Crónica
Roubar no Louvre: Reforma Antecipada?
O mundo acordou com a notícia de que o Museu do Louvre, em Paris, foi alvo de um assalto. Para quem sempre achou que “La Casa de Papel” era ficção com um final previsível, eis que a realidade tentou (ainda que sem tanto glamour) imitá-la. Mas atenção: não houve máscaras de Salvador Dalí, nem um plano maquiavélico transmitido em direto. Só o rumor de que alguém decidiu — literalmente — pôr mãos à arte.
No dia 19 de outubro, quatro ladrões mascarados de operários usaram um elevador de fachada para entrar no Louvre. Em menos de sete minutos, levaram joias da coroa francesa, incluindo tiaras e colares incrustados de diamantes e esmeraldas — um deles pertencente à imperatriz Eugénie.
A cena foi digna de “La Casa de Papel”, só que sem a banda sonora de fundo e com menos carisma coletivo. Pior: a segurança parece ter sido inspirada num episódio de “Os Marretas”.
Agora, vamos ser sinceros: quem nunca pensou em “levar um quadro” para casa, nem que fosse daqueles com moldura dourada e nome impronunciável, só para dizer “compreendo arte contemporânea”.
Talvez este assalto seja um sinal dos tempos. Afinal, em França protesta-se por tudo — especialmente pela idade da reforma. O governo quer aumentar; os franceses dizem “non”. Em Portugal, já vamos nos 66 anos e pouco se ouve. Tirando um ou outro desabafo no café: “Mais um ano e reformo-me… se o INSS não mudar de ideias”.
Ora, se o Euromilhões continua a escapar, a idade da reforma nunca mais desce, e o preço dos croissants em Paris sobe como se fossem feitos com ouro alimentar. Só resta um caminho: garantir o sustento com… arte. Literalmente. Talvez este roubo no Louvre não seja apenas um crime, mas um grito silencioso:
“queremos dignidade… ou, pelo menos, uma Mona Lisa no hall de entrada”.
Num mundo em que os salários são apertados e os preços vivem em libertinagem, o crime pode parecer um plano B tentador — embora com sérias consequências penais.
Mas a verdade é que há algo de profundamente irónico nisto tudo: temos arte avaliada em milhões acessível a todos… e ainda assim, há quem ache que só vale a pena se estiver na parede de casa. Talvez seja um reflexo da sociedade atual: tudo tem de ser meu, pessoal, privatizado. Até a beleza.
E não vamos fingir que o timing não é suspeito. A cultura está em crise; os criadores mal sobrevivem, e os museus cada vez mais parecem espaços de selfies e menos de contemplação. Num tempo em que o mundo corre, quem para para entender o significado de um quadro? Talvez o verdadeiro roubo seja esse: o tempo que já não nos damos para sentir, olhar e aprender.
No fim, o que nos resta é esta crónica, um misto de indignação e ironia.
Porque se não conseguirmos mudar o mundo, talvez ainda consigamos rir dele. E quem sabe, com sorte, um dia não abrimos o armário e descobrimos lá um original esquecido — ou, no mínimo, a coragem para continuar.
Texto da Autoria de Joana Neves