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Crónica

CHARLIE HEBDO, LIBERDADE E FUTEBOL

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David Guimarães

David Guimarães

O atentado perpetrado contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo e seus cartunistas nasce de uma concepção que, apesar de mascarada como a vontade divina, não é mais do que uma sobreposição do Homem a Deus. Este hediondo terrorismo fundamentalista é a negação da perfeição divina, pois são os próprios carrascos que “encarnam” o seu criador, que deveria ser inacessível e não reproduzível, mas que se corporiza através de uma representação terrena e abjecta da sua suposta vontade.

Este acto bárbaro despoletou uma discussão sobre liberdade de expressão (sua importância e limites). Julgo que devemos categorizar a liberdade de nos exprimirmos como uma “dádiva” bondosa e uma vontade indómita a que estamos eternamente “condenados”. É imperativo definir a possibilidade de expressão livre como um “bem”, uma predisposição para adquirirmos competências enquanto seres sociáveis que somos. No entanto, é errado quando a liberdade de expressão nos leva a uma mundividência que estabelece uma “virtude” única e esconjuradora do pluralismo e eclectismo das “virtudes”.

Seguindo este raciocínio, a sátira mordaz dos cartunistas deve ser louvada, porque não nos direcciona para um “bem” reducionista, mas sim para um reconhecimento igualitário da diversidade de pensamento, pois tudo é humoristicamente criticado e posto em causa, sem hierarquias valorativas. Fazendo uma transposição para a realidade futebolística, é relevante aferir qual o valor da liberdade (de movimentação no terreno de jogo) e como esta premissa se pode manifestar conveniente, ou não, no seio de uma equipa.

Pensando num universo limitado a vinte e dois jogadores em campo, jogando onze elementos de cada lado, surge a percepção do desgaste do axioma: “a minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro”, substituído com propriedade por outro: “a nossa liberdade nasce quando se inicia a liberdade do outro”. Como tal, a liberdade não se auto sustenta nem se hetero limita, mas necessita de terceiros para se consumar. A corrida fantasista de um craque tem de estar inserida numa dinâmica colectiva, ou seja, bem integrada nos vários modelos tácticos existentes, não para aprisionar, mas sim para integrar convenientemente o movimento. Nesta lógica, é importante não atribuirmos superioridade a determinado estilo. Uma equipa que pratique um jogo com predominância na posse de bola é usualmente catalogada como sendo superior a outra que empreenda uma arrumação táctica defensiva, procurando uma contra estratégia que condicione o adversário. Portanto, não deve existir somente uma “moral” certa, mas sim várias fórmulas estilisticamente legítimas de viver (em campo).

Uma equipa não será uma civilização com sociedades, mas sim uma sociedade com indivíduos de proveniências multiculturais, num circuito global de interligações que estabeleça um equilíbrio e uma harmonia. Não quero com este raciocínio negar a existência de génios criativos que são claramente mais dotados e capazes do que outros colegas, tendo, por isso, um destaque maior dentro da colectividade futebolística. Para além do criticismo aos colegas, o atleta terá de se colocar em causa, é imperativo que tenha consciência que não é imune à falha e que se encontra muito perto do “pecado” e muito longe de “Deus”. Como os cartunistas, os jogadores devem evitar a idolatria e a sacralização (de si próprios ou dos companheiros). Ser livres em equipa, rir uns para os outros e para o jogo, fazendo rir quem o vê. Nem Messi ou Ronaldo podem viver isolados. Devemos, todos, procurar coabitar com o outro, nosso “irmão”. Apenas Deus vive sozinho.

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8 Comments

8 Comments

  1. Fábio Costa

    7 Jun 2015 at 18:22

    Vê-se que quem escreve assim não é só um boneco com cabelo sedoso,mas charlieeenices?
    Até se poderia alegar uma certa ignorância face ao que se vai passando no mundo e tal,podendo no extremo resultar numa certa empatia.E tal.Mas deste um tiro nos pés com o “sem hierarquias valorativas.” e é triste.

    • David Guimarães

      7 Jun 2015 at 22:33

      Fábio Costa,
      A sua capacidade de expressão e clareza na escrita é débil. Não consigo dialogar consigo desta forma. Aconselho-o a seguir carreira como cabeleireiro, onde demonstra ter capacidade de observação e sensibilidade estética.

