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Crítica

Toda Beleza

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Não é de hoje que estimo Rubel. Muito. O cantor “estourou” no Brasil em meados de 2013 com a canção quando bate aquela saudade — e isso não é uma coincidência. Presente em seu álbum de estreia, Pearl, disponibilizado gratuitamente na internet, a canção ganhou um videoclipe (setembro, 2015) cheio de referências cotidianas e imagens de fazer o coração estremecer. No engatinhar das plataformas digitais de stream, a canção “viralizou”, tornando-se um grande sucesso no país, chegando a entrar para a trilha sonora da série Onde Nascem os Fortes (2018, Globo). Um verdadeiro prelúdio para o que estava por vir.

Produzido longe de casa, mais precisamente na cidade de Austin, no Texas, as sete músicas — cerca de 32 minutos — da obra Pearl chamou a atenção da crítica e de ouvintes ávidos por novidades na cena musical brasileira, abrindo um finco para o lugar que ocupa hoje como um dos principais talentos da música contemporânea brasileira.

Depois disso, o instrumentista brasileiro foi conquistando o coração do público brasileiro com a sua música autêntica e poesia melódica sofisticada. Uma das características marcantes na trajetória de Rubel é a fusão de influências musicais, que vão desde o folk americano até a música popular brasileira — fortemente presente no álbum As Palavras Vol. 1 & 2. Essa mistura de estilos resultou num som singular capaz de destacar um cenário musical nacional eclético, mas que tem a palavra como a sua forma maior de entoar o que se quer fazer ouvir.

Agora com os cabelos aloirados, o menino do Rio canta sobre o Brasil no mundo e a sua rica cultura.

As palavras

As suas letras poéticas e um tanto introspetivas também são um diferencial. Sempre a explorar temas como amor, identidade, pertencimento e, principalmente, nostalgia, esta obra traduz muito do Brasil, criando analogias entre palavras e melodias, brincando com o jeito brasileiro de falar português… “o sotaque brasileiro com suas vogais abertas transforma toda palavra solta em música para os ouvidos”.

(aqui indico ouvir esse áudio de WhatsApp que compõe o set list da obra)

A música-título do álbum é fruto de uma parceria com outro grande artista potente — que também estimo demasiado —, Tim Bernardes, do grupo O Terno.

Esta canção mais parece um ditado de palavras com suas significantes sonoras. Os artistas se divertem ao brincar de cantar o sentido das coisas a partir da sonorização de suas respectivas palavras “codificadas”. Aqui, temos a decodificação de significantes em poesias faladas com sotaque brasileiro musicalizado.

Put@ria!

Cenário musical atual. Este é o funk (single) que o carioca traz para o álbum Palavras e, a meu ver, uma das músicas mais potentes no sentido estético musical. Não apenas pelo que se diz, mas pelo que se propõe a dizer, como e com quem ele decidiu dizer. Uma música explicitamente significativa, onde o menino Rubel desce para o play e quebra até o chão, beija homem, beija mulher, mas sempre mostrando que há algo a mais além das palavras soltas.

O single conta com ninguém menos que MC Carol, lendária do funk carioca. E claro, a artista da favela canta sobre o poder da mulher e a potencial sexual de corpos. Ela está maravilhosa em várias referências que passam por vênus e tantas outras deusas.

Montado num cavalo — renascendo em apreciação ou alfinetando a diva pop Beyoncé, quiça o mercado — o clipe é recheado de referências e uma letra à medida. Nesse funk subversivo e potente, o cantor mostra, mais uma vez, o poder das palavras, trazendo o sexo, o corpo e o envolvimento do funk brasileiro sem “perder a linha” — a sua, no caso. Misterioso, ele chama os fans para um particular.

Juntamente com os videoclipes de Ben, Colégio e Toda Beleza, Rubel prova mais uma vez que também é um artista visual e que os seus clipes são pura arte, rico em detalhes para além das letras de suas respetivas canções. O cara une som e imagem de uma forma geniosa. Olhei e disse, artista!

Por que caras legais não ganham o prêmio?

Ao longo de sua carreira, Rubel recebeu inúmeros reconhecimentos. Seu álbum “Casas” (2018) foi indicado ao Grammy Latino na categoria de Melhor Álbum de Música Alternativa em Língua Portuguesa, demonstrando o alcance de sua música para além das fronteiras do Brasil.

É neste álbum que Rubel traz parcerias com Emicida na belíssima mantra, além do videoclipe dançante com Rincon Sapiência para a música chiste. No entanto, foi o hit “Partilhar” que trouxe o cantor mais uma vez para os holofotes. O single ganhou as rádios do Brasil e um videoclipe com a atriz Mariana Ruy Barbosa e vocais da dupla Anavitória.

Com referências que vão de Caetano Veloso a Bob Dylan, Rubel se reinventou no novo álbum — e isso significa dizer que ele segue encantando o público com sua sonoridade única e letras profundas. A prova disso é a indicação da obra ao Grammy Latino 2023 na categoria Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa.

Às vezes sinto que o Brasil — e o mundo —, não estão preparados para interpretar e absorver toda a carga de arte referencial que o cantor carrega em suas produções musicais e que, de forma potente, transmite em seus videoclipes.

Criatividade engenhosa: fábrica misturar música popular brasileira e produzir obras de artes valiosas

As músicas do Rubel transcendem gêneros e fronteiras, proporcionando uma experiência única para todos que têm o prazer de ouvi-la. Com uma carreira em constante ascensão, Rubel certamente continuará a surpreender e inspirar amantes da música em todo o mundo. Assim espero. Ou talvez ele siga o tempo dele, criando arte sem esperar o falso reconhecimento de um mercado totalmente ligeiro e imediatista: hits, beats e músicas chicletes.

Pagode, jazz, samba, forró e até uma “festa junina” indie. Tim Bernardes, MC Carol, Bala Desejo, Liniker, Gabriel do Borel, Luedji Luna, Milton Nascimento e muitos outros. As Palvras do cantor — e de suas parcerias — falam com o Brasil de uma forma tão íntima que eu me encontro com o calor brasileiro toda vez que decido ouvi-lo. As Palavras Vol. 1 & 2 é uma experiência histórica do Brasil em dois volumes.

Para já, este é um texto para pedir desculpa: Rubel, não pude “ir ter contigo” em Lisboa. Mas, mais que isso, é um pedido ao Porto: lutem para que a invicta seja parada acertada para artistas. Que o Coliseu do Porto esteja na rota de passagem de novas potências como Rubel, Duda Beat, Marina Sena e tantos outros novos nomes da MPB que estão a levar musicalidade para as plataformas digitais e a embalar as nossas vidas marginais tão efêmeras… passageiras… que precisam de mais palavras para fazer sentido. Sentir.

Afinal, a lua é uma garrafa olhando para nós.

Artigo da autoria de Ícaro Machado

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