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Crónica

SOBRE REVOLUÇÃO INGÉNUA

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«Não se revolta um povo inteiro a não ser que a opressão seja geral.»

John Locke, filósofo inglês

Quinta-feira, 30 de Junho de 2016. A cidade do Porto concentrou-se na Avenida dos Aliados para apoiar Portugal no jogo contra a Polónia (de notar os polacos presentes com uma simpatia singular, um traço que vale sempre a pena salientar numa sociedade que não raro se deixa afogar em ódios). Assim quis a aleatoriedade do destino que dois turistas turcos, vindos de Istambul se sentassem ao meu lado.

Já decorria o jogo quando um deles amavelmente me ofereceu um cigarro. Daí surgiu uma conversa casual que culminou num testemunho de sobrevivência. Aqueles dois jovens tinham embarcado duas horas antes dos atentados de Istambul a 28 de Junho. Os relatos são macabros: a Turquia vive assolada pelo terrorismo e o governo esconde a realidade dos factos, a brutalidade dos números. Se condenávamos a Europa e o povo europeu porque fomos Paris, fomos Bruxelas, mas não fomos Ankara e não fomos Istambul? Os turcos dizem que devemos isso ao «sistema» que rege o país e que abafa o verdadeiro estado de caos e guerra em que vivem.

O sistema de segurança no aeroporto de Istambul impediria qualquer ataque bombista de lá ser perpetrado, diziam os jovens turcos na Avenida dos Aliados, sublinhando ser necessário um rigoroso processo de inspeção antes que qualquer passageiro consiga aceder à zona de embarque, o que leva o povo turco a desconfiar de que estes ataques sejam obra do «sistema» para continuar a cultivar o pânico no país. Um país que enfrenta a realidade do caos e dos números da desumanidade, enquanto o retrato que é pintado para a Europa e para o mundo é um formal eufemismo de informação com vista a que, comparados com horrores vistos por outros locais, possam ser desvalorizados.

Assim, este mesmo «sistema» turco continua com poder sobre o seu povo para que o possa aterrorizar e, deixando agora os eufemismos de lado, assassinar os turcos, um a um, entre gritos abafados pelas explosões constantes e pela regularidade com que estes horrores se vão repetindo, numa nuvem de fumo que jamais se dissipa.