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Opinião

Surpresa! Você Está Numa Chemsex

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Chemsex são festas são eventos onde as normas sociais convencionais são temporariamente suspensas, permitindo uma exploração mais livre da sexualidade.
“El abuso invisibilizado de ‘chemsex’: “Es relacionarse al borde del abismo", El País | Imagem: ChatGPT

Esta tessitura artístico-textual pensa o conceito de pudor sob uma perspectiva psicanalítica, compreendendo-o como um mecanismo de defesa que regula e reprime impulsos sexuais. Frequentemente entendido como uma restrição moral, o pudor pode paradoxalmente ocultar ou favorecer o surgimento de formas mais complexas de perversão, como o uso abusivo de substâncias, o chemsex e a violência em relações homossexuais, evidenciando uma relação entre repressão e comportamentos extremos.

Desejo. Era só mais uma notificação do Grindr. Um “ativo com local” piscando na tela, uma foto sem rosto, um convite direto: “só chegar”. Quem nunca? O que talvez nem todos saibam é que, sem perceber, podem estar se jogando numa sessão de chemsex — um tipo de festa privada onde o sexo e o uso de substâncias psicoativas se misturam até o ponto em que a linha entre prazer e risco se dissolve por completo.

O termo “chemsex” define encontros sexuais (quase sempre entre homens) potencializados por drogas como GHB, metanfetamina e cocaína. Neles, o tempo se dilata, o corpo não sente sono, o sexo dura horas ou dias. A realidade, no entanto, é mais ácida do que a euforia promete: overdoses, dependência química, violências e abusos sexuais e confusões mentais são efeitos colaterais cada vez mais relatados nessa busca intensa por prazer.

Mas o que nos leva até esse lugar?

Entre o “match” e a porta do quarto, existe uma longa estrada de repressões, normatizações e pudores. Crescemos sendo ensinados a temer o próprio desejo. O corpo, o toque, o afeto — tudo muito controlado, monitorado, policiado. Para Freud, o pudor é esse guardião psíquico que diz onde termina o prazer e começa o pecado. Mas quando ele é contido demais, se transforma em explosão. É exatamente aí que a perversão entra. Como fuga. Como alívio. Como válvula de escape.

A busca desesperada por prazer — muitas vezes dopado — revela mais sobre nossa solidão do que sobre nossa luxúria. Os relatos se repetem: homens gays jovens, bem-sucedidos (ou não), performáticos, que após o terceiro ou quarto drink químico estão nus, submissos, exaustos, em situações que eles não saberão nomear no dia seguinte. Em muitos casos, o consentimento se torna turvo. E o que era “liberdade” passa a ser cárcere de um vai-e-vem de corpos energéticos. 

Dopamina: prazer, recompensa e angústia 

A dopamina é um neurotransmissor produzido no encéfalo que atua em diversas funções do corpo humano, incluindo a regulação do sistema de recompensa e motivação prazerosas do cérebro. Esse mecanismo, do ponto de vista evolutivo, é vital para a sobrevivência, pois incentiva comportamentos como comer, beber, competir para sobreviver e se reproduzir.

Pesquisas indicam que a dopamina no corpo aumenta em resposta a experiências prazerosas, como comida, sexo e drogas. Contudo, em contextos sociais e culturais específicos, a busca pelo prazer pode assumir formas mais extremas e hedonistas, como observado nas festas de fetiches e no uso de substâncias psicoativas. 

Logo, essas festas são eventos onde as normas sociais convencionais são temporariamente suspensas, permitindo uma exploração mais livre da sexualidade. Em tais ambientes, caracterizados por práticas sexuais não convencionais e a presença de performances fetichistas, cria-se um espaço onde os participantes podem experimentar uma intensa liberação de dopamina, causando euforia e excitação sexual intensa.

Pervertidos. Além da excitação sexual, o afrouxamento do pudor nestes eventos tem um componente psicológico relevante. A permissão explícita ou implícita para transgredir normas sociais e morais gera uma sensação de euforia e liberdade, amplificada pela química cerebral. Esse fenômeno pode ser entendido à luz da teoria freudiana, segundo a qual a transgressão das proibições internalizadas pelo superego resulta em uma liberação catártica de energia psíquica, manifestada como prazer. 

Desinibidor de Angústias?

