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Política

Instabilidade política no Lesoto: O turbilhão Thabane

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Primeiro-Ministro do Lesoto, Tom Thabane. Fonte: /www.gov.ls

Primeiro-Ministro do Lesoto, Tom Thabane. Fonte: /www.gov.ls

Os antecedentes

Thom Thabane, atual Primeiro-Ministro do Lesoto, havia ocupado o mesmo cargo anteriormente, num mandato que se estendeu desde 2012 a 2015.

Em 2014, após declarar que havia sido organizada uma coup d’état para o retirar do poder, Thabane exilou-se na África do Sul. Segundo o PM, a retirada serviria de escapatória a um plano homicida organizado pelas forças armadas.

Acabou por regressar ao país no dia 4 de setembro de 2014, menos de uma semana depois de o abandonar, sob proteção da polícia sul africana. De regresso à Pátria, Thabane regularizou a ocupação das suas funções.

Em 2015, organizadas novas eleições, o All Basotho Convention (ABC), partido de Thabane, não alcançou uma maioria que permitisse formar Governo. A posterior tentativa de formar uma coligação viu-se também infrutífera.

Assim, em fevereiro, Pakalitha Mosisili, líder do partido da oposição, regressou para ocupar o cargo de PM. Todavia, uma série de acontecimentos levaram a que lhe fosse retirada confiança política, ao que sucederam eleições antecipadas.

Em 2017 foram convocadas as eleições, que culminaram, a 16 de junho, com a ocupação do cargo por Thabane, cujo mandato se prolonga até à atualidade.

A morte de Lipolelo Thabane

Em 1987, Thabane casou com a sua 2.ª mulher, Lipolelo Thabane. Mais tarde, em 2012, os caminhos de ambos acabaram por se separar.

Os anos que se seguiram à separação do casal foram marcados por longas e duras batalhas em tribunal. Desde a sua separação que Tom tentou que retirassem os benefícios de Primeira-Dama concedidos a Lipolelo, pretensão contra a qual ela lutou continuamente.

Da mesma forma, combateu o pedido de divórcio instaurado por Thomas, que se encontrava já unido de facto com a atual Primeira-Dama, Maesaiah Thabane.

Em 2015, um tribunal acabou por reconhecer Lipolelo como a legítima Primeira-Dama do Lesoto. A decisão judicial contrariou diretamente as ordens dadas por Thabane aos seus oficiais, que deveriam agir no sentido de retirar os benefícios esponsais e concedê-los, em vez, a Maesaiah.

Com a batalha do divórcio ainda acesa em tribunal, no dia 14 de junho de 2017, Lipolelo foi brutalmente assassinada quando voltava para casa. O ataque foi perpetrado por um agressor desconhecido, dias antes de Thomas inaugurar o seu novo mandato.

 

Lipolelo foi assassinada quando tinha apenas 58 anos, 2 dias antes de Thomas assumir o cargo de PM. Foto: Lesotho Times

Lipolelo foi assassinada quando tinha apenas 58 anos, 2 dias antes de Thomas assumir o cargo de PM. Foto: Lesotho Times

Os suspeitos

Após a separação de Thabane, Maesaiah começou a sua vida em comum com ele, assumindo as funções de Primeira-Dama. Em 2017, acabaram por casar,  dois meses após a morte de Lipolelo.

No dia 10 de janeiro de 2020, Maesaiah tornou-se fugitiva da justiça, procurada pela sua conexão com o homicídio de Lipolelo. Permaneceu na África do Sul para evitar a sua prisão.

Em fevereiro regressou ao país, entregando-se às autoridades. A polícia crê que a Primeira-Dama não terá estado pessoalmente na cena do crime, mas que terá contratado assassinos para perpetrar o homicídio.

As suspeitas de envolvimento levantaram-se também relativamente a Thomas Thabane, uma vez que, no local, foi registada uma chamada feita do seu telemóvel. Em fevereiro, Thomas apresentou-se em tribunal, onde o seu advogado arguiu a imunidade política.

Renúncia de mandato

Perante as acusações, o partido de Thabane exerceu pressão para que este renunciasse ao mandato.

Apesar da evidência da conexão dos eventos, o PM, ainda assim, legitimou uma súbita reforma na sua idade, ignorando os factos que lhe eram imputados. A renúncia produzirá efeitos a partir de Julho deste ano.

