mas quando se fecha uma porta e uma janela, parte-se o vidro.

Agora queres ir embora, jovem ingrato. O que têm os outros países para te oferecer?

Como é que vais criar os teus filhos sem os apoios que te dou, pouquinhos, bem sei, mas com boa intenção? E para que queres filhos, afinal? São uma carga de trabalhos! Aproveita o teu tempo nas férias que não podes pagar, nem gozar.

Já agora, para que te queres casar? As uniões de facto, são, de facto, a melhor solução. O matrimónio está fora de moda e o arroz que se gasta à saída da igreja é um desperdício.

O que vais fazer sem a magia das cidades e a verdura dos campos, que não vês por andares com o queixo pregado ao peito? E sem o som do mar e sem a espuma que acariciou os barcos das conquistas que nunca foram tuas?

Jovem assustado, fica. Envelhece ao meu lado. Vive comigo a sabedoria dos anos e os brandos costumes. Vamos juntos, de mãos dadas com o tempo, para uma casa que é tudo menos um lar. Os oitenta são os novos vinte. Vá lá, já se fecharam as portas, as janelas, já partimos o vidro e ferimos as mãos. Resta-nos o armário, quase tão encantado como o de Nárnia. Entremos juntos e embalados pelas ondas da memória e o cheiro a mofo, adormeçamos tristes, mas abraçados.

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2 Comments

2 Comments

  1. joel

    28 Nov 2014 at 13:28

    sonha dentro de ti porque só assim vais aconchegar o impossível, parabens belo texto…

  2. Carlos Martins

    28 Nov 2014 at 21:27

    Bom artigo! Gostei da ironia…

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