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Sociedade

Ações do presente a pensar no futuro: Ativismo Digital

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Ilustração: Rachel Merlino

A Greve Climática Estudantil, assim como outros movimentos por Justiça Climática, tem vindo a tomar um papel cada vez mais importante na consciencialização da população para o aquecimento global. Contudo, também estes foram afetados pela pandemia: as greves e manifestações passaram forçosamente para o meio digital, alterando toda a dinâmica do ativismo. Para compreender melhor o novo movimento, três jovens ativistas que participam na Greve Climática Estudantil falam-nos sobre esta adaptação e quais os seus desafios.

O movimento Fridays for Future, Greve Climática Estudantil (GCE), como é chamado em Portugal, teve início pelas mãos de Greta Thunberg em 2018 e tem-se alastrado por toda a Europa, mobilizando cerca de 14 milhões de jovens (Fonte: Site Oficial Fridays for Future). Também em Portugal, muitos jovens se sentiram inspirados pelos ideais e motivações de Greta e decidiram enveredar pelo ativismo como forma de luta por um futuro sustentável, dando origem ao movimento Greve Climática Estudantil a nível nacional.

No movimento GCE, as principais ações antes da pandemia eram as Greves Estudantis. As ações digitais tinham menor prioridade, “íamos fazendo campanhas no digital, mas não era o nosso foco”, comenta Joana Coimbra, estudante de Educação Social na Escola Superior de Educação do Porto e membro do núcleo da GCE Porto.

Confrontados com um cenário de pandemia, foram forçados a adaptar os métodos para continuarem a fazer ouvir a sua voz. João Silveira, estudante do 12º ano de ciências e também membro da GCE Porto,  relata que a primeira greve que ajudou a preparar não se realizou, “mas isso não me impediu de continuar a participar. A GCE tem tentado fazer muitas atividades online, tentamos estar o mais presentes possível, informar o melhor que conseguimos”. 

Os métodos de manifestação passaram a ser campanhas, debates, lives e webinars, tendo sido também realizado um shoe strike. Esta manifestação, que decorreu a 25 de setembro de 2020 e foi resultado de uma sinergia da GCE com o movimento Parents for Future, baseou-se na colocação de sapatos no lugar onde normalmente os ativistas se manifestariam fisicamente. 


Também em Lisboa o ativismo climático sofreu com a pandemia. “Ficou abafado tanto na comunicação social como nas ruas. A comunicação social está cheia de notícias de COVID e não temos tanta capacidade de mobilizar as pessoas porque elas têm receio de sair às ruas”, conta Mariana Gomes, estudante de Direito na Universidade de Lisboa e membro dos movimentos GCE Lisboa e Climáximo,  acerca das dificuldades. 

No passado ano de 2020, as ações de ativismo entre março e maio foram inteiramente digitais, sendo retomadas as manifestações presenciais em junho. Contudo, a ativista revela que “está a ser muito difícil conseguirmos passar a narrativa de que a nossa casa continua a arder. As pessoas esqueceram-se que a nossa casa está a arder porque há um COVID-19, mas nós estamos a tentar explicar às pessoas que, não só não há uma vacina para a crise climática, como, a cada dia que passa, estamos a caminhar para a sexta extinção em massa e vamos chegar a um ponto onde não vamos poder fazer nada em relação a isso. Portanto, sim, o COVID é importante, mas o COVID é só uma das crises que está a acontecer”

Na retoma das atividades e manifestações presenciais, os ativistas garantem que tudo é feito de forma segura, com álcool gel, máscaras e distanciamento social. No entanto, alguns núcleos optam ainda por participar de forma unicamente digital. 

“Temos tentado constantemente inovar, ver o que realmente podemos fazer para chegar às massas, mas [as iniciativas online] não têm tido tanta adesão quanto nós gostaríamos, têm algumas barreiras”, revela Joana. “Por outro lado, é bom porque conseguimos chegar a pessoas mais tímidas. Tem vindo muita gente nova, enquanto outras pessoas vão saindo porque não gostam destas ações digitais. No nosso movimento é importante a parte de conhecer outra pessoa, de nos sentirmos identificados e no digital torna-se complicado”, acrescenta.

Para o núcleo do Porto, mesmo no cenário pandémico atual, uma das principais maneiras de chegar aos jovens continua a ser a realização de palestras nas escolas e universidades. João Silveira revela que estas palestras já se realizavam antes da pandemia, tendo sido assim que descobriu o movimento, “mas agora tornou-se bastante importante porque é uma das formas de estarmos presentes com pessoas que não estão tão sensibilizadas. Tentamos sair das nossas pequenas bolhas e tentamos chegar a mais pessoas através de outras instituições e de parcerias com associações de estudantes e associações juvenis”.     

