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Crónica

O ROSTO DA TRAGÉDIA

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Gostaria de dar princípio a uma crónica, firme das minhas convicções de que a tragédia era tudo o que menos esperava. Mas não. O terrorismo, cada vez mais popular, choca-me cada vez menos. Fere-me a sensibilidade, melindra-me ao ponto de produzir sucintas reflexões sobre a morte, mas não me escandaliza.

Outrora, numa crónica académica, totalmente ficcionada e elaborada para satisfazer os caprichos de uma professora, questionava como seria deitar com a morte.

Agora questiono-me como será ser o rosto de um atentado. Uma mulher, que se preparava para embarcar num voo para Newark – sabe-se, agora, ser Nidhi Chaphekar, uma hospedeira indiana, mãe de dois filhos –, atapetada de solo, com rasgões nas vestes e sem resguardo num dos pés, tornou-se num dos rostos dos atentados de Bruxelas, que vitimaram 31 pessoas e deixaram 250 feridas, na terça-feira passada.

Nidhi não fez, para uma última viagem, companhia aos bombistas que se fizeram explodir no aeroporto ou no metro, quando a catástrofe veio ter com ela.

No entanto, não se esquivou de um rosto fortemente gotejado de sangue, como que a envaidecer a cara; não se esquivou de um rosto de pesar que, inconscientemente, exibe perante o mundo inteiro, por via dos meios de comunicação sociais que perpetuam, no fundo, o epítome da violência; não se esquivou de um rosto que se afasta, agora, do ideal de beleza; não se esquivou de um triste desenho de lábios, como se tivessem passado por ela cães famintos. A dimensão da vida ultrapassa, por vezes, a dimensão da beleza.

Talvez seja assim a única maneira de voltar a trazer a vida, depois da morte, à luz do dia. Talvez seja assim a única forma de devolver a ilusão de futuro para que possamos cobrir este manto de agressividade excessiva que só os mais tristes arrastam.