  2. Fábio Costa

    8 Jun 2015 at 0:01

    Já dizia eu isso aos meus professores da nossa língua materna mas eles só queriam era saber do programa..
    E agradeço o conselho mas as minhas aptidões são precisas noutras áreas.
    A minha tese é que tu não sabes o que se passou em paris,mas mesmo ignorando isso, pensa lá um pouco, achas mesmo que não houvessem as tais hierarquias valorativas que sequer sabias da existência do Hebdo?
    Peço desculpa,e tal,por algum novo problema na escrita que impossibilite o diálogo

  3. David Guimarães

    8 Jun 2015 at 0:44

    Fábio se quiser dizer qual a sua opinião sobre o meu texto ou sobre o que se passou em Paris diga. Continuo, agora não ironizando, sem perceber o que pretende de facto. É que já se tornam recorrentes os seus comentários de escárnio aos meus artigos (perfeitamente legítimos, se justificados claro). É que mais uma vez me parece que o Fábio é um mero trauliteiro verbal. Esperemos que não passe ao acto, como fizeram e fazem aqueles neandertais sobre os quais me pronunciei no texto.

  4. Raquel Moreira

    8 Jun 2015 at 10:57

    Muito bom ensaio sobre a liberdade os seus “campos” e as suas “balizas”. Ou de como o desporto também pode ser um “terreno” fértil para o exercício das capacidades de pensamento e reflexão, logo não “alienante” nem “fanatizante”, mas antes um catalisador de práticas e comportamentos que nos levam ao reconhecimento e ao respeito pelo que há de mais nobre na natureza humana.

  5. Rui Sousa Pinto

    8 Jun 2015 at 18:35

    David,

    Considerando as duas partes do seu artigo, tenho a dizer, resumidamente, o seguinte:
    1. Concordo plenamente com as suas considerações sobre as equipas de futebol e a obrigação e a conveniência em não endeusar as vedetas. Sozinhos não vão a lado nenhum!
    2. Quanto à questão da liberdade, pegando no caso do Charlie Hebdo, tenho as minhas discordâncias. De facto, a liberdade é um bem supremo mas que, no meu entender, não deve nem pode ser isento de regras. E quando se pretende usar a liberdade para agredir terceiros, seja fisicamente seja nos seus valores mais profundos, estamos a entrar numa área que ilegítima essas ações. Com isso só se está a legitimar a reação desses terceiros. E depois não podemos, pelo uso da citada “liberdade”, criticá-los por reagirem de maneiras que não nos agradam. Resumindo, acho que são temas que mexem com convicções profundas das pessoas e, como tal, devem ser tratadas com seriedade e não com achincalhamento. Devem, sobretudo, ser tratadas com bom senso.
    Abraço
    Rui

    • David Guimarães

      8 Jun 2015 at 20:11

      Caro Rui,

      Percebo a sua posição. Mas atenção, por mais ofensivos que possam ser (para alguns) os desenhos e os textos do Charlie Hebdo, nunca justificam o aniquilamento de que foram alvo os seus autores. Eu admito e considero até aceitável que a maior parte das pessoas não se reveja na abordagem agressiva daqueles cartunistas francesas, vejo com naturalidade até reacções de condenação (se feitas dentro dos padrões de civilidade cimentados). Agora, repito, em meu entender, não existem atenuantes para aquele acto bárbaro. As lógicas que levaram a tal acontecimento estão fora do humanismo, que todos, sem hesitação, devemos defender e propagar.

      Um abraço!

  6. Fábio Costa

    8 Jun 2015 at 21:04

    Os neandertais não lidavam com dinheiro David,e para seres mais preciso chamar-lhes ias mercenários.Quanto ao que eu sou ou não capaz de fazer,é equiparável ao que tu és,mas como não temos necessidade…
    Só te queria advertir que não é porreiro fazer juízos de valor,ignorando o facto deles nunca terem de facto valor,tendo por base ignorância face ao que se passa.Eu percebi a tua posição,a tua mensagem,mas ela ficou toda borrada por ires atrás de tópicos pop.

    Essas mortes foram usadas para transmitir uma mensagem ás comunidades europeias,que tem a ver com liberdade (….de outras comunidades) mas não ao nivel da treta que foi “discutido”,pois não há discussão nenhuma, tens o teu “direito a liberdade” quando fazes com que os outros vejam que têm o “dever de te a proporcionar”.

    A menssagem?Descobre qual foi sim!? Trauteando, procura lá por alguma verdade e caga em opiniões,e no show que vai pela tv.

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