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Artigo de Opinião

Impression(ismo)

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O primeiro floco desvaire. Há algo tão particular nos sentimentos que a natureza consegue despertar dentro do peito de alguém. Como se nada fosse, a água que talvez há dias tenha congelado está agora a desmaiar sobre os corpos frenéticos sobre a sua presença. O chão, normalmente tristemente molhado pela chuva, está agora coberto por uma palidez que só o frio poderia trazer. As pontas dos nossos dedos, pelo contrário, veem-se coradas e, talvez por se verem tão perto dela, não se importam em tremer mais um pouco só pelo prazer em se fazerem deslizar pelo gélido e, no entanto, macio manto que cobre a calçada.

De onde estamos, conseguimos recordar a memória dos risos que dentro de minutos ficará gravada em nós. O som é como um eco e por segundos torna-se difícil distinguir o que será associado à expectativa ou ao momento. Uma melodia acaricia este instante e, sem gastar as palavras que iriam custar a verbalizar, um trautear obriga-nos a dançar — ou talvez seja o frio, aquele que no dia que desvaneceu foi repudiado. Uma lágrima, que ninguém ousaria deixar escapar perante o risco da mesma se congelar, é guardada para quando tudo não passar de um delírio da antemanhã.

Um silêncio desbotado cai tal como a alvura que varreu tão rapidamente o que quer que seja que estivesse sobre nós. Um suspiro parece levar todo e qualquer resto de energia reservada, e, mesmo que o ar aquecido da nossa casa não se pareça em nada com aquela memória esbranquiçada, num inspiro que se espreguiça na nostalgia, ainda conseguimos sentir o aroma daquela primeira neve macia.

Mas na chuva, aquelas lágrimas contagiantes do céu, parece difícil achar o mesmo conforto, quando são apenas a mesma água que poderia ter caído um pouco mais esbranquiçada. Uma agonia poderá molhar os rostos daqueles que se atreveram a sair debaixo dos seus tetos, banhados pela coragem de sair da segurança de um lar — mesmo que não seja tão perigoso quanto isso, um guarda-chuva virado pelo vento, uns sapatos chorados, um cabelo à espera de ser enxugado.

No entanto, se não fosse por essa chuva que molha quem mais dela tentar fugir, não se veria neve. Não haveria um manto branco sobre as ruas, nem aquele esverdeado que virá na primavera, aquele relvado por onde os mais românticos se deixam cair do cimo de uma colina onde o chilrear dos pássaros e os risos das pessoas pintam a cena. Se não fosse por esse chuveiro que tristemente inunda cidades enquanto noutras se implora por ele, o brilho amarelado que se estende até não poder mais durante as longas horas do ano não seria tão reluzente. Ou talvez fosse, mas, certamente, não resplandeceria como para nós é comum nos olhos de quem caminha ao seu calor, não pela sua luz, mas pela alegria de o sol ver após meses escondido.

Há algo tão poético sobre simplesmente admirar a natureza pelo que ela nos oferece. Ironicamente, não é sobre a natureza, mas sobre nós que existimos para a admirar.

Artigo da autoria de Joana Oliveira