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O problema da morosidade dos Tribunais portugueses

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Antes de mais, devemos acentuar a existência de dois tipos de tempo: o da justiça (ou do direito produto da combinação entre o tempo organizacional dos tribunais e o tempo do processo, delimitado pelos prazos legalmente previstos) e o tempo biográfico ou das partes, fruto da fusão entre o modo de vida dos indivíduos e expectativas e do seu interesse estratégico em estender ou reduzir a duração necessária à resolução do litígio.

Ora, se o próprio conceito de tempo é complexo, então a expressão morosidade acaba por se traduzir, no âmbito do Direito, num “conceito jurídico indeterminado e abstrato”. Este atraso tem contribuído para a deslegitimação social da máquina judicial portuguesa, a qual é encarada mais como um obstáculo do que um apoio na defesa de direitos.

Assim, a morosidade judicial pode ainda originar, no pior dos cenários, situações de carência de proteção, que justificam a ideia de que a credibilidade das sentenças está, intimamente, relacionada com a sua tempestividade. Aliás, segundo uma velha máxima, justice delayed is justice denied, isto é, mesmo sendo legalmente possível a realização da justiça, se não for efetivada em tempo útil, acaba por se traduzir na ausência de Direito.

Com efeito, e nos termos do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), cada Estado tem a obrigação de “consagrar mecanismos de aceleração processual nos seus ordenamentos jurídicos, que previnam a ocorrência de atrasos significativos”. Existe, desta forma, uma obrigação de resultado, ou seja, surge uma necessidade de responsabilização dos Estados por qualquer atitude de non facere.

Estado português condenado por atrasos na justiça

O Estado português já foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) a uma multa de 6.400 euros por danos morais e mais 1.000 euros de custas por atrasos na justiça, entre outros casos de condenação do mesmo género. Neste caso em concreto, o processo teve a duração de dez anos e 28 dias (2004-2014). 

No entanto, a causa da lentidão processual desencadeante da morosidade da justiça pode não ser a forma pela qual o Estado tem o seu sistema judiciário organizado, mas sim a própria conduta das partes, na qual podem ser utilizadas técnicas para prolongar o processo para lá do período de resolução normal.   

Posicionamento português na conjuntura europeia

No relatório da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ) do Conselho da Europa, com dados de 2018, Portugal tem vindo a progredir na avaliação do estado da Justiça, quando comparado aos restantes 40 países analisados. Ao nível da informatização do sistema judicial e respetivas normas regulatórias, por exemplo, Portugal encontra-se muito bem classificado. 

Para além disso, Portugal é o país da Europa do Sul a apresentar uma taxa de eficiência acima dos 95%, tendo um número de casos judiciais resolvidos superior aos iniciados. Por conseguinte, importa, então, referir quais os indicadores sobre a eficiência dos processos nas áreas de direito civil, comercial e administrativo. Um deles é a duração estimada dos processos (tempo de resolução), depois atende-se à taxa de resolução e, por fim, ao número de processos pendentes.

Quanto ao tempo de duração dos processos cíveis e comerciais, em 2018, era de 229 dias, metade da duração verificada em 2010, o que demonstra uma considerável diminuição da morosidade.

Nos termos da Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, enquadrada no Painel de Avaliação da Justiça na União Europeia de 2021, verificou-se uma descida brusca de, aproximadamente, 380 dias para 260, no período necessário para solucionar os processos contenciosos civis de primeira instância, entre 2012 e 2017.

O tempo para a resolução dos respetivos processos foi diminuindo até 2019, sendo que, neste último ano, rondava os 200 dias. A Eslovénia foi o país, que no mesmo ano, apresentava mais demoras. 

A duração média dos processos corresponde, nesta última análise, ao tempo que medeia entre a data da entrada do processo e a data da decisão final (acórdão, sentença ou despacho) na instância respetiva, independentemente do trânsito em julgado. As ações cíveis, por sua vez, incluem todos os processos cíveis exceto as ações executivas, os processos de falência, de insolvência e de recuperação de empresas, os processos especiais de revitalização e os processos especiais para acordo de pagamento.

