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Quid JUP: Relações Parafamiliares

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Relações Familiares

O art. 1576º do Código Civil faz referência às “fontes das relações jurídicas familiares.” No entanto, embora mencionando como relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção, não se pode considerar que o parentesco e a afinidade sejam as fontes, mas antes as próprias relações familiares. A fonte da relação de parentesco será o fenómeno biológico da procriação e a fonte da relação de afinidade será o casamento.

A primeira relação familiar é a relação matrimonial, que liga os cônjuges um ao outro. O casamento pode ser entendido como negócio jurídico ou como estado. Enquanto negócio jurídico, ou mais precisamente enquanto contrato, pode-se dizer que se trata de um contrato bilateral, que gera obrigações para ambos os cônjuges.

Os deveres conjugais constam do art. 1672º, falando-se então nos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. Debate-se, hoje em dia, se estes deveres resultantes do contrato de casamento serão jurídicos, existindo uma divergência de opiniões a nível doutrinal.

Já se nos referirmos ao casamento enquanto estado, pode-se dizer que este é duradouro e tendencialmente inalterável, com efeitos pessoais e patrimoniais. Assim que alguém casa, passa a ter um estado civil diferente.

Outra relação jurídica familiar é a relação de parentesco, que, em regra, é proveniente da procriação natural. O parentesco é uma relação de consanguinidade, sendo parentes aqueles que descendem uns dos outros ou aqueles que descendem de um progenitor em comum. Fala-se aqui nas relações entre pais e filhos (relações de filiação), entre avós e netos, ou entre primos, por exemplo. O parentesco pode ser em linha reta (ascendente ou descendente) ou colateral, e ainda se define em função dos graus, atendendo-se aos artigos 1580º e 1581º do Código Civil.

A afinidade, que deriva do casamento, é definida na lei como “o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro.” E vice-versa. A afinidade define-se consoante o parentesco que lhe serve de base. A linha e o grau de afinidade são os mesmos que os do parentesco. Cabe dizer que a afinidade, radicando no casamento, só nasce a partir da celebração do mesmo (por exemplo, um parente de um dos cônjuges que faleceu antes da celebração do casamento não é afim do outro cônjuge). A afinidade não cessa com a dissolução do casamento por morte de um dos cônjuges. Mesmo tendo um deles falecido, o outro continua a ser afim dos seus parentes. Já se ocorre a dissolução do casamento por divórcio, as relações de afinidade cessam.

Pode-se dizer que os efeitos da afinidade são muito menos extensos e intensos que os do parentesco.

Quanto à última relação jurídica familiar, reconhecida pelo artigo 1576º do Código Civil, a adoção, pode-se dizer que esta corresponde a um instituto muito antigo em Portugal, e que veio a sofrer bastantes modificações com o passar do tempo. Encontra-se regulada não só pelo Código Civil, mas também pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro.

A adoção imita a relação de filiação (relação entre pais e filhos e vice-versa), que é uma relação de parentesco. Pode-se, na verdade, pensar na adoção como um parentesco legal, ao invés de natural.

Se, nos seus primórdios, a adoção servia, em primeira linha, os interesses daquele qua adotava (o adotante), pode-se dizer que este se transformou, principalmente durante o séc. XX, num instituto que passou a servir os interesses do adotado. A mudança do paradigma foi impulsionada por uma transformação progressiva da conceção de criança, que passou a ser encarada como um centro autónomo de interesses que merece proteção. Na verdade, de acordo com o art. 1974º do Código Civil, “a adoção visa realizar o superior interesse da criança.”

O ato jurídico da adoção tem uma natureza complexa, sendo criada através da decisão de um Tribunal, após um longo processo de natureza administrativa e judicial. No entanto, importa ressalvar que tem havido uma atenuação dos requisitos exigidos para a adoção, tendo-se vindo a alargar o elenco de sujeitos que podem adotar, cabendo também dizer que se tem verificado uma aceleração no processo de adoção.

Relações Parafamiliares

Como já se disse, para além das relações referidas pelo art. 1576º do Código Civil, há um conjunto de relações que se conexionam com a família e que não deixam de ser consideradas pela lei nem por esta deixam de ser reguladas. Pode-se falar nas figuras da união de facto, da economia comum, do apadrinhamento civil, da promessa de casamento, da tutela e das relações entre ex-cônjuges.

Referindo-nos às principais relações parafamiliares no ordenamento jurídico português, cabe fazer alusão, em primeiro lugar, à união de facto.

A união de facto carateriza-se pela sua semelhança com a relação matrimonial. Existe uma comunhão de vida entre os unidos de facto (comunhão de leito, mesa e habitação), e sem essa vivência em comum não se pode dizer que haja verdadeiramente uma união de facto. Esta relação não se confunde com o namoro, não bastando haver uma relação afetiva com componente sexual.

Esta relação parafamiliar corresponde a uma situação de facto, mas com relevância jurídica. Os unidos de facto devem residir no mesmo espaço (comunhão de habitação), devem partilhar recursos, entreajudando-se a nível económico e afetivo (comunhão de mesa) e devem ter um relacionamento com componente sexual (comunhão de leito).

Para além destas condições, para existir efetivamente união de facto, deve a comunhão de vida durar há mais de 2 anos, considerando o nº2 do art. 1º da Lei da União de Facto (Lei n.º7/2001, de 11 de maio). Esta duração mínima exige-se tendo em conta a necessária estabilidade da relação.

Até 2001, existia uma terceira condição para a existência da união de facto, que era a heterossexualidade, tendo o casal de ser composto por pessoas de sexo diferente.

