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Sociedade

“NÃO ERAM EXTREMISTAS COMO AS PESSOAS DIZIAM… ERAM SÓ PESSOAS!”

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Em fevereiro, Ana Filipa Sampaio, Andreia Gonçalves e Daniel Ribeiro, embarcaram numa experiência de intercâmbio social, promovida pela Casa da Juventude de Amarante, que mudou as suas vidas. Tiveram a oportunidade de visitar e entrar na dinâmica de um campo de refugiados em Dobova, perto da fronteira entre a Eslovénia e a Croácia.

Andreia, aluna do segundo ano de Bioengenharia, começou por dizer que, no início, “não sabíamos muito bem o que esperar”. Quando chegaram viram muitos autocarros, cheios de pessoas que vinham de países como a Síria, o Irão, entre outros. “Foi um choque para mim ver aqueles autocarros a abarrotar de pessoas. Aí, tu pensas: de onde é que elas vêm? Para onde é que elas vão? Qual é o caminho que elas vão seguir? Estão simplesmente aqui a ser deslocadas de um sítio para o outro?”, disse-nos a jovem natural de Amarante, que descreveu o campo como “um sítio de passagem, onde restabelecem comida, roupa, algumas necessidades básicas e depois seguem caminho”, quer esse caminho seja de volta ao seu país de origem ou a um outro país com uma situação mais estável do que aquela de que fogem.

As diversas tarefas foram rapidamente distribuídas pelos jovens voluntários. Daniel, natural de Marco de Canaveses, aluno do segundo ano de Filosofia, explicou ao JUP que, durante a primeira tarde, ficou encarregue de limpar tendas enquanto Andreia e Ana Filipa ficaram encarregues da distribuição de bens de primeira necessidade Enquanto entregavam roupa, depararam-se com uma grande falha na comunicação: “A comunicação é a chave disto tudo porque tu não consegues falar com eles, eles não conseguem falar contigo”. Comunicavam, assim, através dum papel com símbolos: os recém-chegados apontavam para a imagem correspondente à peça de roupa e tamanho que desejavam. Apesar de haver um tradutor árabe no campo de refugiados, segundo Andreia, o problema era que “nem todos falavam árabe”, falavam “línguas que ninguém percebia”. Ana Filipa disse ainda que nunca se tinha apercebido da “importância da comunicação” até àquele momento.

Ana Filipa, natural de Amarante, e também ela aluna do segundo ano de Bioengenharia, destacou o trabalho das instituições humanitárias, como a Cruz Vermelha Internacional. “A ideia que eu tinha de um campo de refugiados era uma coisa super caótica”, disse. “Havia tendas para tudo, estava tudo muito organizado, por estações, para onde eram reencaminhados pacificamente”, apesar de concordar que essa “atmosfera mais calma” se devia, em parte, à presença de polícia no campo. Andreia falou ainda de zonas em que se “tentavam reconstruir famílias” e se restabeleciam as árvores genealógicas (quase como uma espécie de registo ou, como lhes chamaram, “perdidos e achados”), para que, no caso de faltar algum elemento da família, os voluntários tivessem informação suficiente para o procurar.

Daniel referiu uma das tendas que designou como a “dos que eram recusados”. Ao chegarem e após serem registados, alguns dos refugiados seguiam para a Alemanha. Os restantes, que não tinham na sua posse documentos legais que comprovassem que eram de países prioritários, eram recusados e “andavam para trás e para a frenteentre a Croácia e a Eslovénia. Isto deve-se às “políticas dos países” que não se entendem no que fazer quanto ao fluxo de refugiados, esclareceu Andreia. Nessa tenda, devido à revolta, os refugiados chegavam a ser agressivos. Ana Filipa, no entanto, justificou de modo compreensivo: “depois de todos os perigos a que se arriscaram para chegar ali, não é fácil serem recusados”.