O uso de drogas, como o MDMA/ecstasy (3,4-metilenodioximetanfetamina) e a cocaína, é comum em festas de fetiches e outros contextos de exploração sexual, principalmente entre homens que fazem sexo com homens (HSH). Essas drogas têm um impacto direto no sistema dopaminérgico, aumentando drasticamente os níveis de dopamina no cérebro. Ambas as substâncias são conhecidas por induzir o acúmulo de altas quantidades de dopamina, criando sensações intensas de euforia, empatia e conexão social.

A combinação de drogas e contextos fetichistas ajuda a criar um ambiente neuroquímico propício para a suspensão do pudor. Com níveis elevados de dopamina, a capacidade do superego de reprimir desejos e impulsos é significativamente reduzida, levando a comportamentos que seriam inibidos em condições normais. Isso permite uma expressão mais livre e muitas vezes mais extrema da sexualidade. O afrouxamento do pudor em contextos de festas de fetiches e uso de drogas pode ser explicado pela interação complexa entre neurobiologia e psicodinâmica. 

A liberação massiva de dopamina induzida por estímulos sexuais e drogas não apenas amplifica o prazer, mas também diminui a capacidade do cérebro de manter inibições morais e sociais. Estudos mostram que altos níveis de dopamina podem prejudicar o funcionamento do córtex pré-frontal, a região do cérebro responsável pelo controle executivo e pela tomada de decisões.

Além disso, a experiência de prazer extremo e a quebra das inibições podem criar um efeito de retroalimentação positiva. O prazer intenso reforça o comportamento, criando um ciclo onde a busca por experiências cada vez mais extremas se torna um objetivo em si. Esse ciclo é característico de padrões de comportamento aditivo, onde o sistema de recompensa do cérebro é reprogramado para priorizar a busca por prazer imediato sobre as considerações morais e sociais. 

Freud argumentou que a repressão dos desejos sexuais é uma fonte de sofrimento psíquico e que a liberação desses desejos, mesmo que temporária, pode proporcionar um alívio catártico. 

Esse alívio, mediado pela liberação de dopamina e a suspensão temporária do superego, é observável em festas de fetiches e no uso de drogas. Do ponto de vista neurobiológico, a interação entre os sistemas de recompensa e as inibições sociais internalizadas cria um espaço onde a expressão sexual pode ser explorada de maneira mais aberta e menos restrita.

Berlim: Uma cidade para se achar perdido – mais que um estado de espírito, um grito de libertinagem

Há muitas histórias que cercam a cidade de Berlim. Conhecida como a capital mundial do techno, é um epicentro vibrante onde a música eletrônica, a liberdade sexual e o uso de drogas convergem de maneira única e legalizada. Mas a capital da Alemanha não é apenas um destino para os amantes do techno; a cidade é muito famosa por sua cultura de festas de fetiches, onde a sexualidade é entorpecida para ser explorada de forma aberta e sem julgamentos. 

Essa atmosfera permissiva, profundamente enraizada na história pós-guerra de Berlim, onde a cidade se reconstruiu como um símbolo de liberdade e experimentação, oferece um espaço onde o pudor é significativamente afrouxado, criando um ambiente propício para a liberação de impulsos reprimidos. É uma cidade para ser. Por isso, não se assuste ao cruzar com situações moralmente ‘estranhas’ pelas ruas de Berlim. A sexualidade é investida e os corpos se manifestam como desejam ser vistos: objetos de desejo, fascínio e poder. Estamos falando de uma liberdade sexual sem precedentes. 

A cena noturna de Berlim, com seus inúmeros clubes icônicos como o Berghain e o KitKat Club, exemplifica essa fusão de música, sexo e substâncias psicoativas, onde as normativas sociais tradicionais são suspensas, permitindo uma experimentação mais livre da identidade e dos desejos. Esse cenário berliner ilustra como o contexto cultural e social pode intensificar as respostas neurobiológicas ao prazer.