Uma alteração legislativa em 2001 veio reconhecer a possibilidade de os unidos de facto serem do mesmo sexo. A discriminação baseada na orientação sexual foi totalmente eliminada pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro, que veio permitir que os casados ou unidos de facto do mesmo sexo pudessem proceder à adoção conjunta.

Para se ter uma união de facto juridicamente eficaz ainda é necessário que não se verifique nenhum dos impedimentos do art. 2º da Lei da União de Facto. Só se reconhecem efeitos à união de facto quando as pessoas tenham, pelo menos, 18 anos. No entanto, se um casal viver em comunhão de vida desde os 16 anos, assim que atinja a maioridade, adquirirá a união de facto eficácia, por se terem passado dois anos.

Outros impedimentos constam do dito art. 2º, referentes a situações de demência notória, casamento não dissolvido, parentesco ou condenação por crime de homicídio doloso contra a pessoa do cônjuge do outro elemento do casal.

A união de facto produz efeitos a nível pessoal (por exemplo, a aquisição de nacionalidade portuguesa por vivência em união de facto durante um mínimo de 3 anos) e também a nível patrimonial (apesar de não se poder fixar um regime de bens como no casamento, aplicando-se as regras gerais de Direito das Obrigações e de Direitos Reais quanto ao seu património).

O apadrinhamento civil, por sua vez, é um instituto que procura dar resposta aos jovens institucionalizados e que, por algum motivo, não são encaminhados para a adoção. Segundo o art. 2º do Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil (Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro), “o apadrinhamento civil é uma relação jurídica, tendencialmente de caráter permanente, entre uma criança ou jovem e uma pessoa singular ou uma família que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e que com ele estabeleçam vínculos afetivos que permitam o seu bem-estar e desenvolvimento, constituída por homologação ou decisão judicial e sujeita a registo civil.”

O que se pretende com o apadrinhamento civil é o bem-estar e o desenvolvimento da criança ou jovem através da criação de vínculos afetivos. Existe uma articulação entre a estrutura familiar nova e a família biológica, sendo que não se constitui uma relação de filiação nova com o apadrinhamento civil (como na adoção), conservando os pais biológicos um conjunto de direitos muito relevantes. Pode, no entanto, proceder-se a uma limitação destes direitos, se estiver em causa a saúde ou a segurança da criança.

Os titulares das responsabilidades parentais continuam a ser os pais, mas o exercício destas responsabilidades caberá ao(s) padrinho(s), que exercem os direitos e deveres parentais pelo mesmo período que os pais exerceriam.

A relação de apadrinhamento civil constitui-se por decisão do Tribunal, nos termos do nº1 do art. 13º do respetivo Regime. Pode também constituir-se mediante compromisso de apadrinhamento civil, que deve ser homologado pelo Tribunal (art. 13º nº1 al.b).

O apadrinhamento só é decretado se trouxer reais vantagens para o afilhado (art. 5º nº1 do Regime) e se se puder constatar que é provável a criação de laços afetivos que garantam o bem-estar e o desenvolvimento da criança ou jovem.

Podem apadrinhar os maiores de 25 anos, previamente habilitados para o efeito, ou ainda pessoa idónea ou família de acolhimento a que a criança ou jovem tenha sido confiado no âmbito de um processo de promoção e proteção, ou ainda o seu tutor. Pode ser apadrinhado qualquer criança ou jovem com menos de 18 anos, que se encontre numa das situações previstas no art. 5º nº1 do Regime.

A próxima relação parafamiliar à qual cabe fazer alusão é a relação de economia comum, também muito presente na nossa sociedade.

Quanto a esta figura, deve ter-se em conta a Lei n.º6/2001, de 11 de maio. O nº1 do art. 2º desta lei confere uma noção de economia comum, sendo que esta se define como “a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos.” Desta forma, assemelha-se muito à união de facto, mas descartando-se a exigência de existir uma comunhão de leito, na medida em que não tem de estar em causa uma relação com componente sexual.

As pessoas que vivem em economia comum partilham o mesmo espaço físico (comunhão de habitação), repartindo entre si despesas ligadas à alimentação e habitação (comunhão de mesa).

Não se exige, assim, a comunhão de leito, mas cabe ressalvar que nada impede que quem viva em união de facto invoque a proteção da economia comum, pois pode existir a pretensão de não ser revelada a componente sexual da relação entre os sujeitos (art. 3º nº1 da referida Lei).

Para a economia comum produzir efeitos, não se pode verificar nenhum dos impedimentos constantes do art. 3º da Lei, como a existência de um vínculo contratual entre os sujeitos (nomeadamente de sublocação ou hospedagem) ou a obrigação de convivência por prestação de atividade laboral.

As pessoas que vivam em situação de economia comum beneficiam de alguns direitos, como a proteção da casa de morada comum, a aplicação do regime jurídico de férias, faltas e licenças equiparado ao dos cônjuges e a aplicação do regime do imposto de rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens. Estes e outros direitos constam do art. 4º da Lei.

No caso de rutura desta relação, não está prevista qualquer proteção jurídica para a casa de morada comum. No entanto, em caso de morte, prevê-se proteção, que se processa em termos diferentes consoante a casa seja propriedade de um ou de ambos os sujeitos ou seja arrendada. Quanto a esta questão, devem consultar-se os artigos 5º e 6º do Regime de Proteção das Pessoas que vivem em Economia Comum.

Artigo da autoria de Laura Teixeira. Revisto por José Milheiro e Marco Matos.

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