Todavia, o trabalho dos movimentos por justiça climática não se baseia apenas em manifestações e palestras. Por detrás do pano há preparação e estudo, numa dimensão cada vez mais política. “No sistema em que vivemos, no sistema capitalista, a parte do capitalismo verde faz-nos sentir culpados e responsáveis pelas alterações climáticas. Mas os culpados não somos nós e nem todos podemos mudar o nosso estilo de vida. Não podemos pedir isso às pessoas. Essa mudança tem de partir de cima, de quem tem responsabilidade, do governo, da união europeia, de quem faz leis. Enquanto movimentos sociais, nós procuramos a mudança e fazemos reivindicações.”, conta Joana Coimbra. 

Na GCE, estão em curso campanhas como “Empregos para o Clima” e “Acordo UE-Mercosul”, as quais já resultaram em reuniões com representantes da maioria dos partidos políticos com assento parlamentar para discutir soluções.

 Quando questionado sobre a credibilidade que lhes é dada perante gerações mais velhas, João confessa que “um dos nossos medos é que as pessoas mais velhas não nos levem a sério, o que é bastante injusto sendo que nós fazemos muita pesquisa. Já nos disseram que só apresentamos o problema e não apresentamos soluções mas, nos nossos manifestos há sempre uma secção do que exigimos e do que é preciso fazer.”. 

Sobre este assunto, Joana acrescenta que “tem a ver muito com a parte cultural e com a sociedade portuguesa. Infelizmente, somos uma sociedade que não acredita nos jovens e que não lhes dá oportunidades. Desde a geração à rasca que a luta estudantil praticamente não tem ouvidos. Existe realmente essa tendência a descredibilizar os jovens.” 

Por outro lado, Joana considera que a GCE e todo o movimento Fridays for Future, nomeadamente na pessoa de Greta Thunberg, trouxeram mediatismo e obrigação dos decisores políticos se reunirem com movimentos jovens, resultando na criação de diversos movimentos estudantis. ” Portugal sentiu-se obrigado a ouvir-nos”, conta Joana Coimbra.

No que diz respeito ao ativismo climático, Mariana Gomes acredita não haver outra opção. “Quando a nossa casa está a arder, o que nós fazemos imediatamente é pegar no extintor e apagar o fogo. Não pensamos se vai custar muito dinheiro. Neste momento o que os líderes políticos estão a fazer é ligar o gás do fogão no máximo e atear mais fogo”. 

Por esta razão, acrescenta que para uma mudança no sistema, é necessária uma força coletiva. “Se nós percebemos que a base do sistema está podre, temos de reivindicar que as pessoas que mais contribuíram para as alterações climáticas paguem por esta crise, e a única maneira de o fazer é de forma coletiva.”

Mais ainda, é preciso ter também em mente a dimensão social das alterações climáticas, nomeadamente a distinção Norte-Sul global na forma como cada uma das regiões é afetada por esta crise. Numa perspetiva histórica, o Sul global sempre foi mais afetado pelas alterações climáticas, tendo sido, desde sempre e até hoje, colonizado em nome do dióxido de carbono e da exploração de combustíveis fósseis. No entanto, estes países continuam a ser os que menos culpa têm nas emissões de dióxido de carbono.

Mariana Gomes conta: “tenho colegas ativistas nas Filipinas que dizem que ser ativista, lutar contra as alterações climáticas não é só um ato de sobrevivência para o futuro como agora, porque muitas delas acordam com o quarto inundado quase todos os dias”.

Tendo em conta todos estes parâmetros, os movimentos por justiça climática afirmam-se também como movimentos sociais, ecofeministas e antirracistas. “Um dos nossos grandes objetivos é não deixar ninguém para trás”, revela João Silveira.

   Assim, confrontados com uma pandemia que pôs a luta climática em segundo plano, os movimentos por justiça climática continuam a lutar e a adaptar-se, na procura de responsabilização e mudança como iniciativas dos órgãos superiores e instituições. No caminho, esforçam-se por não deixar ninguém para trás e dar uma voz à ciência climática e aos jovens, geração que se verá mais afetada com este desastre ambiental.

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Texto por Maria Amaro, edição por Alexsyane Amanda