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Artigo de Opinião

EMIGRAÇÃO PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA

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João Queirós

João Queirós

Com a mesma avidez com que em meados da década de 1990 abraçaram essa ideia – espécie de slogan de um país sequioso de modernidade – segundo a qual Portugal passara de “país de emigração” a “país de imigração”, políticos, meios de comunicação social e alguns representantes da academia redescobrem por estes dias uma dimensão da nossa vida coletiva cuja relevância muitos julgavam dever ficar circunscrita às páginas dos livros de história.

No meio de tantos e por vezes tão contraditórios discursos, vale a pena parar e refletir sobre três ou quatro ideias – que o “ruído” do debate público nem sempre permite escutar com clareza – sobre o fenómeno da emigração portuguesa contemporânea.

A primeira dessas ideias diz-nos que Portugal nunca deixou verdadeiramente de ser um “país de emigração”. Com efeito, mesmo quando Portugal recebia um inédito contingente de imigrantes, com origem nos países africanos de língua oficial portuguesa, no Brasil ou na Europa de leste, a comunidade portuguesa espalhada pelo mundo não parava de aumentar. Entre 1997 e 2002, a comunidade portuguesa a residir no Reino Unido – para dar apenas um exemplo – mais do que triplicou, passando de 27 mil para perto de 85 mil pessoas. Fenómeno marcante da nossa sociedade, a emigração continuava a estruturar as trajetórias sociais e profissionais de milhares de portugueses, mesmo se a sua importância se revelava menor do que outrora, em particular dada a novidade da imigração.

Com o recrudescimento, nos últimos anos, dos movimentos de saída – números recentes apontam para volumes de emigração envolvendo 100 a 120 mil pessoas por ano –, diz-se muitas vezes que estamos “como na década de sessenta”. Ora, a verdade é que a emigração de hoje é substancialmente diferente da dessa altura. Mesmo se os números se aproximam – e esta é a segunda ideia a ter em conta –, o perfil da emigração portuguesa contemporânea é muito diferente daquele que caracterizava a dinâmica migratória do país há cinquenta anos atrás. Volvidas quatro décadas sobre o 25 de abril de 1974, dizer que “voltámos ao mesmo”, ou que “nada mudou”, é, para além de sociologicamente inadequado, escamotear o significado transformador da revolução e da instauração da democracia. Sendo produto, entre outros fatores, de impasses de desenvolvimento que Portugal não soube ultrapassar ou acabou por reconstruir, a emigração de hoje – académica e profissionalmente mais preparada do que a de outrora, menos compulsiva e mais temporária, direcionada a mais países e a um leque mais alargado de setores de atividade – é também prova das muitas mudanças a que Portugal pôde assistir nos últimos quarenta anos.

A compreensão desta maior complexidade da emigração portuguesa contemporânea não significa, todavia, definir como residuais ou irrelevantes algumas permanências caracterizadoras dos atuais movimentos de saída do nosso país. Este é o terceiro ponto a reter. Apesar da maior preparação académica e profissional que em média têm os emigrantes de hoje, são ainda os portugueses com menos capital escolar e inserções profissionais menos qualificadas e mais ameaçadas pelo desemprego que maioritariamente saem do país. Para a maioria dos leitores do JUP, esta constatação pode parecer estranha – os casos de emigrantes que conhecem correspondem provavelmente, na sua maioria, a pessoas que terminaram recentemente as suas licenciaturas e mestrados; e é a esses casos que os discursos político-mediáticos o mais das vezes se referem. Estudos recentes indiciam, contudo, que apenas 15 a 20% da emigração portuguesa atual corresponderá a este perfil. A larga maioria dos emigrantes tem qualificações abaixo do 12.º ano de escolaridade ou até abaixo do 9.º ano de escolaridade, dirigindo-se para atividades com menor exigência em matéria de qualificação académica, como as que dizem respeito à construção civil, ao turismo, hotelaria e restauração, ao comércio ou aos serviços pessoais e sociais. Por outro lado, há ainda um número não despiciendo de emigrantes que, tendo qualificação académica de nível superior, não encontra nos países de destino ocupação “à altura” dessa qualificação, experimentando trajetórias de relativa desqualificação profissional e social. Eis uma realidade de que pouco se fala e que valeria a pena conhecer de forma mais adequada.

Uma quarta ideia tem que ver com “liberdade” e “constrangimento” dos movimentos emigratórios típicos dos nossos dias. Neste ponto, as posições tendem a extremar-se: de um lado, os que celebram a “oportunidade” que a emigração constitui enquanto “escolha” de quem, num “mundo globalizado”, abraça com “confiança” o “desafio” da “mobilidade” e da “internacionalização”; do outro lado, os que peroram acerca das “novas malas de cartão”, do país que “empurra para fora” os seus jovens e do “exílio forçado” que a emigração constitui. A oposição traduz mundividências distintas e anima debates acalorados. Merecedora de especial escrutínio, a ela voltarei numa próxima oportunidade.

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