Connect with us

Desporto

Entrevista a Ivo Almeida: “Basta darem uma oportunidade ao karaté e irão ver que é um desporto bonito e interessante”

Published

on

Ivo Almeida encontra-se agora a terminar a sua licenciatura em Direito e planeia continuar os estudos com um mestrado, mas ainda não sabe exatamente qual especialização escolher. O atleta começou a sua jornada na equipa Karaté Shotokan Porto, onde praticava o estilo Shotokan. Acrescentou que foi neste clube que passou a maior parte da sua carreira e que teve a oportunidade de crescer não só como atleta, mas também como pessoa. Em janeiro deste ano, transferiu-se para o Clube Karaté da Maia, onde pratica o estilo Goju-ryu, afirmando que estava à procura de uma experiência diferente, num clube que apresenta um grande núcleo de apoio por parte de treinadores e atletas.

Quando perguntado sobre a sua primeira exposição ao karaté, Ivo Almeida mencionou que a modalidade sempre esteve presente na sua vida, por inspiração do seu irmão mais velho, ex-praticante de karaté. O karaté tornou-se uma constante no seu dia-a-dia, tanto que o atleta refere ter “crescido” nos pavilhões. A paixão pela arte marcial intensificou-se aos nove anos, altura em que iniciou a prática do karaté. Ivo referiu que, inicialmente, praticava por lazer e que, ainda hoje, os estudos são o seu principal foco. No entanto, a vida escolar não o impediu de, aos 12 anos, após pedido do seu mestre, ter começado a participar em torneios. A jornada do atleta nem sempre foi fácil, mas nunca deitou a “toalha ao chão”. No início, não chegava a ganhar medalhas. “Perdia no primeiro ou segundo combate”, acrescentou.

O ponto de viragem chegou por influência da mãe. Após um ultimato da sua figura materna, em que esta pediu uma medalha em troca de poder continuar a praticar o desporto, Ivo, finalmente, conseguiu chegar ao pódio, alcançando um segundo lugar. A partir desse momento, o atleta sentiu que o karaté era algo em que conseguiria suceder. O suporte familiar nas adversidades revelou-se uma das chaves do sucesso conquistado. “Já tive lesões graves e eles queriam que eu desistisse, mas a minha vontade sempre foi continuar. E eles sempre me apoiaram mesmo que fosse contra a sua vontade.”, confessou. Recentemente, venceu o campeonato nacional de equipas, pelo que relatou o quanto o título o marcou. Embora aprecie os títulos individuais, “É o fruto do nosso trabalho e é sempre incrível.”, disse. Os títulos de equipa trazem-lhe enorme satisfação: “É uma sensação diferente, o espírito de união que toda a gente gosta de sentir, o esforço contínuo de um grupo, no qual estamos todos para o mesmo.”. Destacou ainda o percurso rumo à glória final: “É incrível. Eu tenho uma frase e toda gente pensa assim – É mais satisfatória a jornada do que o título no fim. No final, é bonito, vamos levantar a taça, mas vive-se mais, é combate a combate. Saímos de um e entramos noutro. Ao estar lá dentro no tatami vive-se tudo.”.

O atleta comentou, ainda, que o panorama da modalidade que encontrou no estrangeiro é diferente do que está habituado. Dando como exemplo a arbitragem, “Toda a gente se queixa da arbitragem nacional, mas quando chegamos lá fora sentimos falta da nossa arbitragem.”. Insiste que não tem preferência entre as duas, mas desenvolve que, às vezes, os árbitros internacionais, podem ser mais rigorosos: “Se aqui estamos a 100%, lá fora temos de estar a 200%. Os níveis de exigência são mais altos.”. Continuando a falar sobre as competições internacionais, em específico o campeonato europeu, mencionou que o ambiente era incrível dentro do pavilhão: “Muitas culturas, muitas personalidades diferentes, muitas vivências.”, e acrescentou também que “No fundo, quando estamos dentro do torneio, dos combates, somos todos adversários e competidores, mas quando saímos não se sente isso. Somos todos amigos.”.

Quando pedido para referir um adversário ou um confronto que lhe tenha marcado, Ivo referiu dois exemplos. No primeiro, este ainda era juvenil, e foi disputado contra um recém-coroado campeão nacional. Uma partida que terminou 12-11, uma marca acima da média, “Foi um combate disputado de início ao fim, ora marcava um ora marcava outro. Foi um combate que me fez perceber que um combate se disputa até ao final. Fez me ver que aqui não há que dar por vencido.”. O segundo exemplo, por outro lado, foi uma final do campeonato nacional, que terminou na sua derrota. Um combate que terminou 2-2, “Foi um combate que me custou imenso, porque empatamos e senti que poderia ser diferente.”.

Falando um pouco sobre o panorama nacional, o karateca mencionou que, além do campeonato nacional, existem também o campeonato regional, só para as camadas jovens, a Taça de Portugal e também as chamadas ligas, um conjunto de cinco provas de pontos corridos. Para si, o campeonato português é o título mais importante a conquistar. No panorama internacional, além dos campeonatos europeu e mundial, existem também os torneios de circuito mundial, os K1, que são usados para os apuramentos para esses campeonatos ou para os Jogos Olímpicos.

