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Crítica

Jup Baú: A (Grande) Vitalina Varela

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O filme “Vitalina Varela” (2019), de Pedro Costa, dá-nos a conhecer a viúva de um imigrante cabo-verdiano que se torna também imigrante quando se desloca para Portugal. Ao chegar, pensando estar prestes a alcançar o desejado reencontro com o seu marido há mais de trinta anos imigrado, depara-se em vez disso com a notícia da sua morte.

O enredo do filme incide sobre o luto de Vitalina. Durante a viagem trágica que a protagonista faz, repleta de dor e sofrimento, ela descobre uma outra vida do seu marido, mas também descobre um país que nunca conhecera.

E é na decrepitude e insalubridade dos bairros precários de Lisboa, neste cenário surreal, que encontramos o verdadeiro significado do filme: a descoberta de um Portugal esquecido por muitos, ou da vida de muitos portugueses esquecidos por nós.

A atmosfera densa e mística da longa metragem é acompanhada pela magnífica prestação de Vitalina Varela, que lhe valeu o prémio de Melhor Atriz no Festival de Locarno.  Destaca-se também o tratamento magistral da cor, do cenário, das diferentes formas que a vida pode ter, e os seus recipientes, os seres humanos.

Os planos não são mais do que quadros vivos, as personagens meros corpos presos num contexto asfixiante, delimitadas por uma realização tenebrosa, onde os seus corpos parecem ser contornados por traços angulosos. O espetador caminha por entre os bairros inóspitos da periferia de Lisboa como se entrasse num quadro de Kirchner, ou numa rua desconhecida de Berlim.

O filme conquistou o Leopardo de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça, em 2019

A representação do ambiente circundante revela-se não só como uma exteriorização dos sentimentos das personagens (presos num delírio existencial), mas também como uma força que as prende, sufoca, e as mata a cada dia que passa. Tudo isto num mundo para nós desconhecido, num mundo onírico onde o real e o imaginário, a vida e a morte se confundem. Onde a pobreza, o abandono, e a pressão social de um mundo esquizofrénico deixam Vitalina só.

No mundo de Vitalina Varela, viver não é uma hipótese, mas sim um ato de resistência.

Quem é Vitalina Varela? A viúva que chora a morte de um homem com quem já não estava há mais de trinta anos. A mulher cujo passado não sabemos. A mulher que não tem água canalizada em casa. A mulher que depende da sua própria força para consertar o telhado de chapa da sua casa. A mulher que se vê desamparada numa terra que não é sua. A mulher que todos os dias resiste, e nisso consiste a sua força. Nisso constitui a sua feminidade.

Artigo da autoria de Roberto Saraiva.