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Vigília pela Ucrânia no Porto: “A Ucrânia somos nós”

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Na passada sexta-feira (24), data em que se assinala um ano desde a invasão russa, decorreram em diferentes pontos do país vigílias de memória pelos milhares de vidas abaladas pela ofensiva. No Porto, o Coliseu do Porto aliou-se ao Núcleo da Associação dos Ucranianos da Área Metropolitana do Porto na concretização simbiótica de um concerto solidário que terminou numa caminhada solidária. A data ficou marcada pelo lema “Não esquecer” e pela união dos povos ucraniano e português que, abraçados pela bandeira azul e amarela, entoavam palavras históricas da resistência ucraniana.

Marcha solidária

Cessado o concerto “Uma Semente pela Paz”, dá-se, pouco depois das 19H, o início da caminhada que leva, à luz de pequenas velas, as centenas de manifestantes desde a Rua Passos Manuel até à Praça do Aliados. Em frente à Câmara Municipal do Porto encontra-se já montado um pelouro, de onde falarão os diferentes representantes e aliados da iniciativa, bem como as bandeiras portuguesa e ucraniana, abraçadas como se encontra, naquele momento, os seus povos. O percurso, guiado por Alina Ponomarenko, representante do consulado da Ucrânia, a quem coube a extensão do convite a Rui Moreira,  foi marcado pelo bradar de cartazes de incitação à cessão de hostilidade e “terrorismo” por parte da Rússia, bem como por  clamores de glorificação do país.

Svetlana, representante do Núcleo da Associação dos Ucranianos da Área Metropolitana do Porto, abre o momento dedicado às palavras da entidade organizadora dirigindo-se aos seus aliados

“Caros compatriotas, amigos e todos os que se preocupam com o destino da Ucrânia, hoje reunimo-nos para comemorar um ano de resistência do povo ucraniano e, mais uma vez, lembrar ao mundo que a nação ucraniana é independente, indomável, e a vitória certamente será nossa”

Em ucraniano, são explorados testemunhos das vivências atravessadas no último ano. Segue-se um momento solene de entoação do hino nacional ucraniano e, de mão ao peito, reúnem-se numa só voz, a mesma que brada pela paz e pela resistência, dois povos distintos.  Uma volta de aplausos celebra, também, o ato, cessando apenas para a apresentação de Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, que, nas suas curtas palavras, reflete o apoio e solidariedade prestados indicando que “hoje celebramos a vossa resistência, a vossa coragem e o vosso martírio. Aquilo que vos queria dizer é que hoje vos sentimos a todos portuenses, e nos sentimos todos ucranianos”. O discurso subsequente, da autoria de Jerónimo Fernandes, suporta o depoimento do presidente.

Lyudmyla Artysh, vice-presidente do núcleo organizador, é quem dedica, de seguida, algumas palavras aos presentes lendo o testemunho de uma viúva que, pela sua resistência e permanência consistente ao lado do corpo do marido, se assemelha, simbolicamente, à Ucrânia, “a minha alma, o meu coração foram despedaçados, mas eu fiquei. Quando mais doía, mais alto erguia a minha cabeça”.  A dirigente apresenta a dor resultante da guerra  como uma “dor profunda que está agora no coração de cada ucraniano”  e traça o cenário devastador de desvanecimento de recursos, perdas materiais e humanas vivido pelo seu povo, apelando, ainda, à ação do ocidente para que se salvaguarde a democracia.

As pessoas na Ucrânia querem a paz como nenhuma outra, mas lutar por ela não é fazer concessões, é punir o agressor. Nesta guerra pagamos o preço mais alto pela liberdade e o futuro do mundo democrático depende de como a Ucrânia luta hoje. Que significado terão os direitos humanos, como serão implementados os valores democráticos no futuro? Deixaremos a liberdade, a paz e a pátria como herança para os nossos filhos? Como disse o prémio Nobel da Paz, Ales Bialiatski , acontece que os valores precisam de ser protegidos, não são uma constante imutável. Apelo a todas as pessoas de boa vontade para que não desviem os olhos dos horrores da guerra. Exorto-vos a apoiar a Ucrânia até à sua Vitória, a vitória da justiça, somente a vitória da Ucrânia garantira a paz e protegerá o mundo democrático do mal. Afinal, não é necessário ser ucraniano para apoiar a Ucrânia, é o suficiente ser humano

