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Crónica

AS ÉTICAS DE QUEM SOMOS E DO QUE USAMOS

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Constantemente nos vemos em posição de imposição e de superação perante as outras espécies. Já para lá daquilo que é a supremacia que uns supostos se arrogam de deter perante outros tantos, a moralidade torna-se discutida para lá da humanidade, viajando até aos contextos daqueles que não possuem da sua subsistência crítica, de forma a possuir uma posição de discussão válida. Assim, dependem da suposta solidariedade de terceiros para verem os seus direitos defendidos e compreendidos.

Por isso, em recintos de experimentação, em que as capacidades físicas, mentais e emocionais são atestadas na reação que sentem ao ingerir ou estar sob o efeito desta ou daquela substância. A integridade da espécie, que se vê, na sua génese e na sua estrutura, adulterada, é colocada em dúvida, pelos caprichos de uma ciência que não necessita de colocar outras tantas espécies em risco rumo à deteção, divulgação e até comercialização do novo Santo Graal de um dado ramo científico. Quem fala daqueles que, em ambiente laboratorial, põem em risco essa constituição, fala de outros tantos que potenciam a fragilidade e a vulnerabilidade dos semelhantes no aspeto emocional e vivencial, para o seu prazer, caraterizado e adjetivado com o maior escárnio possível.

É parte da cultura humana o exponenciar e o explorar da dependência de segundos e terceiros, em troca de proveitos a prazo variável. Indiscriminados são aqueles que se veem constituídos arguidos de delitos morais, mas discriminados (e até louvados) são os outros tantos que se assinalam como pretendentes a ingressos de experiências que remontam ao Frankenstein. Não querendo levar tão a sério tamanha premissa utópica, assinala-se o comprometimento da progressão do mundo com a regressão de outros tantos, vítimas até ao felizardo que se supera à margem de erro apontada ao efeito mirabolante. Claro que a cultura popular associa o laboratório a um lunático, cujas trangressões ao politicamente correto são visualizáveis e condenáveis. No entanto, são os mesmos que não negam a importância de existirem experiências para que se testem os futuros métodos e meios para a humanidade. Nem que se trate de códigos de vestuário, que desequilibram sistemas e ecossistemas, e que atalham caminho a uma dor escusada e carburada.

Custa gastar tantas palavras, enquanto as emoções de outras espécies, às quais não se aplica a caridade, mas a solidariedade, e alguém que pugne pelos seus direitos mais básicos e elementares, com situações esdrúxulas como as que aponto nesta argumentação. A nossa cultura é, inegavelmente, sanguinária. Alimentamo-nos de outras espécies, à boa maneira da cadeia alimentar. Talvez tudo esteja mal, assim sendo, e não vale caminhar e combater as evitáveis iniquidades que a realidade dispõe a olho e a sabor nu. Podemos usar as justificações que quisermos, invocarmos a ciência e a história, mas podem ser levantadas inúmeras questões quanto aos assuntos explanados aqui. Porém, nada é mais cru e cruel do que cultivar o sofrimento em proveito do suposto progresso social, científico e tecnológico. As propaladas teorias do povo sobre as excentricidades do professor do laboratório permanecem como meios para olhar para a realidade, de forma exacerbada, é certo, mas com alguns rasgos daquilo que é uma herança pesada, um fardo que não nos deve orgulhar. Usar a espécie alheia para o teste, para a verificação, gerando-lhe desconforto, dor, estranheza e, em grande parte dos casos, danos irreversíveis na sua futura vivência, é o paralelismo dos que matavam o outro pela sede do poder, da opulência, da demonstração dessa arrebatadora superioridade. Hoje, destrunfa-se de outras formas, mas as relações permanecem equivalentes.

Em tudo que é a caraterização de uma sociedade, de um meio ambiente, e de todas as suas partes, considero incorreto a hierarquização. É uma forma de compartimentarmos, de fomentarmos as desigualdades, por muito que se alegue o enaltecer das diferenças. São as mesmas que são assumidas como fios condutores para podermos assumir a espécie humana como dona e senhora do mundo na qual atua. Com as suas magníficas obras, mesmo danificando os inúmeros habitats que a biologia concentra e congrega com a geografia, a geologia e as demais plataformas do planeta per se, anuncia a sua superioridade urbana, podendo potenciar aquilo que bem lhe apetecer para seu crescer e evoluir. O progresso civilizacional e educacional só pode ser consumado se compreendermos a diversidade e a importância de a preservar e de a salvaguardar. Tudo isto não pode ser alimentado com o lesar de espécies que aprendemos a estimar, a louvar e a considerar na nossa rede de amigos íntimos, com os quais partilhamos parte das experiências mais significativas.

A nossa ética tem crescido, sofrido as mutações necessárias para que se entenda mais compreensiva, envolvente e exigente para com os pergaminhos da faca e do alguidar usuais. Somos, cada vez mais, um desafio no exercício da conduta moral, tendo em conta a forma como honramos o mais valioso e puro das nossas convivências e vivências. Cada vez mais há a educação e, em sua proporção, a vocação de manter a paz e a partilha como notas essenciais do nosso entendimento connosco mesmos e com os nossos semelhantes, em razão e em emoção. Muitas vêm sendo as batalhas cruzadas e detidas nos últimos tempos para esses efeitos, e não são raras aquelas que geram vitórias para os que se assumem como ativistas perante a incoerência dos valores ancestrais. O caminho está a ser traçado e percorrido. É importante que não nos deixemos adormecer na órbita de um planeta gerado e gerido por humanos. Somos uni e pluricelulares, somos invertebrados e vertebrados, somos animais, plantas, fungos, e até as tais bactérias e vírus que estamos a tentar combater. Munidos da ética e da correção, vimos sendo uma depurada emoção, com busca do consciente e da alinhada razão. Eis a nossa importante e importada excursão para o futuro.