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Crónica

Qual o limite da ignobilidade?

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A 22 de novembro estreou o novo canal de informação da televisão portuguesa, a CNN –   sucessora da TVI24 que esteve 12 anos no ar. A emissão arrancou com chave de ouro, alcançando um pico de audiências com uma mediática entrevista a João Rendeiro, ex-presidente do BPP e triplamente condenado em fuga.

Já lá vão 2 meses desde que João Rendeiro se iniciou no jogo vicioso “Onde está o Wally”, cujas regras são determinadas pela inoperância do sistema judicial. Neste jogo quem sai fora do perímetro de países sem acordo de extradição para Portugal está automaticamente desqualificado. Indiscutivelmente, é um jogo que introduz desigualdades colossais na população: os participantes têm de cumprir critérios específicos, nomeadamente ter desviado uma quantia monetária pelo menos na ordem dos seis dígitos, que permita manter uma vida luxuosa num paraíso balnear; estar constantemente às avessas com a verdade; possuir ambição desmedida e o sentimento de invencibilidade de Arsène Lupin; demonstrar um total desrespeito pela justiça e por princípios morais, desconhecendo outra denotação do vocábulo “valores” que não seja riquezas e, por último, ter astúcia e fluência para entrevistas sem qualquer vestígio de coerência, simulando demência.

Na entrevista conduzida por Júlio Magalhães, Rendeiro recusa facultar pistas sobre a sua localização, referindo que, onde quer que esteja, leva “uma vida normal, como a que levava em Lisboa”, sem necessidade de recorrer a perucas ou outros meios para evitar ser reconhecido, comprovando que o sistema permite que alguém que pautou a sua vida inteira pela corrupção possa viver livremente sem consequências.

Acusado de burla qualificada, fraude fiscal, abuso de confiança, branqueamento de capitais, falsidade informática e falsificação de documentos, considera que, se compararmos com Ricardo Salgado, por exemplo, não podemos dizer que são muitas acusações.  Tal é a falta de carácter que, na ausência de argumentos mais robustos, parte para comparações intencionais com os seus concorrentes no vicioso jogo, à semelhança de qualquer pessoa sob avaliação que, dececionada com os resultados obtidos numa avaliação, reclama junto do avaliador, argumentando que o colega X teve melhor classificação.

Não tencionando regressar a Portugal, o entrevistado declara que apenas equaciona a possibilidade de voltar ao país natal no caso de se verificar a anulação das suas condenações ou se receber um indulto do PR.

Qual o limite da ignobilidade? Até onde chegam o desrespeito pela justiça e a falta de ética e de escrúpulos?

João Rendeiro revela ainda que irá exigir ao Estado uma indemnização na ordem dos 30 milhões de euros, que irá doar. Sim, ainda que a sua reputação tenha descido até ao subsolo, não desiste de tentar exibir uma postura de vítima e bom samaritano.

Se ainda restavam dúvidas, está agora esclarecido, não há mesmo limite para a ignobilidade. E irão crescer exemplos que o comprovam, se a inércia da justiça o continuar a permitir, é inaceitável a impunidade nos casos em que se consegue detetar a corrupção a olho nu.

Por um lado, é louvável o progresso que presenciamos quando a comunicação social desvendou o início das operações “Marquês”, “D’arte Asas” ou “Cartão Vermelho”- o primeiro passo em prol do combate à corrupção está dado. Afinal, o poder não está acima de tudo e de todos na sociedade atual e não há pessoas imunes à investigação.

Por outro lado, o grande passo na história da humanidade ainda não foi dado- falta vermos todos os corruptores sofrerem as consequências dos seus atos. Assistir à impotência jurídica, ao ciclo de arrastamento dos processos em tribunal, com os arguidos a interporem recursos infinitos e enveredarem por estratagemas que deploravelmente a nossa legislação não interdita, conduz a uma descrença na justiça, na igualdade perante a lei e no próprio ser humano. Vamos acreditar na visão um tanto utópica de que a célebre frase de Pitágoras “Anima-te por teres de suportar as injustiças, a verdadeira desgraça consiste em cometê-las” um dia reflita menos o estado da justiça vigente.

Artigo da autoria de Mariana Batista Maciel