Crónica
DESPORTO ADAPTADO NÃO É SINÓNIMO DE REABILITAÇÃO
Quem me conhece, seja na esfera desportiva ou pessoal, sabe que a minha ligação à atividade física adaptada extravasa largamente as funções de atleta. Porque não pode ser de outra forma. Acalentarmos a um desporto de excelência, igual e para todos, mais do que um ímpeto generoso e solidário, constitui uma responsabilidade inerente a qualquer praticante, observador privilegiado e soberano da atmosfera competitiva.
E há uma concepção vigente, massificada e reproduzida nos órgãos de comunicação social e nas próprias instituições que tutelam o desporto adaptado, que me merece um desprezo veemente: este é um instrumento terapêutico essencial, do ponto de vista físico e psicossocial, para a pessoa com deficiência. Aqui não se vislumbra nenhuma mentira e, de facto, o desporto serve, e bem, esse propósito. Mas não se esgota no capítulo de reabilitação.
Contrariamente ao postulado do senso comum, Portugal não é uma potência Paralímpica – estamos a anos-luz de o ser. Porquê? Os com propensão para o derrotismo escudam-se, escamoteando a realidade, na crónica falta de verbas, nomeadamente provindos do apoio estatal. Se tal lógica imperasse, a Bósnia-Herzegovina não seria campeã Paralímpica de voleibol sentado.
A explicação número um que subjaz ao fracasso crónico dos nossos para-atletas* na cena internacional, salvo ilustres exceções, habita nesta associação redutora do desporto adaptado a apenas um veículo de integração. Como se todos os feitos alcançados pelo para-atleta, não só no desporto, representassem uma vitória hercúlea sobre o flagelo asfixiante da deficiência, conduzindo a uma despersonalização da pessoa. O indivíduo e a deficiência passam a ser um só. Coniventes com a ideia, associações e federações demitem-se de incentivar o alto rendimento e amputam ao atleta a mais ínfima esperança de abraçar o desporto como profissão, enquanto nos órgãos de comunicação social, incônscios incuráveis, pululam histórias de heróis, em vez de desportistas.
Por isso, eu e outros, que – perdoem-me a vaidade – primamos pela contumácia, somos obrigados a atravessar a fronteira para sermos atletas profissionais.
Pedro Bártolo, basquetebolista no CP Mideba Extremadura e blogger em “O Caminho é o Fim”
*Nota: o empréstimo da palavra brasileira “para-atleta” prende-se com a ausência de uma correspondente em dignidade, no português.
David Guimarães
10 Abr 2014 at 22:13
Escrever depois deste artigo tão bem elaborado, claro, inovador e acima de tudo com uma concepção do para-atleta tão bem pensada, é uma enorme responsabilidade!
Excelente!