Ivo Almeida não escondeu a sua tristeza pela exclusão do karaté dos Jogos Olímpicos. “Ainda não se tinha visto o karaté em 2020 e eles já tinham confirmado que não iria estar presente nos próximos [Jogos Olímpicos], em 2024.”, referiu. Mesmo assim, o atleta continua a acreditar que esta não será a última vez que a modalidade será vista nos Jogos Olímpicos: “Eu acho que o karaté tem crescido muito como modalidade e cada vez se veem mais atletas, cada vez se vê mais nas mídias nacionais. Mesmo não fazendo agora em 2024, eu acho que no futuro vai fazer [parte dos Jogos].”, disse. Ivo terminou numa nota positiva, afirmando que, caso o karaté volte aos Jogos Olímpicos, esta seria uma boa oportunidade de Portugal ganhar mais medalhas. 

Quando questionado sobre que arte marcial praticaria que não fosse o karaté, o atleta respondeu: “Eu sou apaixonado pelas artes marciais e pelo desporto em si. Eu acho que um atleta que pratica artes marciais revê-se a fazer qualquer tipo de arte. Nem que seja só para matar o bichinho, por curiosidade. Mas se tivesse de escolher uma, provavelmente, seria entre o taekwondo ou o kickbox, porque são artes que envolvem muito as pernas.”. Ainda sobre uma perspetiva geral das artes marciais, foi-lhe pedida a opinião sobre o seu estado em Portugal, particularmente o karaté.

O atleta ressalvou o impacto da pandemia numa certa estagnação da modalidade. “Sentimos que quando voltamos havia uma redução enorme no número de atletas”, justificou. Apesar de a quantidade de atletas ter diminuído, a qualidade, pelo contrário, aumentou, na ótica do karateca. Afirmou ainda que, se for possível incutir o karaté nas escolas ou através dos mídias e redes sociais, o número de atletas e a qualidade poderão aumentar. As estatísticas, retiradas da PORDATA, confirmam aquilo que o atleta disse, ou seja, o número de atletas federados em karaté decresceu entre 2019 e 2020. Apenas o judo tem mais atletas federados em Portugal.

Quando perguntado sobre a cobertura dos mídias nacionais, Ivo disse que, sendo um desporto amador pouco renumerado, compreende um pouco o porquê da modalidade não ser tão coberta, mas acredita também que, mesmo assim, esta deveria ser mais referenciada. Acrescentou também que se têm visto algumas melhorias nesse sentido: “Por exemplo, temos a equipa do Sporting que já passa na Sporting TV, já se veem torneios a passar no Porto Canal, já apareceu um na RTP1. Os Jogos Olímpicos na RTP2, os campeonatos europeus no Youtube.”. O atleta reforçou também que acredita que o karaté irá conseguir, um dia, cobrir as manchetes em Portugal. “Basta darem uma oportunidade, basta verem que é um desporto bonito e interessante. Nós em Portugal, temos o Sporting e o SC Braga na modalidade, mas se tivéssemos um FC Porto ou um Benfica, acho que isto poderia ser falado de outra forma e, quem sabe, um dia ser manchete de jornal.”, rematou.

Segundo o atleta, essa evolução depende de uma perspetiva de reforço do marketing: “Principalmente, nos eventos desportivos. Colocar cartazes, por exemplo, como se vê aqui na rotunda a dizer para virem experimentar. Acho que o karaté não é muito divulgado em si, enquanto nos outros desportos se vê isso.”. Comparando com o panorama internacional, o atleta começou por afirmar que não estava muito a par desse tópico, mas assumiu que se tratava de um problema geral. “Sei que é um problema geral, porque já falei com atletas lá fora e eles queixam-se do mesmo. Que não é muito divulgado, mas que está a crescer a cada dia e veem um futuro risonho para a modalidade.”, contou Ivo Almeida.

A entrevista concluiu com duas questões de cariz pessoal: “Qual foi o melhor conselho que já recebeu?” e “Se pudesse dizer algo ao seu ‘eu’ de 10 anos atrás, o que diria?”. À primeira Ivo respondeu: “Já tive muitas vivências e recebi muitos conselhos de várias pessoas. Mas tive uma pessoa que me marcou muito, que foi o meu primeiro treinador, e tenho uma história engraçada com ele. Foi num campeonato nacional, eu tinha perdido com um atleta que se tinha sagrado campeão nacional e depois tive de ir disputar o terceiro lugar.” No karaté quando se perde com o eventual campeão, existe a oportunidade de ser repescado e combater com os outros derrotados, de forma a chegar à medalha de bronze. Ivo desvendou um episódio marcante que teve com o seu treinador: “Eu estava numa das eliminatórias de acesso ao terceiro lugar, com um grande atleta também. O treinador desse atleta disse-me ‘Ele vai ganhar, ele está muito forte este ano’.

Entretanto, eu tinha falado com o meu treinador, que me perguntou com quem eu iria lutar.” Continuou e deixou uma mensagem forte de ambição: “‘Aqui não há nomes, tens de pensar por ti. Combate a combate, tu treinaste para isto e o que vier veio. Só depende de ti.’ E eu levo essa mentalidade, que só depende de mim, não tento estar dependente de outros, sejam mais fortes ou mais fracos. O caminho é meu e sou eu que o construo.”. Para terminar, Ivo Almeida revelou o que diria ao seu ‘eu’ de há uma década: “Trabalha que o futuro é risonho.”. Esta expressão final sumarizou a mentalidade forte e aguerrida presente num dos atletas mais em voga no karaté nacional. 

Entrevista da autoria de Arcílio Peixoto