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Crónica

RETRATOS DO PORTO NUMA TARDE DE SOL

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José Cevada

José Cevada

Ele e ela sentados nas escadas das verdades viam o sol sobre o Douro, os turistas e as gentes da ribeira, por trás deles uma senhora estendia a roupa entre as escadas, cabelo por arranjar e roupas descuidadas, transformava em postal a estreita rua que era sua. Ele e ela não diziam nada, o sol queimava, o rio passava, uns fotografavam, outros eram parte da fotografia, a ele e a ela, a cidade mostrava-se , quente e solarenga, os muros das escadas e as janelas pequeninas e velhas como monumentos vivos que até falavam, por baixo ruas ainda mais estreitas e o rio, por cima deles, só o céu.

O senhor velho ainda não devia ter mais de 65 anos, mas notava-se na expressão, nas rugas à volta dos olhos e que lhe chupavam as faces junto aos lábios, que tinha desistido da vida antes da vida ter desistido dele, e já não tinha sido ontem que tinha desistido. Arrastava os pés pela avenida junto ao rio com roupas desbotadas e acabadas como ele, tocando violino de uma forma em que o bem ou o mal não eram mais relevantes, apenas tristeza saía das cordas, na exata medida do abandono possível na cidade aquecida pelo Sol modesto de março e pela pressa das gentes.

Na esplanada do Guindalense FC a vista passa o Porto, passa o rio, passa a serra do Pilar. Em uma pequena mesa os 4 falavam de nada, o sol, as vistas, e o bairro que morava na esplanada eram tudo, os finos bem tirados e a pele a queimar eram vida que corria sem doer, e eles eram dois e elas eram duas. Visto dali as responsabilidades, os problemas, eram todos mais pequenos, tão pequeninos e a vista tão arrebatadora que o que ainda não fazia sentido, mais um fino, mais 5 minutos de tudo, seria certamente ultrapassado.

Sentado no vão da própria entrada o casal de velhos estendia o chapéu, pediam com vergonha, não notando o Sol ou a chuva, a vergonha era igual, a vergonha era tudo, e assim fitavam a calçada e os próprios pés e as próprias pernas moles, chupadas, inúteis, imaginando o que fariam se ao menos ainda pudessem trabalhar. E quando um menino que não deveria ter mais de 7 anos pediu aos pais uma moeda grande, e com um sorriso envergonhado a colocou no chapéu dos velhos, o velho emocionado, com os olhos vermelhos da doença e da constipação, devolveu-lhe a moeda e disse, dando-lhe outra igual, “esta moeda é para ti, para comprares um gelado, está um dia maravilhoso”.

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