Insatisfeito, o All Basotho Convention insistiu para que se afastasse mais cedo, de forma a evitar mais instabilidade política no país.

A retaliação do PM

Os acontecimentos que se seguiram denotam a rivalidade que brotou entre Thomas e o ABC. Desde fevereiro de 2020 que as jogadas políticas do PM visam silenciar a Assembleia Nacional e o próprio partido.

Contudo, as tentativas não foram bem sucedidas. As suas ordens de suspensão da atividade da Assembleia Nacional e de dissolução do Parlamento foram acabaram por ser barradas pelo Tribunal Constitucional.

Em momento ulterior, mobilizou uma ordem de suspensão do chefe da polícia encarregado de investigar o seu envolvimento no homicídio. A ordem foi declarada nula pelo Lesotho High Court.

Mais recentemente, em abril, mobilizou o exército para “restaurar a paz e a ordem”. Em declarações dirigidas à Nação, Thomas expressou que havia pessoas e instituições a minar a rule of law, o seu Governo e a democracia do país. A conduta de Thabane deu-se um dia após o Tribunal Constitucional declarar que a decisão de suspender o Parlamento havia sido irracional.

Chefes da polícia admitem que esta se tratou de uma estratégia de intimidação para entravar a investigação que se encontra a decorrer.

As decisões abruptas do PM agitaram a vida política do pequeno reino e da sua vizinha, África do Sul, que movimentou uma delegação de ministros de forma a tranquilizar tensões no país.

O PM mobilizou as tropas para as ruas da capital. Foto: Molise Molise/AFP-GettyImages

O PM mobilizou as tropas para as ruas da capital. Foto: Molise Molise/AFP-GettyImages

Pressão crescente

O Senado do Lesoto aprovou uma emenda constitucional para limitar o poder de dissolução do Parlamento: segundo esta, proíbe-se que o atual e futuros Primeiros-Ministros aconselhem o Rei a dissolver o Parlamento, salvo havendo aprovação da maioria dos legisladores.

Encurralando Thabane, pretendeu-se igualmente reforçar o papel do Parlamento na decisão da sua própria dissolução. Ao mesmo tempo, foi fixado um mecanismo de nomeação para o cargo de Primeiro-Ministro em caso de falecimento ou reforma inesperada.

Vê-se a clareza com que o Parlamento vai empurrando Thomas para um beco sem saída, exercendo cada vez mais pressão para que abandone o cargo e abandone a vida política do país.

Anteriormente, o Governo de coligação e mediadores sul-africanos haviam proposto uma “reforma dignificada” para o PM, que recusou.

Sem data fixada para abandonar o cargo, o ABC e aliados da coligação apresentaram uma moção na Assembleia Nacional para que se formasse novo governo. Pretendendo acelerar a saída de Thabane, o plano viu-se desfeito: no dia 8 de maio, o Presidente da Assembleia recusou a moção.

Lucky chance

Alguma esperança surge no horizonte. No dia 11 de maio, o representante da Assembleia Nacional, Sephiri Motanyane, aceitou o acordo negociado entre o Primeiro-Ministro, o seu partido e o partido da oposição, Democratic Congress para que nasça uma nova coligação.

Declarou, ainda, que o Governo se encontra em fase de transição, e apelou à procura de um nomeado que pudesse suceder ao atual PM.

Thabane tornou-se, então, oficialmente caretaker prime minister, e espera-se que o venha a substituir o atual Ministro das Finanças, Moeketsi Majoro, apontado para ocupar o lugar. Um representante de Thomas confirmou que este se retirará até dia 22 de maio.

Desenvolvimentos recentes mostram, contudo, que este acordo poderá ter um fim agridoce: Thabane, aparentemente, recusa-se a abandonar o seu cargo. O acordo por este assinado, serviria apenas como alavanca para a criação de uma nova coligação e a sua cooperação seria a “moeda de troca” para que este pudesse dirigir essa mesma coligação.

Alguns peritos em Direito Constitucional alegam, ainda assim, que se poderá retirar o PM do cargo mesmo sem a concordância deste. As opiniões divergem quanto a este entendimento.

Artigo da autoria de Inês Viana. Revisto por Miguel Marques Ribeiro.