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Myanmar: um caminho turbulento rumo à Democracia

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Protestos em Myanmar, na sequência do golpe de Estado de fevereiro de 2021. Fonte: Lillian Suwanrumpha/ AFP

Do ceú ao inferno em 10 anos

A 1 de fevereiro de 2021 Myanmar acordou com um golpe de Estado. Após a detenção da líder do país, Aung San Suu Kyi, do Presidente, Win Myint, e de outros líderes governamentais da Liga Nacional para a Democracia (LND), o exército assumiu o controlo do país. 

Segundo os militares, as eleições gerais de novembro de 2020, que deram vitória a Aung San Suu Kyi, foram fraudulentas e, por essa razão, não aceitam o seu resultado. Além das forças militares terem reprimido e prendido todos os cidadãos que se opuseram ao golpe, decretaram, ainda, o Estado de Emergência, que terá a duração de um ano. 

Apenas 10 anos após se ter conseguido libertar do autoritarismo e iniciar um processo de democratização, poderá o golpe de 1 de fevereiro reverter indefinidamente este progresso? O que é que a história do poder, autoridade e liberdade no Myanmar nos mostra, e como é que o país aqui chegou?

Da independência ao regime militar

O ano de 1948 foi um marco importante na história de Myanmar, visto que o país deixou de ser a colónia inglesa e afirmou a sua independência. Apesar da Democracia Parlamentar que foi instituída, durante os primeiros 14 anos após a declaração de independência, a instabilidade política foi uma constante. Por várias vezes, partidos de orientação comunista tentaram tomar o poder e liderar o país.

No entanto, a Democracia tinha os dias contados. Em 1962, o General U Ne Win liderou um golpe de Estado e instalou um regime militar autoritário no Myanmar, que viria a durar 26 anos. Em 1974, Ne Win instituiria uma nova Constituição, baseada em políticas isolacionistas e num programa económico socialista. 

A situação económica deteriorou-se rapidamente, e a escassez alimentar tornou-se uma realidade para muitas famílias. Face à pobreza e à corrupção generalizada do regime, surgiram grandes protestos, liderados maioritariamente por jovens.

Em agosto de 1988, o exército reprimiu os manifestantes, matando pelo menos três mil pessoas e deslocando milhares.

No rescaldo das manifestações de 1988, Ne Win viria a demitir-se do cargo de presidente do seu partido e, em 1989, um novo regime militar autoritário assumiu a liderança do país. Independentemente da mudança de regime, as suas diretrizes eram essencialmente as mesmas, uma vez que Ne Win permaneceu ativo nos bastidores do novo regime. Em 1990 realizaram-se eleições gerais, que deram a vitória à LND, mas o resultado foi totalmente ignorado pelos exército.

Eleições livres e democráticas

A liderança do regime permaneceria intocável até agosto de 2007, quando o descontentamento generalizado da população face às políticas económicas do governo voltou a transparecer. Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para se opor ao governo, que reagiu aos protestos utilizando a força, acabando por ferir e matar centenas de manifestantes.

Realizaram-se eleições gerais em novembro de 2010, em conformidade com a nova Constituição, aprovada através de um referendo realizado em maio de 2008. O partido União Solidariedade e Desenvolvimento (que tem uma relação próxima com o exército e é constituído, maioritariamente, por ex-militares) ganhou com maioria, causando desconfiança e preocupação na comunidade internacional em relação à legitimidade e legalidade do ato eleitoral.

No entanto, a partir de 2011, o então Presidente Thein Sein instituiu uma série de reformas, tais como a concessão de amnistia aos presos políticos, o relaxamento da censura dos meios de comunicação e a implementação de políticas económicas para encorajar o investimento estrangeiro. 

Em 2015, Myanmar realizou as suas primeiras eleições nacionais e multipartidárias, que foram consideradas, pela comunidade internacional, como as eleições mais livres e justas desde a transição do país para o regime militar. O partido de oposição de Aung San Suu Kyi, a LND, venceu e a líder foi eleita chefe de Estado do Myanmar, à semelhança do que viria a acontecer em 2020, quando, em novas eleições, a LND voltou a ter uma vitória indiscutível.

No entanto, o partido União Solidariedade e Desenvolvimento, apoiado pelos militares, contestou repetidamente os resultados das eleições de 2020, e o descontentamento com a reeleição de Suu Kyi culminou no golpe de Estado levado a cabo pelo exército em fevereiro de 2021.

A defesa de valores democráticos, o respeito pelo Estado de Direito, e a liberdade de expressão e opinião são alguns dos passos fundamentais para uma transição democrática eficaz e uma eventual consolidação da Democracia. Mas o  processo é longo, trabalhoso e suscetível de sofrer avanços e recuos. 

A transição democrática no Myanmar está a ser, precisamente, um processo muito longo e difícil. O golpe de Estado poderá ter sido um grande retrocesso no caminho turbulento rumo à Democracia.  

Artigo da autoria de Bárbara Amaral. Revisto por José Milheiro e Marco Matos.