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Sociedade

Aborto no mundo: legalização vs criminalização

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A variação do status legal do aborto constitui um indicador de estudo para a igualdade de género. Mais do que a capacidade de decisão para prosseguir ou não com a gravidez, revela também o grau de liberdade que as mulheres possuem.

Valores como a liberdade, privacidade, o direito à vida e à não descriminação são postos em causa, quando o tema é a legalização do aborto. 

Em muitos países, a solução encontrada pelas mulheres é o aborto ilegal, em condições de elevada insegurança. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 7 milhões de mulheres necessitam de assistência médica e 23 mil morrem de aborto inseguro, a cada ano (entre 4,7% a 13,2%). Constata-se que esta ocorrência é quase exclusiva de países em desenvolvimento, maioritariamente do continente Asiático.

Assim, segundo dados do Center for Reproductive Rights, se para 907 milhões de mulheres (59%), em idade reprodutiva, a liberdade para abortar é plena, para 700 milhões (41%) é ainda considerado um ato criminoso.

 

Daqui surge a questão:

Qual o cenário atual da legalização do aborto no mundo?

 

O Center for Reproductive Rights (CRR) mapeou o enquadramento legal do aborto no mundo, atualizado em tempo real.

A metodologia que está na base do trabalho do CRR tem em atenção as disposições dos estatutos nacionais, regulamentos legais e decisões judiciais dos países em questão. 

Note-se que a amostra inclui estados independentes, e onde as populações excedem um milhão, as regiões semi-autónomas, bem como os territórios e jurisdições de status especial.

 

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O mapa inclui cinco categorias distintas. A primeira, Categoria I, engloba 24 países, nos quais o aborto é totalmente proibido, em qualquer circunstância. 90 milhões (5%) de mulheres, não podem abortar, mesmo que corram risco de vida.

Em 42 países (Categoria II), o aborto é permitido apenas quando a vida da mulher está em risco. São 360 milhões de mulheres nesta condição (22%).

225 milhões de mulheres (14%) podem abortar para preservar a saúde. Esta categoria (III) inclui também motivos terapêuticos.

A Categoria IV abrange uma rede mais ampla de possíveis causas para o aborto. São tidas em consideração as circunstâncias sociais e económicas da mulher. Abrange 386 milhões de mulheres (23%).

Por fim, a Categoria V, que engloba 72 países no mundo, entre os quais Portugal.

601 milhões (37%) de mulheres podem abortar mediante solicitação.

Os limites de idade gestacional são calculados a partir da data da concepção (o limite mais comum é de 12 semanas gestacionais). 

Atualmente, são vários os países que lutam pela não criminalização do aborto e que ambicionam chegar à Categoria V.

Um dos casos mais recentes é o do México.

México: a vitória dos “verdes” 

O México representa um dos países que mais recentemente legalizou a prática do aborto. Ergueram-se as bandeiras verdes, cor da emancipação feminina, em comemoração ao sucedido.

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O Supremo Tribunal do México anunciou as alterações à lei do aborto, no passado dia 7 de setembro, por decisão unânime. Assim, irrompeu com a legislação do estado Coahuila, na fronteira com o Texas, segundo a qual, até então, o aborto era considerado crime.

Arturo Zaldívar, presidente do Supremo Tribunal do México, afirmou que o sucedido constitui uma nova via de liberdade, clareza, dignidade e respeito, e um grande passo em frente na sua luta histórica pela igualdade e pelo exercício dos seus direitos”.

As mulheres mexicanas aguardam os detalhes da nova legislação, mas tudo leva a crer que vão passar a pertencer à Categoria V, de acordo com a escala do CRR anteriormente apresentada. 

A decisão surgiu no seguimento de uma recente lei texana que penaliza o aborto em todos os casos nos quais seja já possível sentir-se o batimento cardíaco do feto. 

Agora, as mulheres de nacionalidade texana vão poder atravessar a fronteira e interromper de forma livre e legal a gravidez.