Segundo informação constante da Comunicação, enquadrada no Painel de Avaliação da Justiça na UE de 2021, já referida anteriormente, o tempo estimado necessário para resolver os processos administrativos em primeira instância em Portugal, no ano de 2019,  rondava os 1000 dias. 

A maioria dos sistemas judiciais analisados pela CEPEJ apresentava, em 2018,  10 a 20 juízes por 100 mil habitantes. Portugal tinha, aproximadamente, 19,3 juízes por 100 mil habitantes (de 1ª e 2ª instâncias e do Supremo Tribunal de Justiça, excetuando do Tribunal Constitucional), superior à mediana global e inferior à média europeia que era igual a 21. Contabilizaram-se, ainda, 315 advogados por 100 mil habitantes, valor superior à média europeia de 120,4.

De notar que um significativo número das ações judiciais em Portugal são ações de menor valor monetário, correspondendo, em termos de percentagem do PIB, a 76,5%. Pela análise do relatório, conclui-se que os tribunais são responsáveis pela maioria dos gastos do orçamento para a Justiça, em todos os países apresentados. É assinalável também a existência de uma conexão entre a riqueza de um país e a despesa pública no campo judicial.

No caso português, o orçamento afeto à Justiça representa 19.614 euros do PIB por habitante, inserindo-se no mesmo patamar (13.000 a 26.000) que a Grécia e a Espanha, por exemplo. A Suíça é o país que mais investe na área (73.697 euros), enquanto que a Arménia ocupa o último lugar (3.544 euros).

Povo português e a visão distorcida da Justiça 

A ministra da Justiça, em entrevista à Antena 1, afirmou que a situação pandémica não provocou um agravamento na lentidão processual. Francisca Van Dunem acentuou, também, a perceção errada que o povo português tem em relação ao tempo de resposta efetiva dos Tribunais no país. A ministra considera o tempo de resposta aceitável quando comparado a outros países europeus.

Já os processos com grande mediatização acabam por consubstanciar uma ressalva, sendo a duração justificada pela complexidade dos factos em investigação. Segundo Francisca Van Dunem, os cidadãos portugueses apresentam, com isto, uma imagem distorcida e restrita da justiça portuguesa, limitada aos grandes casos mediáticos, pela omissão de informação regular e integral nos meios comuns de comunicação da atividade judiciária.

O direito a uma decisão em prazo razoável

Abrangendo a totalidade do processo, incluindo as instâncias de recurso, este direito traduz-se num princípio constitucional, regulado nos números 2 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o qual compreende a proteção jurídica a todos os cidadãos e acesso aos tribunais em tempo útil, incluindo o apoio e patrocínio judiciário e o direito a um processo equitativo.

“A complexidade do caso, a conduta das partes, a atuação das autoridades competentes no processo e o que está em causa para o Autor no litígio” correspondem a critérios doutrinais que têm auxiliado o Tribunal de Estrasburgo a examinar a razoabilidade ou não do atraso.

A violação do direito a uma decisão num prazo razoável leva então à condenação de um Estado por infração do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tendo os Tribunais italianos ocupado a posição de destaque neste âmbito pelas piores razões.

Possíveis soluções 

Apesar da ânsia de se ver um processo judicial no seu término, é imprescindível que os sujeitos tenham tempo para expor a situação conflitual, produzir as suas provas. Além disso, é necessário tempo para o desenvolvimento da investigação e para que o juiz profira uma decisão ponderada e rigorosa.

Assim, é na mesma possível, nos dias que correm, optar-se por um caminho mais breve de resposta ao problema jurídico em questão, recorrendo, por exemplo, a um meio de resolução alternativa de litígios, como a Arbitragem, serviços de Mediação ou Julgados de Paz. No entanto, apesar de mais céleres, estas opções não protegem completamente os direitos dos cidadãos

Por fim, salienta-se que, nas últimas décadas, o Estado português tem desenvolvido esforços significativos para minimizar a espera por uma decisão, a qual pode, no limite, atentar contra a própria dignidade da pessoa humana, por preterição da implementação das medidas jurídicas certas no período temporal adequado. De entre esses esforços, sobressaem a criação do programa de software “Citius” e o investimento em meios de resolução alternativa de litígios.

Artigo da autoria de Olívia Almeida. Revisto por Filipe Pereira e Inês Pinto Pereira.

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