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Cultura

ENTREVISTA: ANA LUÍSA AMARAL

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Ana Luísa Amaral nasceu em 1956 e é uma poetisa portuguesa e antiga professora de Literatura e Cultura Inglesa e Americana na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tem um doutoramento sobre a poesia de Emily Dickinson e as suas áreas de investigação são Poéticas Comparadas, Estudos Feministas e Estudos Queer. Tem publicações académicas várias em Portugal e no estrangeiro. É autora, com Ana Gabriela Macedo, do Dicionário de Crítica Feminista (Porto: Afrontamento, 2005) e preparou a edição anotada de Novas Cartas Portuguesas (1972), de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa (Lisboa: Dom Quixote, 2010). Coordena neste momento o projecto internacional financiado pela FCTNovas Cartas Portuguesas 40 anos depois, que envolve 13 equipas internacionais e mais de 15 países. Em torno dos seus livros de poesia e infantis foram levados à cena espectáculos de teatro e leituras encenadas (como O olhar diagonal das coisasA história da Aranha LeopoldinaPróspero morreu ou Amor aos Pedaços). Em 2007, venceu o Prémio Literário Casino da Póvoa, atribuído no âmbito do encontro de escritores de expressão ibérica Correntes d’Escritas na Póvoa de Varzim, com a obra A Génese do Amor. No mesmo ano, foi galardoada em Itália com o Prémio de Poesia Giuseppe Acerbi. O seu livro Entre Dois Rios e Outras Noitesobteve, em 2008, o Grande Prémio de Poesia da APE (Associação Portuguesa de Escritores).Os seus livros de poesia estão editados em vários países como França, Brasil, Suécia, Holanda, Venezuela, Itália, Colômbia e brevemente no México e na Alemanha. Os seus livros infantis vão ser em breve editados em França e na Colômbia.

 

Vivemos num tempo de efervescência cultural?

Repare na quantidade de atividades que existem neste mês e no próximo que, apesar de estarem relacionadas com o 25 de Abril, não tratam apenas disso. Na realidade é o país que precisa e já dá exemplos de querer uma mudança. As pessoas precisam de pequenas leituras de poemas, cada vez mais frequentes e que acontencem por todo o país e não só no Porto em cafés, bares, etc, são pequenos grupos que se vão formando e criando um reduto de resistência e cidadania. Os jovens têm agora uma realidade muito mais facilitada do que aquela vivida há 40 anos graças à existência das redes sociais. Um grande manifestação neste momento não precisa de uma grande partido na retaguarda mas basta o contacto por SMS, twitter e facebook, como já aconteceu. “A cultura surgirá sempre como as ervas entre o asfalto” porque a cultura e a arte são necessárias logo à nascença porque representam o belo e o simbólico e nós precisamos destes enquanto humanos para sobrevivermos.

 

A cultura acontece na cidade do Porto ou é simplesmente uma ilusão?

A cultura está realmente a acontecer na nossa cidade mas em zonas muito restritas, quero eu dizer, se formos ao Porto às 11 horas da noite vemos imensa coisa a acontecer nas chamadas “Galerias de Paris”, ou seja, numa zona muito limitada. Porém se formos por exemplo para Campanhã, ou mesmo outras zonas, o que é que acontece? É verdade que é cada vez mais necessário que a cultura se espalhe para que não continue, apesar de tudo, elitista. E depois há certas manifestações culturais onde eu não vejo uma grande adesão, por exemplo, de pessoas ligadas à Universidade do Porto sejam professores ou alunos. Fui ainda há uns dias à Faculdade de Engenharia (FEUP) falar sobre poesia e natureza dentro de uns ciclos que eles mesmo organizam sobre literatura de forma regular. Engenharia,  é fantástico! É necessário abrir a Universidade e isso deveria começar a partir de Letras. Contudo isso não deve ser feito apenas para servir para avaliação porque a quantidade de atividades que um professor desenvolve vale muitas vezes mais, infelizmente, que a qualidade destes. A cultura precisa de se democratizar até aqui no Porto. Suponhamos que alguém quer, por exemplo, discutir o pensamento de Judith Butler mas isto pode coexistir ao lado de teatro feito por alunos de zonas menos favorecidas da cidade, teatro de fantoches, leituras de poemas, cursos de escrita de poesia para crianças de toda a cidade, etc. Eu própria tive um projeto no bairro do Cerco graças a uma pessoa extraordinária que é a Paula Cruz, que trabalha na escola do Cerco, que conseguiu criar uma parceria com o Teatro Nacional de São João. Falamos de crianças de diziam “Eu vou ao Porto” como se a zona onde moravam nem sequer fizesse parte da própria cidade, como se não fosse Porto. Mas eu tenho esperança, talvez graças a esta imprevisibilidade e a tudo o que está a acontecer como estas manifestações em torna da cultura, do 25 de Abril, da poesia e da arte que não aconteciam há 5 ou 6 anos. Que surja o que eu costumo chamar de uma “Ética da Alegria” como falava Espinosa, não de uma “alegria enlatada”. Nas Novas Cartas Portuguesas há uma frase lindíssima que me diz muito e que pode ser utilizada como um mote:

Diz-me uma palavra alta e eu hei-de parir a alegria de um povo.

