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Crónica

Um Dia Isto Vai Passar

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Tudo começa quando um dia nos vemos a recorrer às lágrimas que tentam escapar o espaço confinado dos nossos olhos como fonte de hidratação. Engolimos não só essa água salgada, como todos os outros ‘maus’ sentimentos, pobres deles que foram catalogados, e ainda mais pobres de nós que nos vemos na inocência de acreditar na ideia de algum Zé talvez não-tão-ninguém que uma manhã terá acordado e pensado: ‘Era mesmo boa ideia se criássemos complexos quanto a reações totalmente normais do ser-humano perante o que se passa ao seu redor, não era?’. Não, amigo, não era.

A carga vai acumulando, entrelaça-se infinitamente num interior apodrecido e, no momento no qual o espaço vertical para se formar se esgota, enverga-se até nos virar do avesso. Quando damos por ela, estamos de cabeça baixa a ceder às imposições que o nosso corpo se vê na obrigação de nos fazer. Quando damos por ela, estamos não só a livrar-nos da comida que mais cedo custou a passar pelo nó que lentamente enlaçou a nossa garganta, mas também tudo o que se acumulou. Não, não estás doente, apenas estás a dar de ti, a libertar-te de tudo o que te prendeu e que te recusavas a admitir e que agora, infeliz ou felizmente, já não podes negar, pelo menos a ti próprio.

A cada dia que é cortado do calendário do ‘um dia isto vai passar’, fica mais difícil respirar. Os pulmões de alguém agoniado cedem, amolecem e aborrecem-se de não respirar suficiente ou de respirar demasiado. Inspira, expira. O ar cheira a outono, e se talvez é difícil distinguir as estações por um simples inspirar, talvez algo esteja errado. A chuva varre as ruas e do nada o sol começa a recolher-se mais cedo, implorando-nos o mesmo. Não. Pensemos nas luzes que a qualquer momento vão iluminar os caminhos da cidade. Pensemos no quão boa a chuva, que agora desmaia do céu, é para o solo que tanto dele precisou. Uma lágrima cai. Pensemos no quão boa ela é para alguém que finalmente desabou.

Artigo da autoria de Joana Oliveira