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Artigo de Opinião

DESENHO É SEM IDADE I

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Parafraseando Almada Negreiros e utilizando a premissa de que « Desenho é sem idade » como argumento estrutural da nossa análise, olhemos a série criada por Justin Richmond e Aaron Ehasz, The Dragon Prince.

À miscigenação de géneros (o fantástico é justaposto à aventura, à ação, à comédia e ao drama) acrescenta-se a «poética da pedagogia e do didatismo» tão comum à arte da animação. Este conceito que aqui formulamos evoca uma estrutura que permite que o texto filmográfico seja apreciado tanto por um público infanto-juvenil quanto por um mais adulto.

A «poética da pedagogia e do didatismo» nesta obra de arte resulta da tese principal que a narrativa deixa transparecer – a de que a moralidade em si é inexistente e a realidade é feita de sujeitos corruptíveis em potência. As personagens-síntese-e-símbolo do que se refere supra são, principalmente, as que têm conexões com a magia, ferramenta extraordinária e que proporciona o meditar sobre a relação que a humanidade mantém com as posições de poder. São elas: Viren, sua filha Claudia, Callum e o elfo enigmático, Aaravos.

Viren é um homem cuja sede de sapiência está intimamente relacionada com a aquisição de poder. Sua filha Claudia evidencia isso, uma vez que demonstra a vivência do pai através da sua própria conduta. A Callum é dada a escolher a prática de magia negra, mas a sua resposta negativa denota o respeito que este nutre pelos outros. A sua sede de conhecimento prático e o fascínio pela magia, embora conflituosos, conjugam-se em harmonia se o feiticeiro opta pelo altruísmo. O misterioso Aaravos está construído como sendo a síntese hiperbólica da corruptibilidade que o poder engendra.

A referência ao viver das personagens, ou melhor formulando, a falta de diálogo entre gerações é relevante, uma vez que The Dragon Prince também remete para os perigos do silêncio. Entre Callum e Harrow, seu pai adotivo, existe uma relação de distância que se torna impressiva no desenvolvimento das personagens. Formula-se nesta dinâmica aquele que penso ser o momento mais intenso a nível emocional de toda a série como projetada até agora, no episódio seis da segunda temporada: a instância em que Callum abre a carta que contém as últimas palavras que Harrow lhe remete (ver imagem de destaque). Enfatizo as seguintes: «Callum, I want to talk to you about life. And groing up. And how sometimes there are changes you don’t expect.»

Por fim, a carta evoca uma outra dimensão que é trabalhada brilhantemente pelo género da fantasia – a de aprendermos a viver com as diferenças daqueles que nos rodeiam. Fabricando-se um universo em que humanos, elfos e dragões coexistem, o espectador poderá achar paralelos com a sua própria existência e colocar em prática a maior lição de Harrow – a de que a História deve ser encarada não como uma narrativa de força, mas de amor.

Por todas estas razões recomenda-se o visionamento desta série que, encontrando-se ainda em construção, tem três temporadas e um futuro artístico promissor. À parte dos erros de animação presentes na primeira temporada, esta obra consiste numa boa oportunidade para um serão em família, juntando-se os miúdos com os graúdos.

Clara Maria Silva.