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Cultura

S.O.T.A.O apresenta Lisístrata: um olhar atual sobre o estado do mundo

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Às 21h30, as portas da sala da Confederação abriram e a plateia encheu-se rapidamente. À medida que o público se ia sentando, a personagem que dá nome à peça, protagonizada por Sara Brandão, já se encontrava em palco, acompanhada pelas suas agulhas de tricot e por um novelo vermelho na mão. Com uma expressão impaciente e agitada, a espera aflitiva nos olhos da protagonista não deixou de provocar risos no público. Era já um prelúdio do tema da peça de Aristófanes: a espera insuportável e a solidão que as mulheres sofrem na ausência dos maridos, pais e filhos que vão para guerra.

Sem vislumbrar o fim do conflito bélico entre atenienses e espartanos, Lisístrata propõe às suas companheiras uma greve de sexo. Na sua perspetiva, ao reprimir os desejos sexuais dos homens, as mulheres conseguiriam pôr fim à Guerra do Peloponeso e, assim, acabar com a destruição e com a sua solidão. A renúncia ao sexo representa um sacrifício também para as mulheres, desmistificando a figura da mulher como mero instrumento sexual do homem. Ainda assim, Cleonice (Gabriela Azevedo), Mirrina (Inês Fonseca) e Lampito (Leonor Valente) acabam por ser convencidas a trazer a paz às suas vidas e, juntamente com Lisístrata, realizam um juramento solene.

Embora seja recorrentemente aliciada a quebrar com o jejum sexual pelo seu marido Cinésias (brilhante interpretação de Gonçalo Vieira), Mirrina não cede ao desejo, deixando o marido “com cara de pau”, uma das cenas que proporcionou mais gargalhadas à plateia.

Apesar do tom cómico da encenação, a cargo de Sandra Ribeiro, e do atrevimento e da desfaçatez do texto, as inúmeras críticas sociais e políticas não ficam esquecidas na mente dos espectadores. A condenação da guerra como demonstração superficial da força violenta dos homens, nomeadamente de Cinésias e do Embaixador (Leonardo Amorim), e a chamada de atenção para a desigualdade dos papéis sexuais socialmente construídos são algumas das críticas presentes na peça.

Sendo a guerra pelas armas uma necessidade dos homens, a missão da paz fica a cargo das mulheres que, através de um pacto de sororidade, responsabilizam-se por unir os homens e chamá-los à razão, sempre recorrendo à palavra e não à violência. Emancipando-se do seu lugar submisso de donas de casa, cansadas de tecer e esperar indefinidamente pelo regresso dos seus familiares e amantes, a revolução dá-se com a união destas Penélopes irreverentes, que impõem respeito e medo a Homem (Victor Cairo).

Embora Lisístrata apresente uma solução utópica para o conflito bélico que convida ao riso, a peça revela-se extremamente pertinente para pensar os nossos dias. Ao desnudar a violência cruel associada à virilidade e à excessiva masculinidade e denunciar a invisibilização e domesticação que as mulheres sofreram e ainda sofrem nas narrativas históricas oficiais, Lisístrata de Aristófanes manifesta-se uma obra teatral extremamente atual.

Escrita e encenada pela primeira vez em  411 a.C na Antiga Grécia, Lisístrata mostra que, mais de dois milénios depois, o presente não se encontra muito distante do passado. Ler e encenar os textos clássicos ainda se revela uma tarefa indispensável para pensar o presente e criar um futuro promissor. Perante as inúmeras guerras sem fim à vista que assolam vários continentes –  sejam elas bélicas, sociais ou económicas – a pergunta que se impõe é onde estão as Lisístratas que poderão pôr fim às barbaridades que o ser humano continua a cometer.

Criado em 2000, o grupo de teatro universitário do ICBAS, S.O.T.A.O (Sociedade Onírica de Teatro Amador Orgânico), convida-nos a pensar as complexidades das relações humanas, de forma divertida. Composto por jovens universitários, com diferentes interesses académicos, o S.O.T.A.O “abrange qualquer jovem com ou sem experiência teatral”, disse-nos Sara Brandão, estudante de mestrado na FLUP.

“Apesar da pouca disponibilidade de todos, uma vez que o S.O.T.A.O acaba por não ser uma prioridade de ninguém e ninguém ‘ganha’ com isto, todos nos unimos por uma causa comum e a evolução nas pessoas é sempre extraordinária e marcante”, salientou ainda a estudante que encarnou Lisístrata. Na hora em que é necessário escolher a peça a trabalhar, tudo depende das pessoas que estão no grupo nesse momento: “entre dramas e comédias, [a escolha] é sempre um jogo de tempo e de personalidades”. Desde O Crime da Aldeia Velha, a O Doente Imaginário até a Sonho de Uma Noite de Verão, o S.O.T.A.O tem vindo a apresentar o seu trabalho tanto no Porto, como a nível internacional.

Artigo da autoria de Mafalda Pereira