As festas de fetiches, por exemplo, não são apenas eventos hedonistas, mas também espaços onde os participantes experimentam uma dissolução temporária das barreiras entre o eu e o outro, intensificada pela química cerebral alterada e embalada por uma explosão de sons que emanam cargas energéticas em suas batidas techno

Estive em Berlim algumas vezes. O bastante para sentir toda essa energia que a cidade emana nas ruas, transportes, bares, saunas, parques de cruising, boates e clubes noturnos. Dentro das experiências mais atravessadoras que se pode ter na esfera sexualidade, químicos e prazer, a festa PiepShow — que se descreve como: a rave techno queer mais feliz e colorida de Berlim para todos que adoram dançar com tolerância — parece ser bem completa. A festa acontece sempre na última sexta-feira de cada mês, no famoso Kit Kat Club — que ganhou ainda mais notoriedade com vídeos no Tik Tok a mostrar filas gigantescas que duram horas para acabar. 

Com um dress code obrigatório e o uso de smartphone proibido, a PiepShow reúne centenas de pessoas numa megaestrutura de mais de dez ambientes e cinco andares, para festejar o fetiche. Doces são espalhados por todos os cômodos e há muitos seguranças que estão sempre à espreita para proteger as pessoas delas mesmos. É um lugar extremamente seguro para perder o controle, mas sempre respeitando o outro.

Pulsão Sonora: Combinação Perfeita

A música techno, com suas batidas hipnóticas, atua como um gatilho para a liberação de dopamina, sincronizando-se com o consumo de drogas, tornando as práticas sexuais ainda mais intensas. A combinação desses elementos cria uma espécie de “ritual moderno” onde a euforia e a transgressão alimentam-se mutuamente. A festa é um culto ao deus Baco nos moldes de Calígula, o depravado

Nesse ambiente, a dopamina desempenha um papel crucial, não só potencializando o prazer, mas diminuindo exponencialmente as suas inibições, permitindo que comportamentos normalmente contidos emergem. Em Berlim, a neurobiologia do prazer é amplificada por um contexto cultural que celebra a transgressão, tornando a cidade um laboratório vivo para a exploração das fronteiras do desejo humano. Na cidade do Porto, a L´uomo vai ganhando espaço, atraindo meninos gays de todas as idades. Diferente de Berlim, o bar de cruising na invicta é totalmente despreparado, depreciativo e pretensioso.

A complexa interação entre pudor e perversão, mediada pela neurobiologia do prazer, revela muito sobre a condição humana e nossa incessante busca por gratificação. Festas de fetiches e o uso de drogas exemplificam como contextos sociais e culturais específicos podem criar espaços onde as normas e inibições são suspensas, permitindo uma exploração mais livre da sexualidade. A dopamina, como neurotransmissor central do sistema de recompensa, desempenha um papel crucial na mediação desses comportamentos, demonstrando como nossos desejos mais profundos podem ser tanto fonte de prazer quanto de potencial autodestruição.

Compreender a neurobiologia do prazer e suas implicações psíquicas é essencial para uma visão mais holística da sexualidade humana, onde o pudor e a perversão coexistem em um equilíbrio delicado, constantemente influenciado por nossas interações sociais e químicas cerebrais. A suspensão do pudor em contextos específicos permite uma expressão sexual mais livre, mas também pode levar a consequências negativas, como comportamentos de risco e dependências. Portanto, é crucial reconhecer a complexidade dessas interações para entender plenamente a mente humana e suas diversas manifestações de prazer e repressão. 

Assim, um estudo mais aprofundado acerca desse ‘afrouxamento do pudor’ através da neurobiologia do prazer vivenciadas em festas de fetiches agitadas por músicas techno e pelo uso abusivo de químicos poderia nos oferecer novas janelas para explorar os mais profundos e conflituosos desejos que definem a nossa existência. A busca incessante por prazer e a suspensão das inibições podem levar a comportamentos de risco, vícios e uma maior vulnerabilidade psicológica.

A literatura científica aponta que o uso crônico de drogas pode levar à disfunção dopaminérgica, resultando em uma diminuição da capacidade de experimentar prazer naturalmente, um fenômeno conhecido como “anedonia”. Esses estudos também levam em consideração o consumo de pornografia como obtenção de prazer e realização de fetiches. 

Suruba de Dados ⚡️

Dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) apontam que o consumo de pornografia pode estar associado a várias alterações negativas na saúde e sexualidade humanas, desde problemas nas relações pessoais, depressão e falta de motivação, à disfunções sexuais e orgásmicas, perda de interesse sexual num parceiro real e perda de interesse no parceiro romântico. A ABP explica que o vício em pornografia é causado pelo mesmo mecanismo que leva à dependência de drogas e álcool. No entanto, o diagnóstico e tratamento do consumo excessivo de pornografia são mais difíceis e dependem do suporte familiar para o sucesso da recuperação.

