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Opinião

COVID-19 põe em causa a estabilidade do Governo brasileiro

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Palavras do Presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro. Foto: Isac Nóbrega/PR

Palavras do Presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro. Foto: Isac Nóbrega/PR

1.130 mortos nas últimas 24h, 18.130 no total; mais de 275 mil infectados. A 20 de Maio, estes são os dados fornecidos pelo site World Meters relativos à presença do COVID-19 no Brasil. São números elevados e assustadores que provocaram de certo modo uma crise política na “Terra de Vera Cruz”.

Desde que o coronavírus chegou ao Brasil, Jair Bolsonaro não tem lidado com a pandemia da maneira mais acertada para um Chefe de Estado. Para além de ser contra as medidas de isolamento e distanciamento social apoiadas pela Organização Mundial de Saúde, o Presidente brasileiro também se demonstrou desfavorável às medidas de quarentena e distanciamento social promovidas pelos governadores estaduais como foi o caso de João Dória, Governador de São Paulo que decretou quarentena obrigatória no estado até 22 de Abril.

Os antecedentes

Num comunicado oficial emitido a 24 de Março, Bolsonaro mais uma vez desvalorizou o COVID-19 chegando o próprio a afirmar que devido ao seu “histórico de atleta”, se acontecesse ficar infetado pelo vírus não haveria a necessidade de se preocupar uma vez que o máximo que lhe poderia acontecer seria ficar “acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”.

Acreditando que o vírus só iria prejudicar os mais idosos, o Presidente do Brasil contestou o fecho das escolas (contrariando assim aquilo que foi recomendado pela OMS) e afirmou que as vidas dos brasileiros têm de continuar para se manter os postos de trabalho. Bolsonaro chegou mesmo a atribuir a culpa do medo que se fazia sentir no país aos media que propagaram o “pavor” e a “histeria” entre o povo brasileiro.

Estas declarações, que provocaram mal-estar no meio político e na comunicação social, levaram a um “panelaço” (forma de protesto onde se usa panelas, tachos e outros utensílios de cozinha de modo a chamar a atenção para o ruído) por milhares de pessoas a partir das suas casas para demonstrarem o seu descontentamento face à insensibilidade do Presidente.

As atitudes de Jair Bolsonaro fizeram-se refletir no seio do seu governo: depois de um clima de tensão entre este e Luiz Henrique Mandetta, Ministro da Saúde que defendia o isolamento total ao contrário do Chefe de Estado brasileiro, Mandetta foi exonerado da tutela do Ministério a 16 de Abril tendo sido substituído por Nelson Teich, oncologista.

Três dias após a exoneração, Bolsonaro participou numa aglomeração de apoiantes em Brasília que reivindicavam uma intervenção militar e o fim do isolamento social. Sem máscara ou qualquer outro tipo de proteção, o Presidente brasileiro foi apanhado a tossir para a mão enquanto fazia um discurso. À data deste encontro, o país contava com cerca de 2347 mortos e 36599 infetados.

Bolsonaro diz que não é “coveiro”

Num só dia os 36599 infetados aumentaram para 40581 casos confirmados. Numa conferência de imprensa feita no Palácio da Alvorada (residência oficial do Presidente), Bolsonaro foi questionado por um jornalista sobre o número de mortes ocorridas naquele dia (20 de Abril) ao que este terá interrompido o jornalista para dizer que não era “coveiro”.

“Ô cara, quem fala de… Eu não sou coveiro, tá certo?”. Foram estas as declarações do Chefe de Estado brasileiro. O repórter ainda tentou repetir a pergunta, mas foi de novo interrompido pelo Presidente que disse de novo: “Não sou coveiro, tá?”. Jair Bolsonaro voltou a atacar a imprensa, afirmando que esta levou o “pavor” e a “histeria” para o povo. Lamentou as mortes, mas disse que “é a vida”.

Sérgio Moro demite-se e acusa Bolsonaro de “interferência política”

Se inicialmente Bolsonaro estaria a ser criticado por medidas tomadas no âmbito da saúde pública, rapidamente o descontentamento para com o Presidente se espalhou para outras áreas do governo como foi o caso da Justiça e Segurança Pública. A 24 de Abril Sérgio Moro, ministro desta pasta, demitiu-se em consequência da exoneração de Maurício Valeixo, Diretor da Polícia Federal, pelas mãos de Jair Bolsonaro.

Moro acusou Bolsonaro de “interferência política” e mostrou-se “ofendido” pela maneira como a exoneração foi feita. De acordo com o ex-Ministro, houve, no entanto, uma primeira insistência do Presidente em afastar o Superintendente do Rio de Janeiro, ao que Sérgio Moro acedeu por vir com o pedido do próprio superintendente.

