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Opinião

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Vivemos num presente onde uma ténue linha separa a realidade do virtual. E não há mal nenhum nisso. Simplesmente conta a história de uma evolução tecnológica que, para o bem e para o mal, se sedimentou na ponta dos nossos dedos. Mas, ao empoderarmo-nos neste advento, há que reconhecer os problemas a enfrentar pelo abraço ao progresso tecnológico.

E é neste tabuleiro que jogamos a mais importante etapa das nossas vidas. A circulação, quiçá errante, da verdade. Não no sentido metafísico, mas na mais pura literalidade. Trocamos verdade por informação como se fossem câmbio para a mesma moeda. Porém, inflação não é puramente um fenómeno económico. Anos a fio que a verdade se desvalorizou massivamente. Não por deixarmos de acreditar nela, mas porque temos muito para onde escolher. E aquela ténue linha, não redoma o inverso da liberdade.

Porque a má informação está aqui.

Mas desenganem os laivos fatalistas. Isto não é novo. Existiu e continuará a existir. Apenas temos câmaras de ressonância maiores e mais competentes. Incitada pelo novo-sensacionalismo e os alpinistas da conspiração, estes agentes (nada secretos) usam a rápida disseminação de informação como a sua mais valiosa ferramenta. Eles exploram as vulnerabilidades do enviesamento de confirmação, que se encaixa perfeitamente com crenças pré-existentes, para se colocaram num patamar superior. Curioso é reconhecer que antes deles, eram os “peritos” e os “entendidos” que ocupavam esse lugar. Terão eles desaparecido?

Não. Nós é que desaparecemos.

Desaparecemos do combate pela credibilidade, quando a sociedade sempre olhou para os seus mais experientes para se aconselhar. Se outrora a idade era um posto, a democratização do conhecimento permite que os peritos nos sejam mais próximos que nunca. Confiámos anos na sua experiência e métodos rigorosos, e o resultado está à vista. Nunca evoluímos tanto como nestes últimos duzentos anos de humanidade. Precisamente quando a escola, a ciência e a sua confiança entraram na era moderna. E assim, vivemos para além dos ombros de gigantes.

E para quê?

Para que essa mesma evolução que nos conectou, ter produzido um evento massivo de desconexão da realidade. Com tanta liberdade, deixámos de cuidar do significado de autoridade. Fazem-nos sentir que são conceitos antagónicos, mas em nada significa aceitar que mais nos ordenem. É reconhecer o processo de representação da realidade, que apenas a ciência nos providencia. “Ver” não é o mesmo que “compreender”. E nem a democratização da informação, muito menos a liberdade de expressão, lhe podem retirar importância, apesar do seu tremendo sucesso a fazê-lo.

Mas podemos evitá-lo.

Falta cumprir-se um novo império da comunicação. A dolorosa evidência deve cobrir-se da nova empatia que conecta a informação ao leitor. Não basta apresentar factos, mas também aproximá-los da audiência. Informação não pode ser conteúdo sem o respeito pelas preocupações do público. Factos, portanto, nada mais são que uma aprendizagem em conjunto. Erguida na experiência dos peritos, mas assente na transparência e prestação de contas. E também na humildade. Não apenas de quem ouve, mas principalmente de quem fala. A humanização do erro científico, que tanta falta faz no discurso contemporâneo, ensinar-nos-ia que a compreensão da realidade demora tempo, muitas questões e, acima de tudo, muitos erros.

São estes os valores necessários para reconectar o elo humano à interface digital: um esforço coletivo que apenas terá sucesso no compromisso pela verdade. De que o mundo não se vê, mas compreende-se. Porque se talvez a confiança no outro esteja perdida para sempre, a nossa curiosidade não tem limites…

Artigo da autoria de José Caetano