Perceba, o uso de drogas nessas festas de fetiches torna a nossa imaginação pornográfica real.  Assim como as dependências digitais têm capturado as nossas perversões e sanado esse nosso desejo sexual — tornando as nossas investidas sexuais cada vez mais latentes, levando-nos a extrapolar os nossos limites —, o abuso de drogas e a falta de informação tem levado muitos jovens a ingerir combinações perigosas.

Os efeitos são tão entorpecentes, que eu já presenciei em festas de chemsex, homens saudáveis de 24 anos tomando Viagra para “levantar o astral” por estar tão “livres de seus pudores”. O coquetel de ácidos e químicos faz efeito e, na pior das hipóteses, pode culminar numa overdose de prazer. 

Chemsex: um afrouxamento do pudor – prazer sem limites 

Em 10 de abril de 2025, o jornal espanhol El País publicou o artigo “El abuso invisibilizado de ‘chemsex’: “Es relacionarse al borde del abismo”. Nele, a jornalista Jessica Mouzo analisa uma série de dados de estudos científicos que explicam porque a prática deve ser considerada perigosa.

Segundo a jornalista, o fenômeno conhecido como chemsex refere-se ao uso intencional de substâncias psicoativas com o objetivo de prolongar e intensificar a experiência sexual, sendo mais comumente observado entre homens que fazem sexo com outros homens (HSH). Para deixar mais claro, trata-se de uma prática que combina elementos de prazer e risco, pois envolve tanto o consumo de drogas com alto potencial de dependência, quanto o perigo de uma maior exposição às infecções sexualmente transmissíveis (IST), devido a falta de controle e, muitas vezes, a perda dos sentidos de autocuidado e limites. 

Entre as substâncias mais associadas à prática do chemsex estão a metanfetamina, o GHB (popularmente conhecido como “ecstasy líquido”), a cocaína e a mefedrona. Essas drogas, além de seus efeitos imediatos, contribuem para a construção de uma dependência não apenas química, mas também simbólica, na medida em que dificultam o estabelecimento de vínculos e práticas sexuais desvinculadas do consumo. Em centros comunitários e serviços de saúde especializados, tem-se observado um aumento nos relatos de indivíduos que não conseguem manter relações sexuais satisfatórias sem o uso dessas substâncias, o que evidencia a complexidade do fenômeno e a urgência de intervenções específicas.

Embora uma parcela significativa dos praticantes ouvidos durante as entrevistas relatam fazê-lo de forma pontual e recreativa, sem impacto negativo imediato em suas rotinas, cada vez mais dados indicam uma tendência crescente e preocupante no número de casos em que o uso se torna problemático.

Há muitos estudos científicos que analisam dados a partir de relatos de pacientes, lançando o olhar sobre algumas das situações extremas associadas ao consumo problemático no contexto do chemsex. Em 2017, o estudo britânico “An observed rise in γ-hydroxybutyrate-associated deaths in London: Evidence to suggest a possible link with concomitant rise in chemsex”, da Unidade de Toxicologia, Imperial College London, no Reino Unido, alertava para o aumento das mortes por overdose de GHB. Segundo o estudo, grande parte do aumento de mortes no contexto da droga, ocorre em contexto dessa prática prevalente entre homens que transam com outros homens (HSH), na prática do chemsex. O estudo revelou:

um total de 61 mortes associadas ao GHB (0,92% do total de casos), 184 mortes associadas à cocaína (2,8% do total de casos) e 83 mortes associadas a MDMA (1,3% do total de casos) foram identificadas. Houve um aumento de 119% na proporção de mortes associadas ao GHB detectadas em 2015 em comparação com 2014. No mesmo período, houve um aumento de 25% nas mortes associadas à cocaína e uma diminuição de 10% nas mortes associadas ao MDMA” (Hockenhull, Murphy, Paterson, 2017).

Esses dados foram obtidos pelo estudo a partir de análises toxicológicas retrospectivas de 6.633 casos conduzidas pelo Toxicology Unit do Imperial College London, abrangendo sete das oito jurisdições de legistas em Londres entre janeiro de 2011 e dezembro de 2015.