O antigo juiz da “Operação Lava-Jato” diz que entrou em choque com Bolsonaro por este ter intervindo diretamente na tutela do seu ministério, enquanto que por lei “a escolha e a exoneração do Diretor da Polícia Federal é uma competência do Ministro da Justiça”. O facto da assinatura de Moro ter de estar no despacho de exoneração e de Bolsonaro supostamente não ter cumprido com o que lhe prometeu (dar-lhe a liberdade de escolha do Diretor) foi a gota de água para este, segundo a Folha de São Paulo.

Sérgio Moro acabou por fazer um depoimento de oito horas na Polícia Federal de Curitiba onde deu a este órgão policial o histórico de mensagens trocadas entre ele e Bolsonaro. De acordo com o antigo Ministro, Bolsonaro pretendia uma substituição na direção devido às investigações que estavam a ser feitas a uma alegada rede de fake news, com a qual vários deputados apoiantes do Presidente e o próprio filho deste, Carlos Bolsonaro, são suspeitos de estar envolvidos.

Bolsonaro diz que “não faz milagres” e convida apoiantes para churrasco

As declarações polémicas de Jair Bolsonaro em relação a esta crise de saúde pública não se ficaram pela “gripezinha” ou o “não ser coveiro”. A 28 de Abril, o antigo Capitão do Exército brasileiro foi questionado pela imprensa sobre o facto do país sul-americano ter ultrapassado a China no número de mortos (5017 à data). Bolsonaro lamentou tal situação, mas afirmou que não é milagreiro: “E daí? Lamento, mas quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres” foram as declarações do Chefe de Estado brasileiro que fez um trocadilho com o seu nome (Jair Messias Bolsonaro).

A relação de Bolsonaro com a imprensa nunca foi a melhor e isso foi mais uma vez comprovado a 5 de Maio, numa conferência no Palácio da Alvorada. Os jornalistas questionaram o Presidente brasileiro se este de facto fez pressão para trocar o Superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro Carlos Henrique Oliveira, um dos motivos que levou à demissão de Sérgio Moro. Em causa estava para além da investigação da Polícia Federal à rede de notícias falsas, diligências paralelas relativas a esquemas de desvio de dinheiro público envolvendo os filhos de Jair Bolsonaro.

O Presidente, irritado com a situação, mostrou ao coletivo da imprensa no local uma capa do Folha de São Paulo que continha um artigo sobre “um fosso no governo entre si e Sérgio Moro”. Bolsonaro referiu-se à publicação como “patifaria” e nesse momento de crítica, uma jornalista do Estadão tenta fazer-lhe uma questão ao que é interrompida pelo próprio: “Cala a boca, não te perguntei nada” foi o que Jair Bolsonaro disse a esta repórter cerca de três vezes, tendo recebido o auxílio dos seus apoiantes que por trás replicavam os insultos do Chefe de Estado brasileiro.

E numa altura em que o país estava perto de atingir as 10000 mortes, o Presidente decidiu convidar os seus apoiantes para um churrasco no Palácio da Alvorada. Inicialmente seria um churrasco para 30 pessoas (a sua equipa ministerial) o que levou ao surgir de críticas de alguns deputados e senadores.

No dia seguinte, o Presidente já pareceu adotar um tom mais irónico. Num vídeo publicado na sua página oficial, confirma a existência de um churrasco na sua residência. Afirma primeiramente a presença de 180 pessoas, passando para 210, 300, 500 e após os apelos de alguns anónimos no local, acaba por dizer “está todo o mundo convidado aqui (…) Tem 1300 convidados” chegando depois a dizer que podiam entrar 3000.

Surgiram protestos contra a aglomeração na residência do Presidente, ao que este terá dito que não havia churrasco nenhum, acusando a imprensa de produzir fake news. Segundo fontes anónimas próximas de Bolsonaro, este terá cancelado o evento marcado para Sábado, 9 de Maio, retirando os convites feitos aos Ministros e a outros membros do governo sem dar nenhuma justificação.

A demissão do terceiro Ministro

E se parecia haver uma sintonia entre Bolsonaro e o seu novo Ministro da Saúde Nelson Teich, a verdade é que esta não durou muito tempo. Bolsonaro tem apoiado o uso de cloroquina para tratar doentes com COVID-19. No entanto, não está comprovado cientificamente que este medicamento seja eficaz no combate ao novo coronavírus e surgem até provas de que pode ter efeitos colaterais bastante prejudiciais.

A 14 de Maio, o Presidente disse que ia “exigir” ao Ministério um protocolo para aplicar cloroquina em pacientes na fase inicial da doença. O próprio Teich já tinha dito antes que a cloroquina não era eficaz no combate à doença e veio a saber-se na terça-feira, através da imprensa, que Bolsonaro incluiu ginásios e cabeleireiros nos “serviços essenciais” a funcionar durante a pandemia, o que não foi avalizado pelo Ministro. Teich apresentou a sua demissão dia 15, não chegando a completar um mês no cargo. O futuro político do Brasil está cada vez mais incerto.

Artigo da autoria de Leonardo Pereira. Revisto por Miguel Marques Ribeiro.