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Crónica

A SUSTENTÁVEL BELEZA DO PÁSSARO

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O trânsito tem tanto de evitável como de belo. Sim, evitável. E sim, belo.

Enquanto estou reclusa com os meus cúmplices no trânsito – sim, porque, no fundo, a culpa é nossa, somos quase criminosos por acordarmos cedo para entupir a via mais frequentada da cidade – tenho muito tempo para apreciar a citadina bruma portuense. Diante das marcas urbanas, surgem aves de mil tamanhos e mil cores.

E foi aí, meus senhores, num destes dias. Foi aí que me apercebi de como é bom ser pássaro. E de como os pássaros compreendem melhor que nós o sentido da vida.

Os pássaros andam, mas preferem voar. Nos seus voos, batem asas com uma força e imponência que nós não temos. Eles voam, porque querem, realmente, atingir a altitude. Não interessa se vão pela esquerda, se preferem a direita. Querem o céu. Querem o céu, mas não o dominam. Querem o céu porque aspiram a coisas maiores. Pudéssemos nós ser um pouco mais pássaros.

O ser humano voa, mas não sabe voar. Munidos de asas metálicas, construímos a ideia de que somos fortes e imponentes. Porque o céu “é nosso” e a terra também. O que nos esquecemos é que alados não somos e que, somos humanos demais para voarmos juntos. Porque uns são destros e outros esquerdinos. Só por isso. Porque a racionalidade não nos concedeu a lucidez de mais que coligarmos as mãos, unirmos esforços. A terra é nossa, mas também magoa quem cai vítima de voos perigosos.

Pudesse o parlamento ser céu e os pássaros políticos. A chilraria seria idêntica, só as ideias seriam mais elevadas. Voaríamos em asas experimentadas e aptas. Sem desventuras aventurosas. Cessaria, assim, a mesquinhice hipócrita humana. Indigitaríamos a ave que melhor voasse e ensinávamos as gerações vindouras a voar.

Ainda assim, não lhes reconhecemos o valor. Enquanto se luta pelo poder, esquecem-se as normas de voo. Quem cai, leva salva-vidas, mas os destroços apanham sempre os desprevenidos e crentes portugueses. E depois, os ninhos remedeiam-se com a fagulha dos pinheiros. As madeiras são para construir novas asas que, no futuro, por destros ou esquerdinos hão-de cair nas já restabelecidas habitações do povo.

Por este motivo, defendo os pássaros. Criaturas singelas e irracionais que sabem voar, viver e aproveitar. Enquanto tudo isto, estamos nós presos evitavelmente no autocarro, a pensar em todas as voltas e loops que havemos de dar à vida para que o ninho seja o que menos sofre. E os bichos embelezam os céus com as suas arriscadas, lúcidas e admiráveis manobras.

Ah! Pudéramos ser pássaros e voar!

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