Em meados de 2021, o estudo de caso intitulado“Chemsex/slamsex-related intoxications: A case report involving gamma-hydroxybutyrate (GHB) and 3-methylmethcathinone (3-MMC) and a review of the literature”, realizado por pesquisadores ligados ao Serviço de Fármaco-Toxicologia e Farmacovigilância do Centro Hospitalar Universitário Angers, na França, e publicado na revista Forensic Science International, registrou 13 casos de intoxicação relacionados a esse fenômeno, dos quais seis resultaram em desfechos fatais. Dentro os casos, 

Um homem de 31 anos sem histórico médico específico foi internado no departamento de emergência por comprometimento grave da consciência após a administração de substâncias psicoativas durante uma festa de chemsex. Ao chegar, sua Escala de Coma de Glasgow estava em 3/15 e sua temperatura corporal estava abaixo de 35 °C (hipotermia). As pupilas eram de largura regular e normalmente reagiam à luz. O restante do exame clínico não encontrou mais particularidades. Seu eletrocardiograma foi normal” (DREVIN, artigo 110743, 2021).

O uso problemático de substâncias no contexto do chemsex constitui um fenômeno multifatorial e dinâmico, no qual se entrelaçam condições individuais e determinantes sociais. Diversos fatores de risco têm sido identificados como predisponentes a esse tipo de prática, dentre os quais se destacam experiências traumáticas prévias, como abusos na infância e/ou relações abusivas, a ausência de redes de apoio social — sendo os sujeitos migrantes particularmente vulneráveis —, bem como a presença de transtornos mentais anteriores ao início do consumo. Soma-se a isso a natureza das substâncias utilizadas, algumas das quais apresentam alto potencial de dependência, além da via de administração adotada: o uso injetável (slamming), por exemplo, está associado a riscos significativamente mais elevados à saúde física e mental.

Nesse cenário, observa-se a emergência de um contingente expressivo de indivíduos que desenvolvem padrões de consumo abusivo, ainda que a dimensão quantitativa dessa população seja de difícil mensuração. Esses sujeitos, em sua maioria, permanecem à margem das políticas públicas de saúde e encontram carência de abordagens que considerem adequadamente suas vivências sexoafetivas, marcadas por estigmas e vulnerabilidades históricas, especialmente no caso de populações LGBTQIAP+.

As repercussões do uso desregulado de substâncias no contexto do chemsex manifestam-se em múltiplas esferas da vida dos indivíduos, desde prejuízos significativos nas relações interpessoais até o desenvolvimento de quadros severos de sofrimento psíquico. Entre os efeitos mais recorrentes estão sintomas de depressão, ansiedade, episódios psicóticos e estados paranoides. Em situações-limite, há relatos de mortes associadas à overdose ou ao suicídio. A ausência de políticas públicas eficazes e integradas tem sido objeto de críticas por parte de diversos setores da sociedade civil, que denunciam a invisibilização da problemática e a carência de estratégias intersetoriais de enfrentamento que articulem saúde, educação, assistência social e garantia de direitos.

O abuso de drogas também é sobre o impacto da homofobia numa sociedade machista-patriarcal hipócrita 

O uso de drogas em contextos sexuais entre homens gays, por exemplo, emerge como uma estratégia para a suspensão temporária desse pudor inerente. Este comportamento não deve ser entendido apenas como um hedonismo desenfreado, mas como uma resposta real e prática a um complexo cenário de repressão social e internalização de normas morais que visam controlar a expressão do desejo: a nossa sociedade machista que consome o corpo masculino como objeto de prazer e luxúria sempre culpabilizando este consumidor. 

A psicanálise nos ensina que o pudor funciona como um guardião psíquico, reprimindo impulsos que não são aceitos pela sociedade. No entanto, em contextos específicos, como festas de fetiche ou encontros sexuais facilitados pelo uso de substâncias psicoativas, há uma ruptura dessa vigilância interna, promovendo um afrouxamento desse pudor moral.  

