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Política

AFEGANISTÃO: O CEMITÉRIO DE IMPÉRIOS

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Contextualização histórica

A 11 de setembro de 2001 os Estados Unidos da América sofrem o maior ataque terrorista da sua história. A organização terrorista Al-Qaeda e o seu líder, Osama Bin Laden assumem responsabilidade pelo ataque.

Como resposta, o presidente americano George W. Bush inicia uma campanha global de combate ao terrorismo. Osama Bin Laden torna-se no homem mais procurado do mundo, refugiando-se no Afeganistão sobre a proteção dos Talibãs. Com o falhanço da resposta diplomática para exílio de Bin Laden, inicia-se a guerra do Afeganistão.

Para o povo do Afeganistão, a invasão militar por uma potência mundial não era nada de novo. A região é, aliás, chamada de “cemitério de impérios” por vários historiadores. Durante grande parte da sua história, a região do Afeganistão esteve sujeita ao domínio ou influência de outrem.

O Afeganistão sofreu com as invasões persas, a passagem dos exércitos macedónios de Alexandre O Grande, as invasões dos mongóis e, com a entrada do século XIX , as invasões britânicas, à mão do seu “Grande Jogo” pela Ásia do Sul com a Rússia.

A sociedade afegã adaptou-se, ao longo da história, às agressões, nascendo assim uma tradição de resistência ao exterior. Os afegãos, não conseguindo construir um exército nacional organizado e eficiente, desenvolveram métodos de guerrilha, optando por enfrentar o inimigo nos campos do cansaço e da atrição.

Nenhum dos invasores conseguiu dominar a totalidade do país e as regiões que conseguiram dominar, fizeram-no apenas de forma temporária e a elevados custos económicos e militares.

Mas, atualmente, não se fala apenas das longas lanças dos macedónios ou das imóveis fileiras britânicas carregadas de potentes mosquetes: hoje é a NATO que ocupa o Afeganistão.

Em 1979, a URSS invadiu o país, mas a posterior ocupação provou-se demasiado pesada para o bloco comunista, que acabou por se retirar em 1989. O vácuo criado pela retirada soviética levou o país a uma guerra civil em 1992.

Da guerra civil de 1992-1996 saem vitoriosos os Talibãs, que estabelecem o Emirado Islâmico do Afeganistão. Contudo, a principal oposição dos Talibãs, a Frente Unida – formada por membros do ex-governo e membros de etnias reprimidas – controlavam ainda 30% do território.

De 1996 a 2001 o Afeganistão passa por outro conflito interno entre as duas fações. Os Talibãs mantêm-se no poder com o apoio económico e militar do Paquistão, Arábia Saudita e Al-Qaeda. Já a Frente Unida consegue manter o seu território com o apoio do Irão.

A ocupação

Os EUA precisavam de derrotar os Talibãs para conseguir capturar Bin Laden, mas queriam evitar a todo o custo uma operação militar em larga escala no Afeganistão. Aprendendo com a História, não queriam ser arrastados para a “Armadilha do Urso” – assim chamada a desastrosa derrota soviética.

A estratégia americana inicia-se em 2001 com um pequeno grupo de forças especiais americanas e vários agente da CIA, que entram no país preparados para apoiar a Frente Unida na sua luta contra os Talibãs.

O plano funciona e a Frente Unida conquista Kabul no mesmo ano. Com a orientação das Nações Unidas e dos EUA, a Frente Unida forma governo e inicia-se um período de relativa paz.

Os Talibãs são perseguidos para o Sul do país atravessando posteriormente a fronteira com o Paquistão. O Paquistão, antigo aliado dos Talibãs, fornece-lhes refúgio.

Os EUA e o Reino Unido sabiam que se queriam derrotar os Talibãs precisavam de ter o Paquistão do seu lado. Após imensa pressão diplomática, o Paquistão cede e compromete-se a combater os Talibãs, contudo, na prática, nunca o fez. No Paquistão, os Talibãs preparam-se de 2001 a 2003 para reentrar em força no Afeganistão.

O novo governo afegão liderado pelo presidente Hamid Karzai concentra-se na reconstrução e modernização do país. A falta de apoio financeiro impede, no entanto, qualquer desenvolvimento significativo fora de Kabul.

O governo apoia-se nos “senhores da guerra” e nas suas milícias para garantir a segurança no país. As milícias provam-se ineficientes, algumas vezes contraprodutivas.

Como resposta, em 2002, forma-se a Força de Assistência à Segurança (ISAF) e as primeiras tropas chegam ao Afeganistão. O seu objetivo é proteger os esforços para o desenvolvimento do país.

Em 2003, a NATO toma controlo da ISAF e concentra-se em ajudar o governo afegão com o seu maior problema: estender o domínio governamental para além da região da capital.

No mesmo ano, os Talibãs voltam a entrar em massa no país. Não encontrando resistência por parte das forças do governo, procuram as forças internacionais no terreno.

Em 2005, ao ver a inutilidade do governo fora da capital, a ISAF inicia um processo de “nationbuilding”, que culmina inicialmente na ocupação militar de várias regiões do Afeganistão, para permitir o seu desenvolvimento em segurança.

