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Opinião

O Holocausto: De Campos de Extermínio a Minas de Ouro

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O Holocausto representa um dos crimes mais violentos da História da humanidade. A memória deste período remete um grande número de pessoas a pensar em Auschwitz, local onde se deu um elevadíssimo número de mortes decorrente da imensa potencialização dos ideais do nazismo alemão. Um campo que começou por ser um entreposto provisório para a transferência de prisioneiros polacos para a Alemanha, transformou-se num complexo vasto para concretizar a solução Final. Isto permitiria ao governo nazi retirar a população considerada de raça inferior dos territórios sobre o seu domínio, abrindo as portas ao repovoamento por parte da raça ariana e finalmente atingir uma nova ordem geopolítica alemã e europeia. Evidentemente, um acontecimento desta magnitude tornou-se num dos assuntos mais falados no mundo. Todavia, atualmente, corre-se o risco da perda da memória do horror do holocausto com a romantização do tema através de ficção histórica, filmes, séries de TV, documentários e literatura.

Tal como me parece óbvio, é necessário continuar a falar do Holocausto. A consciencialização e sensibilização do público sobre este assunto através da compreensão racional e cognitiva dos fatos históricos é crucial para estimular a empatia e não o ódio e egoísmo, inerentes ao ser humano. No entanto, são cada vez mais as obras culturais que não exploram a natureza humana nesse sentido. O Holocausto é manipulado e deturpado, de forma a propiciar um espetáculo de emoções ao indivíduo que consome determinado produto cultural. Isto aliena a capacidade de reflexão crítica e imaginação histórica. Pensar no genocídio judeu é pensar até onde vai a maldade do ser humano. Em contrapartida, estas histórias fictícias tendem a aplicar um eufemismo sobre o terror, transmitindo a ideia de que de tudo aconteceu nos campos de concentração e extermínio: romances, relações de amizade e aventuras. Pensar nisto é, certamente, bem mais confortável do que contemplar o que de pior o ser humano é capaz de fazer e, então, estas histórias vendem. Capitalizou-se o sofrimento de um povo. O Holocausto e Auschwitz passam a ser armas de marketing e perdem, progressivamente, a carga de crueldade.

Assim, penso que o respeito pelas vítimas passa não só por aludir ao Holocausto, mas também pela forma como tal é feito. A exposição do tema ao grande público carece de processos sérios e sóbrios que tenham em vista verdade histórica, a verdade daqueles que experienciaram aquela realidade. A ficção, a dramatização e qualquer pretensão de benefício particular precisam de ser postos de lado. Ou seja, há que criar mais documentários, crônicas, testemunhos, biografias e outros géneros culturais a partir da investigação histórica bem ponderada. Isto passa por recolher declarações dos sobreviventes, vestígios materiais e construir arquivos, por exemplo.

Já em 1945, existia a perceção de que só através da forte divulgação dos factos ao mundo seria possível construir uma consciência comum e individual, apta para se colocar no papel dos afetados e de compreender até onde pode ir a crueldade e frieza humana. Não se esqueçam as palavras do general Dwight D. Eisenhower ao libertar um campo de concentração nazi: Fotografem, façam filmes, reúnam testemunhos. A certa altura da História um idiota vai erguer-se e dizer que isto nunca aconteceu.

Infelizmente, isto não ocorre à escala devida. Ao invés disso, a cultura massificada apaga os contornos horrendos deste acontecimento. Desta forma, Auschwitz e o Holocausto já não são mais atrocidades verídicas, mas sim cenários triviais que se encontram diariamente em livros, filmes ou noutros formatos de entretenimento. Como um coletivo, a humanidade caminha para a dessensibilização relativamente ao genocídio judeu e fica cada vez mais confortável com o mesmo. Então, os campos de concentração e extermínio tornam-se centros turísticos, Auschwitz passa a Disneylândia dos Horrores (Irene Pimentel, 2022) e os seus visitantes acrescentam mais uma fotografia ao seu álbum.

Diante do exposto, penso que é urgente que se faça uma revisão cuidadosa dos limites representação e considerar se liberdade e desrespeito podem coexistir. O Holocausto exige de todos nós uma nova ordem de pensamento, cada vez mais importante na arte e na história, áreas que se veem envolvidas na teia dos interesses do capital. Num mundo sob a ameaça crescente de forças xenófobas e populistas, seria bastante perigoso não lutar pela mudança da perspetiva sobre um dos períodos mais negros da História do Homem.

Artigo da autoria de Beatriz Costa