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Política

Kamala Harris: quem é a primeira vice-presidente mulher dos EUA?

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Legenda: Kamala Harris no palco; em Wilmington, Delaware; onde fez o discurso na noite do dia 7 de novembro onde, juntamente com Joe Biden, venceu as eleições. Fonte: Carolyn Cole / Los Angeles Times

Harris, a mulher que quebrou barreiras políticas nos EUA

Joe Biden e Kamala Harris fizeram o seu primeiro discurso na noite dos resultados eleitorais. A semana tinha sido de espera e, quatro dias depois da noite eleitoral, Biden venceu o estado de Pensilvânia e atingiu o número de votos do colégio eleitoral necessário para se tornar o presidente eleito. No entanto, apesar do marco histórico que o ex-vice presidente atingiu ao tornar-se o candidato com maior número de votos da história, todos os olhos estavam postos em Harris, quando esta chegou ao palco.

Kamala Harris, vestida completamente de branco, cor associada ao movimento sufragista, focou o seu discurso na visibilidade que a sua nova posição política dá a “todas as meninas” que a estavam a ver na televisão. A ainda senadora frisou o momento histórico: “Posso ser a primeira mulher neste cargo, mas não serei a última.” Pela primeira vez, uma mulher foi eleita vice-presidente dos EUA.

A caminhada de Harris até ao segundo cargo mais importante do país não tinha começara bem, após a senadora ter de desistir da corrida à presidência no ano passado devido a fundos insuficientes. Tudo mudou quando Joe Biden anunciou que a senadora da Califórnia seria a sua vice-presidente caso fosse eleito.

Durante a campanha eleitoral, foram vários os ataques dirigidos a Harris feitos por Trump. Apesar disso, Kamala Harris apresentou sempre uma imagem de união e esperança ao lado de Biden. Como Biden provavelmente não se candidatará para um segundo termo, Harris estará na posição perfeita para se tornar a candidata democrata daqui a quatro anos.

No entanto, mesmo que tenha sido feito história, o passado conturbado de Harris como procuradora-geral na Califórnia ainda levanta dúvidas, principalmente numa altura em que o combate contra a brutalidade policial é mais relevante do que nunca.

A promotora que queria mudar o sistema

Kamala Harris, filha de emigrantes que a levavam para protestos sobre os direitos civis desde que nasceu, começou a sua educação numa escola californiana, num bairro rico e, na sua maioria, branco, apenas no segundo ano após a sua integração. Desde esse momento, Harris mostrou-se uma aluna exemplar e foi sem surpresa que entrou na Universidade de Direito em São Francisco. Apesar da sua família não aprovar a sua escolha de carreira, Harris manteve-se firme no seu sonho de um dia se tornar promotora, com o objetivo de mudar o sistema por dentro.

Em 2003, Kamala Harris conseguiu o desejado cargo de promotora. A sua vitória foi histórica, pois era a primeira vez que uma mulher negra tinha sido eleita para aquele cargo na Califórnia. Harris permaneceu na posição durante três anos. Esse período foi marcado por algumas decisões polémicas. Durante o seu mandato, a taxa de condenação no estado aumentou 15%. Além disso, já como procuradora geral, Harris recusou avaliar duas petições sobre o fim da pena de morte, o que foi bastante criticado tanto pelo público como pelos seus rivais, que a acusaram de oportunismo político.

Outra posição de Harris que foi criticada foi a sua recusa de investigar a violência policial nos homicídios de dois homens negros durante o seu mandato. Para o seu eleitorado, esta situação foi vista como uma nova falha de Harris na luta contra a brutalidade policial, a qual permanece até aos dias de hoje, e contra a qual o movimento Black Lives Matter luta incansavelmente.

No entanto, pela positiva, um dos marcos da sua passagem pelo cargo de procuradora geral foi a criação de uma plataforma online que forneceu ao público acesso aos dados sobre a justiça criminal. Desta forma, seria mais difícil esconder mortes ou ferimentos em custódia policial.

A campanha eleitoral falhada

Kamala Harris chegou ao Senado em 2016. Na sua nova posição política, Harris destacou-se nas audiências, nas quais o seu questionamento foi sempre persistente e direto. Uma das audiências marcantes foi a de Jeff Sessions, o outrora procurador geral de Trump, onde a persistência de Kamala foi de tal modo incómoda para Sessions que ele chegou a afirmar “Eu não posso ser apressado deste modo! Faz-me ficar nervoso.

A popularidade da senadora perante o público foi suficiente para começar a sua campanha oficial para candidata democrata às eleições de 2020 nos EUA. Nos debates, Harris chegou a atacar diretamente Biden, ao mencionar a sua relação com dois senadores extremistas na altura da segregação mas frisou que acredita que Biden “não é racista”.

Durante os debates, Harris evitou responder a questões sobre o seu passado como procuradora, de forma a evitar espantar eleitores que desconheciam o seu histórico conturbado em relação ao sistema criminal. Além disso, as suas posições sobre um sistema nacional de saúde eram inconstantes, já que após defender a criação de um sistema gratuito, voltou atrás e incluiu no seu plano eleitoral seguros de saúde privados.

Estas posições menos populares de Harris levaram a que as sondagens lhe dessem poucas intenções de voto. Além disso, as contribuições financeiras também foram insuficientes para continuar a campanha. Desta forma, a senadora acabou por desistir da corrida e, depois de uns meses afastada da campanha eleitoral, decidiu anunciar o seu apoio a Biden.

A “jogadora de equipa” perfeita para Biden

Em agosto, Biden revelou aos seus apoiantes que tinha escolhido Kamala Harris para ser sua vice-presidente. Segundo Joe Biden, esta foi a primeira grande decisão como futuro presidente. Além disso, Biden ressaltou que “Kamala Harris é a melhor pessoa para ajudar-me a ganhar esta luta contra Donald Trump e Mike Pence e liderar a nação a partir de janeiro do próximo ano.”.

A verdade é que a senadora não se importou de tomar um papel menos central, ao participar em eventos menores e focar no seu objetivo de mostrar aos seus eleitores o que a equipa Biden-Harris poderia fazer pelo país caso fosse eleita. Assim, mostrou-se uma “jogadora de equipa”, o tipo de vice-presidente que Biden precisava para vencer as eleições.

Em novembro, a equipa acabou por ganhar e, nos próximos quatro anos, espera-se uma maior estabilidade no país e uma restauração das suas relações internacionais. Biden, com 78 anos, será um improvável candidato a uma reeleição. Kamala Harris poderá ser a sua substituta como candidata pelo partido democrata. Numa entrevista ao programa “60 Minutos”, Biden enumerou várias razões pelas quais Harris estaria perfeitamente pronta para o substituir caso algo acontecesse, entre elas a “sua experiência significativa a comandar o departamento de justiça no maior estado do país”.

Assim, além de fazer história ao tornar-se a primeira mulher vice-presidente dos EUA, Kamala Harris poderá se tornar a primeira mulher presidente daqui a quatro anos. Como mulher negra, Harris está já acostumada a enfrentar desafios e comentários de homens brancos do establishment que não querem que ela atinja um patamar político mais alto. No entanto, como uma amiga da universidade mencionou ao Financial Times, “Ela fez um ótimo trabalho ao não se deixar cair nas armadilhas que eles possam colocar.”

Artigo da autoria de Beatriz Carvalho. Revisto por Marco Matos e José Diogo Milheiro.