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Cultura

JUP RADAR: OS AZULEJOS COM MENSAGENS DE JOANA DE ABREU

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Foi em 2014 que a cidade do Porto começou a ficar um pouco mais completa. Nas fachadas, os espaços deixados de vago por azulejos – ora caídos, ora roubados – deixaram de ser meras lacunas no panorama em que se encontravam. Um modelo ligeiramente diferente substituiu-os – os mais distraídos podem até nunca ter reparado, mas vários são os azulejos dotados de excertos e frases de autores portugueses espalhados pela cidade.

Joana de Abreu tirou a licenciatura na Escola Superior de Media Artes e Design (ESMAD), seguindo depois para o mestrado em Arte e Design para o Espaço Público na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), e conta que foi no âmbito da tese que surgiu a ideia para o projeto. “Durante o percurso que fazia entre a faculdade e para apanhar o comboio em São Bento estava sempre a dar de caras com uma fachada onde faltavam alguns azulejos. Aquilo começou a inquietar-me e pronto, eu resolvi pegar neste problema e transformar em projeto. Foi assim mesmo de uma observação quotidiana.”

Os azulejos não são permanentes e essa é, aliás, uma das características centrais do projeto. As intervenções são feitas em madeira: primeiro devido a ser um material barato e de fácil manuseamento, e segundo por motivo da efemeridade que a artista considera essencial ao cerne das intervenções. “Com o tempo acaba por sair porque as pessoas depois também tiram. Com o tempo cai. Falta um, depois falta outro, ou seja, é progressivamente até a intervenção sair toda. Mas também acho giro é ver o que é que o tempo e as pessoas fazem à peça em si. A madeira começa a rasgar e depois as pessoas vão ver como é que é feito; rasgam o papel; falta uma letra, vem outra pessoa atrás e escreve a que falta. É giro ver este processo todo e depois pensar em que casa é que eles estão, o que é que lhes aconteceu.”

Para além da efemeridade, a grande particularidade dos azulejos – e o que capta a atenção das pessoas que com eles se cruzam – é os versos de autores portugueses neles gravados. “São poemas com que eu normalmente me encontro; eles vêm até mim. Coisas que eu leio e que encontro pela internet, vou guardando e depois um dia utilizo – pequenas mensagens que nos vão fazer pensar sobre alguma coisa.”

Do número total de azulejos que já colocou não se recorda, mas lembra-se de cada um pois “há sempre uma história, cada um conta uma história”. Joana faz as intervenções à luz do dia e não pede autorização aos proprietários, o que leva a episódios caricatos. “Uma vez estava uma senhora à janela, no quinto andar, e achava que eu estava a roubar azulejos porque há 15 dias tinham roubado 400 e tal azulejos daquela casa. Foram às janelas e retiraram os azulejos todos até onde chegaram. Como já era noite, era inverno, eram para aí cinco e tal, pronto, ela lá achou que eu estava a roubar e lá de cima disse: ‘ó menina, o que é que está a fazer?’, mas depois eu lá lhe disse, ela desceu e acabou por colar também uns azulejos.”

A apreciação do projeto chega de todos os lados, desde quem a vê a fazer as intervenções e pára para a questionar a quem simplesmente lê as frases no seu caminho e fica com elas na cabeça; a quem fotografa e partilha nas redes sociais com a hashtag #preenchervazios; até aos senhorios que acabam por prezar o projeto e a presença dele nas suas propriedades. O apreço pelas intervenções é tanto que estas já se expandiram para outras cidades, como Lisboa.

“Houve uma altura que recebi uma mensagem de uma rapariga que também gostava muito do projeto e disse que era giro o projeto ir para Lisboa e eu pensei ‘OK, se ela me está a dizer isto eu posso aproveitar a deixa e perguntar se ela não quer mandar o levantamento e eu faço os azulejos aqui no Porto e envio para ela e ela coloca.’ E foi assim, muito simples.” Mas Joana não pretende que o projeto fique por aqui – “Sempre que viajo para fora do Porto ou Lisboa e vejo alguma fachada onde posso intervir fico logo com o registo para um dia depois, quem sabe, a utilizar.”

Joana não tem financiamento; executa as intervenções por iniciativa própria e por gosto pessoal. Para além do Preencher Vazios, também possui outro projeto relacionado com casamentos e afirma fazer do que gosta. Depois de acabar a faculdade, surgiu-lhe a questão “como é que vou viver disto?” e começou a criar produtos de merchandising a vender em feirinhas e a fazer encomendas personalizadas –  “as pessoas escolhem o padrão que querem, a frase que querem e depois em casa fazem uma espécie de um puzzle, como se fosse um quadro. Peças de sete azulejos; de trinta; cinquenta, depende muito se querem maior ou mais pequeno.” Para além destas, vende agendas, cadernos, ímanes e faz workshops tanto no Porto como em Lisboa. “As pessoas inscrevem-se, depois em conjunto fazemos os azulejos. Conhecem a história toda, como o projeto surgiu e depois vamos para a rua colocar os azulejos em fachadas que eu já tinha escolhido.”

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Fazer com que um projeto ganhe esta dimensão e estima não é fácil. Para Joana “o principal é acreditarmos no nosso projeto e que ele realmente seja bom, único. Por exemplo, o meu projeto; eu nunca vi algo idêntico, que interviesse em fachadas onde faltavam azulejos e que tentasse transmitir a mensagem de que é preciso preservar e ao mesmo tempo chamar a atenção para isso e para que alguma entidade faça alguma coisa.”

Para pessoas com iniciativas idênticas em mente, deixa a mensagem: “é acreditarmos no projeto. Que ele seja inovador, que seja único e continuar com ele para a frente. Acho que é mais isso, é acreditarmos nele.”

JUP Radar é a rubrica mensal do Jornal Universitário do Porto, incluída na editoria de Cultura, que explora os artistas emergentes, nas mais diversas áreas, que chegam ao nosso radar. Os artigos saem no último domingo de cada mês.