Arturo Zaldívar defende a publicação rápida das novas normas, de forma a abranger todas as mulheres mexicanas que viram a sua liberdade criminalizada, até então.

 

Fonte: Twitter de Arturo Zaldívar, in https://twitter.com/ArturoZaldivarL 

Até à data, por se tratar de um país marcadamente católico e conservador, o aborto era permitido apenas em quatro estados – na Cidade do México, em Oaxaca, Veracruz e Fidalgo.

A religião constitui um dos principais entraves à legalização do aborto, em vários países. Esse foi o caso da Argentina que, apenas no ano passado, conseguiu legitimar a interrupção da gravidez.

 

Argentina: um confronto entre a liberdade e a religião

 

Desde 2018 que a legalização do aborto começou a ser discutida na Argentina. 

A interrupção deliberada da gravidez foi negada com 38 votos contra, 31 a favor e 2 abstenções, no mesmo ano. O presidente da época, Mauricio Macri, permitiu a discussão da temática, mas optou por nunca se manifestar acerca do assunto, por ser assumidamente conservador.

No entanto, passado dois anos, tudo mudou. Andrés Malamud, politólogo argentino e investigador principal no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, explicou o sucedido: “Na Argentina, as eleições legislativas substituem o Congresso por partes. O atual Senado é um terço diferente do de há dois anos e mudou metade da Câmara dos Deputados. Isso permitiu uma renovação pró-verde. Houve mais verdes a entrar do que a sair”.

Por sua vez, Alberto Fernández, o novo presidente, era a favor da interrupção voluntária da gravidez.  

A maré verde, cor do símbolo feminista do país, encheu-se de esperança e estava determinada a lutar contra os azul-celeste, manifestantes antiaborto. 

Embora Alberto Fernández contasse com a representação de 60% do Senado, a decisão não era por unanimidade, mas sim por voto pessoal.  Tudo dependia dos senadores.

Um dos principais entraves à legalização do aborto no país foi o facto de se tratar do país natal do Papa Franscisco

Apesar de nunca ter voltado à Argentina, para não provocar uma maior divisão política, o Papa enviou, cerca de um mês antes da nova votação, uma carta a um grupo de mulheres pró-vida que atuavam nos bairros mais pobres de Buenos Aires. 

As manifestantes apresentavam como causa para a defesa da interrupção da gravidez, a resolução dos problemas de escassez de recursos. Contudo, o Papa Franscisco contra-argumentou: “o problema do aborto não é principalmente uma questão de religião, mas de ética humana, antes mesmo de qualquer confissão religiosa. Para resolver um problema, é justo eliminar uma vida humana? É correto contratar um assassino?”.

O Presidente Alberto Fernández tinha uma relação próxima com o Papa e admitiu esperar a sua compreensão, visto que o Vaticano é um estado da Itália, um país a favor do aborto.

Em 2020, vários foram os que mudaram de opinião e se juntaram ao novo presidente, votando a favor do aborto legal e alterando o cenário de 2018- 39 votos a favor, 29 contra e 1 abstenção. 

Assim, a nova lei Argentina prevê, desde dezembro de 2020, que as gestantes tenham acesso ao aborto legal até à 14ª semana, após a assinatura do consentimento por escrito.

A Argentina passou a ser também um país pertencente à Categoria V da escala do CRR. O Senado votou “por uma mulher livre, que possa agir, que possa decidir de acordo com sua própria consciência”, como assim representam as palavras da senadora Silvina García, antiga defensora da criminalização do aborto, mas que mudou recentemente de opinião, tendo alterado o voto.

Os dois casos apresentados demonstram, mais uma vez, a forte ligação entre a legalização do aborto e a igualdade de género, um tema ainda muito discutido nos dias de hoje.

Apesar da evolução verificada ao longos dos últimos anos, mesmo em países onde o aborto já é legal, este é ainda um tema em discussão. Portugal constitui um destes casos.

Para mais informações sobre o caso português, clica aqui.

 

Escrito por Adriana Castro

Revisão por Beatriz Oliveira