A neurobiologia do prazer, particularmente o papel da dopamina, revela que essas práticas não são apenas mecanismos de liberação de desejo, mas respostas biológicas a uma repressão contínua. O uso de drogas como o GHB, ao “afrouxar” o pudor, facilita essa vivência sexual reprimida, mesmo que temporariamente, permitindo que o indivíduo transgrida as normas sociais que normalmente governam o seu id e que são fortemente lembradas pelo superego, quando não manipuladas pelo ego enquanto mediador entre os conflitos que afetam o id

Este fenômeno reflete nessa busca por liberdade sexual, na tentativa de se romper com as amarras do superego que, conforme Freud apontou, é construído a partir das experiências e normas internalizadas desde a infância. Mas como tudo na vida, essa liberação vem com um preço. 

A dissolução temporária do pudor pode levar à exposição a riscos significativos, tanto físicos quanto psicológicos, gerando um ciclo onde o prazer imediato é seguido por sentimentos de culpa, vergonha e até mesmo trauma. E este ciclo se alimenta dessa necessidade de repetição do comportamento, criando uma dependência, não apenas das substâncias, mas da própria sensação de [falsa] liberdade que elas proporcionam.

Tá Giselando?

Em qualquer quarto escuro do mundo ocidental, repete-se a mesma coreografia: luzes apagadas, musica pulsando, corpos suados e olhos vidrados quase que a saltar a cara pela dilatação. A moral sai pela porta dos fundos enquanto a dopamina toma conta da festa. O fetiche vira performance. A performance vira vício. E o vício vira trauma. Lembra do episódio de abuso na série da Netflix Baby Reindeer?

Ainda assim, pouco se fala sobre o impacto disso. Não há campanhas, não há acolhimento. O chemsex segue sendo uma prática invisível, negligenciada por políticas públicas e escondida sob a lógica de que “cada um faz o que quer com seu corpo”. Mas será mesmo que há liberdade quando se precisa de um comprimido para desejar? Ou quando o único jeito de gozar é perdendo o controle?

Estamos diante de uma geração inteira anestesiada pelo medo de sentir. Pelo medo de amar. Pelos fantasmas do abuso, da homofobia, da rejeição familiar, da pornografia que ensina mais sobre dor do que sobre prazer. No fundo, o chemsex é um sintoma — um grito por ajuda que ninguém escuta, porque a festa ainda está rolando. Talvez seja hora de falarmos mais sobre isso.

Procurar ajuda psicológica pode ser uma saída para você que deseja perceber mais sobre os seus sentimentos, as suas armadilhas e, principalmente, seus ciclos de repetição. Segue uma lista de contactos úteis para este tópico disponibilizado pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clinica:

 

NACIONAL / À DISTÂNCIA

ChemTalks – Grupo de Esclarecimento e Partilha
Cogerido pelas organizações de base comunitária Kosmicare e GAT Grupo de Ativistas em Tratamentos
filipe.gomes@kosmicare.org

Quebrar o Silêncio – Associação sem fins lucrativos
Apoio especializado para homens e rapazes sobreviventes de violência sexual
Quebrar o Silêncio – Apoio a homens e rapazes vítimas de abuso sexual (quebrarosilencio.pt)

ALMADA

GAT Grupo de Ativistas em Tratamento – Organização de Base Comunitária
Saúde Sexual, Redução de Danos, Acesso à PrEP e a Consultas de VIH e Hepatites, Apoio Psicossocial e Jurídico a Pessoas que vivem com VIH
https://www.gatportugal.org/

LISBOA

GAT Grupo de Ativistas em Tratamento – Organização de Base Comunitária
Saúde Sexual (HSH, Migrantes, Trabalho Sexual, Pessoas Trans), Redução de Danos, Acesso à PrEP e a Consultas de VIH e Hepatites, Apoio Psicossocial e Jurídico a Pessoas que vivem com VIH
https://www.gatportugal.org/

Kosmicare
Redução de Danos
https://kosmicare.org/

DiverGENTE – Serviço Nacional de Saúde (Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências de Lisboa e Vale do Tejo)
Consultas de Psicologia e Psiquiatria, Tratamento Especializado
divergente.dicad@arslvt.min-saude.pt

PORTO

Abraço Porto
Saúde Sexual, Acesso à PrEP e a Consultas de VIH e Hepatites, Apoio Psicossocial e Jurídico a Pessoas que vivem com VIH

 

 

Artigo da Autoria de Ícaro Machado



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