Há-de chegar o tempo em que se concluirá que aquilo que se está a fazer é a destruir um povo e então começaremos a caminhar no sentido oposto. Há dias a J. K. Rowling disse algo numa entrevista muito simples mas extremamente importante: “Destruir é rapidíssimo”. Demora muito mais tempo reconstruir ou reerguer, demora infinitamente mais tempo, tanto a nível físico mas sobretudo a nível psicológico. É como dizer continuamente a uma criança “Tu és estúpido” leva a que esta se convença disto mesmo, por isso, há que investir no amor e no respeito e não ligar a dinheiro porque o que está em causa é a dignidade humana. Quando eu falo ou dou estudos feministas é isso mesmo, não é pôr e pensar as mulheres como superior aos homens ou tratar estes como culpados de algo, é pensar sim que o sistema nos armadilha a todos e todas, homens e mulheres. Este sistema patriarcal do qual faz parte uma ideia de economia, neoliberalismo e a destruição de uma série de valores como a manifestção de emoções. Essa coisa de “um homem não chora” é a imagem gritante disso mesmo.

 

Que incentivos ou apoios faltam para uma maior dinâmica cultural na cidade?

Estão a faltar sobretudo apoios de cariz económico como em todas as áreas.  Eu tive o privilégio de fazer o discurso de abertura do FITEI (Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica) em 2013 e, como nós todos sabemos, a maior parte das peças que agora temos em exibição são monólogos ou então diálogos, ou seja, temos muito poucas peças com muitos atores porque não há dinheiro e as companhias de teatro têm cada vez menos subsídios. A arte deveria ser acarinhada pelo Estado, e neste caso falo também da própria Câmara Municipal, porque para isto é necessário que o pelouro da cultura tenha dinheiro mas, para que este tenha dinheiro, é necessário que este seja atribuído pela câmara e no caso desta que também receba fundos do governo central. Isto acaba por ser uma “bola de neve” que já vem desde os anos 80 dos Estados Unidos e acaba por chegar a Portugal nos 90’s. Ainda há dias estava a ver uma série americana e uma personagem disse o seguinte “ Este tirou o curso às custas do Uncle Sam” (a referir-se ao Estado) e é assustador. Eu vivi três anos nos Estados Unidos e eu vi muita gente a defender esta “ideia estadunidense” de que como não tinham filhos logo não tinham de pagar impostos para as escolas ou de que como tinham menos filhos deveriam pagar menos. Enquanto nós preseverarmos esta ideia de que tudo deve pago nunca mudaremos. Mas afinal para que servem os impostos? Eu enquanto fui professora da Faculdade de Letras (FLUP) descontei grande parte do meu salário, assim como os meus colegas, para assegurar uma sociedade. Dessa mesma sociedade em que, e usando um tema do Sérgio Godinho e voltando a Abril, estejamos suportados nos cinco pilares de A paz, o pão
habitação, saúde, educação!”
 em que assenta uma sociedade de paz. Nós neste momento estamos em guerra que, apesar de não ser física, é uma guerra económica portanto não vivemos em paz quando nem toda a gente tem direito “pão” e a uma habitação digna. No caso da saúde nós devíamos orgulhar-nos de termos ainda (ainda temos!) hospitais públicos para os quais pessoas descontaram durante uma vida inteira e para o qual deveriam ter o direito de irem, independentemente da classe social. O hospital público não deve ser para os mais desfavorecidos mas sim para todos e todas. No caso da educação eu defendo ferozmente que a educação deveria ser pública. É uma vergonha aquilo que se está a passar nas universidades! É uma vergonha que uma pessoa para fazer um doutoramente ou tenha bolsa da FCT ou muito dinheiro. Na altura quando se discutiu como se alterava o número de anos do 1º ciclo (licenciatura) ficou decidido que este ficaria com três anos mas que o 2º ciclo (mestrado) ficaria incluído nos preços de proprinas mais baixas e nada disso aconteceu porque quem quer fazer um mestrado paga e paga bem! Agora junte a isso livros e estadia (caso o aluno não seja do Porto), por isso é que as faculdades não deviam transformar-se em empresas em que os alunos são clientes e o professores são uns vendedores. Uma escola tem a obrigação de ajudar a pensar, não de ensinar mas sim ajudar. Para mim a palavra ensino é sempre um caminho que se pode percorrer numa via de dois sentidos, ou seja, eu também aprendo com os meus alunos. Um professor não ensina, quando muito pode ajudar a conduzir alguma coisa mas isto trata-se de uma troca de conhecimentos. Se há alguma função no professor é ajudar a refletir criticamente e a questionar as coisas, claro que sempre de uma forma educada e nada agressiva. Agora até me lembrei de outra canção do Sérgio Godinho de que gosto muito e que diz:

Viva quem luta
com a cabeça ao contrário
p´ra ver também
um pouco do lado do adversário
do lado contrário.”

É mesmo este exercício a ser feito porque nós dizemos também “só a esquerda” mas também claro que há pessoas de bem que têm uma ideologia de direita. No caso do meu pai, que a simpatizar com algum partido seria de direita, mas ensinou-me os valores mais fundamentais e que eu mais defendo, ou seja, estruturou-me de alguma forma e ensinou-me valores de solideriedade, justiça e todos aqueles em que acredito enquanto cidadã.