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Crónica

CRÓNICA LITERÁRIA: CASANOVA ESCRITOR

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Há já dois dias que dedico minhas viagens de suburbano à leitura da História da Minha Vida de Giacomo Casanova, na tradução de Pedro Tamen recentemente publicada pela Divina Comédia Editores. Porém devo dizer que, antes de me decidir a viajar na companhia de Casanova, receava ter de gramar com uma sucessão de masturbações nostálgicas escritas por um decrépito libertino então em fim de vida e, muito provavelmente (ironicamente), já impotente. Ora contrariamente ao mito instalado, mito injusto que o aproxima de Valmont (seu contemporâneo), acontece que Casanova se revela ser, bem pelo contrário, um dos mais cultos e genuinamente afáveis companheiro de viagem que se possa ter. Mais, ao viajar com esse decrépito libertino, não só temos a oportunidade de ouvir aventuras magníficas como a de sermos seduzidos por um magnífico contador. Como se, tendo atingindo a velhice, doravante incapaz de seduzir através dos seus atributos físicos, ele tivesse, contudo, atingindo o domínio total de nos seduzir através desses seus dotes que suscitaram a admiração e o encanto dos salões mundanos do século XVIIII, os dotes retóricos e narrativos. É que, embora se adivinha que as memórias de Casanova não ofereceram a Pedro Tamen o mesmo grau de resistência que ele certamente ressentiu aquando da tradução de Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust, não podemos, porém, menosprezar as qualidades literárias do célebre libertino veneziano. Aliás, se esta tradução de História da Minha Vida permite ao leitor português, e isso pela primeira vez, «reler» a tão rocambolesca quanto desenvolta e leviana existência de Casanova, ela tem, fundamentalmente, o mérito de consagrá-lo «escritor».