Em 2006, o conflito entra numa fase violenta: as forças da ISAF são atacadas diariamente. Como resposta, mais militares e equipamento chegam ao país, escalando posteriormente o conflito.

Os ataques às forças da ISAF não são realizados apenas pelos Talibãs. Cartéis de droga e civis descontentes com a presença de estrangeiros no país – também chamados de “part-time Talibãs” – armam-se e intensificam os ataques. Em 2007, a violência chega a Kabul com vários ataques suicidas.

A eleição de Barack Obama como presidente dos EUA, em 2008, traz uma nova abordagem americana ao conflito. Não considerando os resultados dignos, o presidente decide que as tropas americanas devem retirar do Afeganistão até 2015.

Em 2009, antes do início do processo de retirada, o presidente autoriza o envio de mais 30,000 soldados americanos para uma última tentativa de repressão dos Talibãs. A chegada do contingente americano representa o pico da ocupação com 140,000 soldados da ISAF a patrulhar o Afeganistão.

A saída da ISAF do país inicia também a preparação do exército afegão para tomar conta da segurança do país. Mais de 65 biliões de dólares são investidos pelos EUA em treino e equipamento do exército, que em 2012 totalizava já 350,000 soldados. O exército afegão é, porém, insustentável para o governo, sobrevivendo à custa do apoio financeiro americano, que se manterá após a retirada da ISAF.

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Infografia: Sara Brandão

 

A retirada em massa das tropas internacionais desde 2013 levou a um aumento da violência no país. As forças internacionais competentes abandonaram os seus postos em locais estratégicos de várias províncias afegãs, permitindo o domínio dessas províncias pelos Talibãs.

O governo afegão controlava cerca de 72% do território, em 2014 e 2015. Em 2016 controlava apenas 57%, um valor com tendência a diminuir.

Atualmente, apenas uma força reduzida se mantém no país. Esta força faz parte do acordo assinado em 2014 entre o governo americano e o presidente afegão Ashraf Ghani.

O destacamento é formado por cerca de 8,400 militares, com o objetivo de proteger as principais artérias do país – Kabul, Kandahar, Bagram e Jalalabad – e treinar o exército afegão.

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Infografia: Sara Brandão

Consequências

Após 16 anos de conflito – a guerra mais longa e cara na história dos EUA – a coligação perdeu 3530 homens e estima-se que os Talibãs tenham perdido cerca de 35,000 guerrilheiros.

Mais de 109,000 civis foram mortos e 3,700,000 tornaram-se refugiados de guerra. Os custos da guerra, embora difíceis de calcular, chegam a valores superiores a 1.4 triliões de dólares.

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Infografia: Sara Brandão

 

Porque é o Afeganistão tão difícil de controlar?

O principal factor é claramente a topografia. O Afeganistão é um país montanhoso com locais de difícil acesso que potenciam em muito as táticas de guerrilha. É nas montanhas e nas regiões mais isoladas que os Talibãs dominam.

O segundo factor é o tribalismo. No Afeganistão, principalmente no meio rural, são as tribos e não o governo que imperam. O tribalismo rural apoia-se no tradicionalismo social e político, entrando em conflito com as ideias democráticas impostas pelo coligação. Desta forma, os Talibãs conseguem mais facilmente o apoio dos anciãos das aldeias, do que as forças governamentais ou da coligação.

Para além deste apego social e político aos Talibãs, a própria economia afegã limita a influência do governo. A economia é muito rudimentar sendo que uma grande parcela envolve as plantações de ópio. O Afeganistão é o maior produtor do mundo de ópio, alimentando o tráfico ilegal dos seus derivados – cocaína ou heroína – para todo o mundo.

A secular produção do ópio financiou a resistência dos demais conflitos do século XIX e os Talibãs não são exceção. A invasão americana traz, assim, uma política anti-drogas muito forte, de destruição de campos de cultivo.

Contudo, esses campos são a fonte de subsistência para milhares de afegãos, que acabam por apoiar os Talibãs, por forma a proteger a sua única fonte de rendimento.

Por último, o Paquistão. Tal como na guerra do Vietname, a influência dos países vizinhos é determinante para o prolongamento do conflito. No Vietname, contudo, os americanos puderam entrar em países como o Camboja e perseguir as tropas norte-vietnamitas que se reforçavam para além da fronteira.

A relação Americano-Paquistanesa não permite qualquer incursão americana para além da sua fronteira, permitindo aos Talibãs reagruparem no Paquistão, para atacarem no Afeganistão. O Paquistão tem vivido um clima de guerra com os Talibãs, nos últimos anos, mas carece de poder militar e económico para dominar a sua região da fronteira com o Afeganistão.

O aparecimento do Estado Islâmico

Militantes do Daesh têm-se infiltrado no Afeganistão, nos últimos anos, tendo os seu número crescido exponencialmente. Contudo, existe uma incompatibilidade ideológica entre os Talibãs e o Daesh. Essa incompatibilidade culminou numa declaração de guerra em 2015 por parte de ambos os grupos.

Recentemente, Donald Trump autorizou o bombardeamento de uma base subterrânea do Daesh no Afeganistão com a maior bomba não-nuclear do arsenal americano. O bombardeamento serviu para demonstrar o comprometimento do seu governo no combate ao Daesh em qualquer parte do mundo.

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