Ana Filipa explicou que o problema da maioria dos refugiados com quem teve oportunidade de contactar “não se prende com a falta de trabalho nem de condições monetárias”: “Fez-me perceber que não eram simplesmente pessoas necessitadas, eram pessoas exatamente como nós, que tinham casa, uma família e uma vida completamente estabelecida… simplesmente não tinham segurança para viver”; eram famílias inteiras e “tiveram que abandonar isso tudo, tiveram de deixar parte da família para trás, todos os seus bens”. Andreia acrescentou que, em alguns casos eram visíveis as dificuldades financeiras; porém, noutros, era impercetível, vestiam-se exatamente “como nós”, o que a levou a questionar-se sobre o porquê daquelas pessoas se encontrarem naquela situação. “Simplesmente estavam no sítio errado”, disse. Faltava-lhes, acima de tudo, segurança e estabilidade, não sendo um “ambiente apelativo” para criar os filhos. “Ninguém quer viver assim!”, afirmou Andreia.

Pontos positivos da experiência

Quando questionados acerca dos pontos mais positivos desta experiência, Daniel frisou a ligação que conseguiu criar com Amir, um refugiado iraniano que era corretor de bolsa no seu país e o facto de ter tido a oportunidade de contribuir para o bem-estar de outras pessoas. Assume ainda que isso mexeu com o seu lado emocional: “O pior mesmo era quando se viam algumas pessoas que não sabiam da família”, disse Daniel, enquanto recordava um episódio em que, durante uma distribuição de comida, viu uma família que procurava a sua filha.

Para Andreia, houve “pontos extremamente positivos”. “Não estamos lá para mudar o mundo, estamos lá para tentar fazer alguma coisa, ajudar com uma pequena atitude, um sorriso” e, em troca, recebiam outros tantos sorrisos e obrigados: “Alguns deles só sabiam dizer “thank you”, não sabiam dizer mais nada em Inglês”. Daniel relembrou ainda um gesto que faziam, em que levavam a mão à cabeça e depois ao céu, para agradecer ao seu Deus, a Alá.

Durante a sua experiência, Daniel aproveitou para se aproximar dele de modo a “conversar com ele, perceber um pouco da sua história e de como foi ali parar”. Era estranho, particularmente para Daniel, pensar que, se tivesse nascido noutra qualquer parte do mundo (os Estados Unidos, por exemplo), com o cargo que exercia, Amir seria, muito provavelmente, milionário. Este iraniano, que, contrariamente à grande maioria dos refugiados de quem os media falam diariamente, tinha o estatuto de refugiado político, explicou-lhes que o Irão não é necessariamente uma zona de conflito mas ele “fugia da opressão”, “não tinha liberdade de expressão”, como Ana Filipa se apressou a esclarecer. Andreia relembrou ainda uma atitude que Amir teve para com eles e os marcou muito: quando estavam a limpar uma das tendas, ao final do dia, o refugiado iraniano foi ter com eles, e ajudou-os a limpar, tentando, de alguma forma, retribuir a ajuda que eles lhe estavam a dar.

Todos concordaram que esta experiência poderia ajudar a mudar a ideia que muita gente tem sobre os refugiados.

Daniel falou ainda de uma rapariga romena que também fazia parte do grupo deste intercâmbio, com quem falou na noite anterior a irem para o campo, durante uma saída. Esta dizia-se totalmente contra os refugiados, alegando que não conseguia encontrar emprego no continente dela e que os refugiados lhe vinham roubar o lugar, mostrando o seu total desagrado para com toda esta situação que assola a Europa. Daniel tentou convencê-la do contrário. Porém, após um dia no campo de refugiados, o jovem tentou sondar a sua colega, e percebeu que “ela estava completamente envergonhada por causa daquilo que tinha dito”. Estar no campo, estar em contacto com aquela realidade, fê-la ver que “não eram extremistas como as pessoas diziam… eram só pessoas”.

Todos consideraram “uma experiência incrível”. Andreia considerou que a mudou pois, em retrospetiva, pensa na sua vida como fácil e simplificada. “Eu vivo num país calmo, pacífico (pelo menos, aparentemente, a minha realidade é essa, é pacífica); e tenho tudo o que preciso, tudo à mão” e, se existe alguém que se encontra numa situação que não é ideal e ela sabe que pode “ajudar um mínimo que seja”, fá-lo-á sem pensar duas vezes.

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