Um outro elemento da comitiva dá continuidade ao discurso, explicando que esta é uma guerra que teve início há nove anos e descrevendo a necessidade da intervenção dos países do ocidente não só para a restauração da paz na Ucrânia, como também para a salvaguarda da liberdade nos seus próprios territórios:

“Hoje a Ucrânia é o escudo da Europa, o escudo do mundo civilizado. Os nossos soldados defendem-nos igualmente. A Rússia atacará outros territórios democráticos, ela só entende a linguagem da guerra. Precisamos de sanções mais pesadas. Esta guerra viola a carta dos direitos humanos das nações unidas e os princípios primordiais da organização, por isso, a Rússia deve ser expulsa do conselho de segurança da ONU e da própria ONU. A Ucrânia mostrou ao mundo como o seu exército pode combater, mas podemos fazer mais, iremos fazer mais, com o tempo e as vidas perdidas se a Europa e o mundo civilizado não mostrar o seu apoio. Glória as forças armadas da Ucrânia e, por favor, apoiem a paz e armem a Ucrânia”

Pela voz de artistas ucranianos, dá-se a interpretação de uma sequência de músicas características do país, bem como da interpretação de poemas por parte de crianças. Entre as mesmas, Sofia Muzychak aprofunda o voto de agradecimento dedicado aos portugueses, enquanto cidadã de ambos os países indica “a minha alma é portuguesa, mas o meu coração é ucraniano. Essa frase nunca teve tanto significado como hoje” sendo explicado que seguirá, no dia seguinte, uma carrinha de apoio ao combate na Ucrânia, angariada por meio de fundos do voluntariado português, “o povo português é humano e tem um coração gigante. Os ucranianos serão eternamente gratos e isto faz parte da nossa história, gratos aos voluntários, jornalistas pela verdade, ministros pelo apoio militar, as pessoas que disponibilizaram as suas casas, gratos por estarem ao nosso lado neste momento tão difícil. O resultado que todos pretendemos é a paz e o mundo sem guerra, temos a certeza de que a liberdade vai vencer”. Apesar do exposto, reconhece que continuará a ser travada uma batalha onde considera ser fulcral o apoio de Portugal, apelando diretamente ao presidente da república português uma intervenção de apoio:

“A nossa luta continua, ainda vamos precisar de batalhar muito e, por isso, continuamos a pedir ajuda. Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e ministros, em nome de todos os ucranianos pedimos mais apoio militar para podermos salvar vidas, protegê-las, e podermos aproximar-nos da vitória. Espero que ainda este ano nos voltemos a ver aqui, na grande praça dos aliados, em frente a Câmara municipal do Porto, para celebrar a grande vitória da Ucrânia e de todos nos. Viva Portugal Slava Ukraini”

Prestes a encerrar o evento, Ivan Muzychak volta a recuperar o apelo feito pela filha, quer face ao “recebimento de ajuda e apoio aos ucranianos refugiados”, quer “aos ucranianos que estão lá, pela ajuda financeira e emocional”, dispondo-se uma caixa de donativos entre o público.

Em jeito de finalização, Svetlana recorda os presentes da “lição passado” através da qual “já todos percebemos que hoje é a Ucrânia e amanhã será outro país livre”. Ao JUP, confidencia que “hoje deixamos só palavras de agradecimento, vamos resistir e ganhar, pedimos só que não esqueçam a Ucrânia, que é uma fronteira, é aí que travamos o inimigo que poderá também avançar depois pela Europa”. Antes de deixar o evento, conclui com a afirmação “A Ucrânia somos nós”.

A voz da comunidade na vigília

As principais mensagens encontradas entre os presentes entrevistados neste Porto de memória do cenário bélico que assinalou, a 24 de fevereiro, um ano de decorrência, assentam, assim, em cinco pontos essenciais. Primeiramente, a homenagem aos “heróis” da guerra, todos aqueles que, ao seu modo, prezam pela paz na Ucrânia. Depois, o agradecimento à comunidade portuguesa, que se revela incansável na prestação de apoio humanitário. Ainda, o enquadramento da guerra no séc.XXI, identificada como “evitável” e “desnecessária”. Não falha, também, o apelo à resistência e a invocação de um espírito de persistência na proteção do território ucraniano e na luta pela pátria que “não deixa esquecer”. Por fim, a preocupação com o avanço das tropas russas para além da região em conflito, num desbravar da Europa, que recai, também, no apelo à intervenção dos países do ocidente na esfera militar, económica e política

Artigo escrito por Carina de Seabra

Multimédia por Bárbara Pedrosa (fotografia e vídeo)