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Crítica

“My Year of Rest And Relaxation”: Uma Vida em Espera

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Quantos problemas não se poderiam resolver se todos tivéssemos um ano para descansar, relaxar e pensar na vida?

“My Year of Rest And Relaxation” chamou-me à atenção pelo caráter assertivo do seu título. Dizer “My Year” em vez de “A Year” revela uma apropriação do próprio tempo por parte da protagonista (um tempo que é só dela, uma fase que ela reservou só para si). De certo modo, é como se o título fizesse alusão a um álbum fotográfico: um daqueles álbuns que documentam todos os momentos gloriosos da vida de uma pessoa, por exemplo, “My Trip To Alaska”, “My Trip to Argentina”, “The day of MY graduation”, “My Wedding”, etc. Desta vez, o pináculo da glória não é um curto espaço de tempo com acontecimentos memoráveis, mas sim o oposto: um ano sem fazer nada digno de nota. Em vez de isso ser uma vergonha, o título demonstra que esta resolução é tão válida e necessária quanto todos os acontecimentos relevantes na vida de uma pessoa.

 

Capa de “My Year of Rest And Relaxation”

O grande acontecimento é simplesmente dormir. Não há nada de extraordinário nisso, e o que me fascinou em toda a obra foi precisamente a sua aparente banalidade: a personagem não está preocupada em ser alguém nem tenta provar nada a ninguém. Vejo nisso tanto egoísmo como independência e introspeção, mas principalmente uma forma original de aceitação de si próprio como um ser absolutamente banal. Isso é muitas vezes o contrário do que se costuma ver: procuramos sempre ser especiais- sobretudo, que nos vejam como seres especiais-, e nunca nos aceitamos como simplesmente alguém que existe. Nunca nos aceitamos na nossa forma mais natural, na nossa forma adormecida.

A personagem principal desta história é uma mulher de Nova Iorque, rica, bonita, loira, magra e com talento: estudou História de Arte em Columbia, mas, apesar da sua óbvia criatividade, não possui grandes ambições ou pretensões artísticas. Pelo contrário, considerava que muitos dos seus colegas eram extremamente autocentrados. Apesar de tudo, em alguns momentos, as suas reflexões mostram que a Arte é o que a mantém viva: é talvez a única coisa além de si própria que verdadeiramente lhe interessa, além dos filmes e séries em que Whoopi Goldberg é a estrela.

A protagonista fala de si na primeira pessoa e não tem nome. Nem nome nem grandes relações com o mundo exterior: são poucas as pessoas que fazem realmente parte da sua vida, uma vez que perdeu recentemente os dois pais. Apesar de não gostar particularmente deles (e, à primeira vista, dir-se-ia que não gosta particularmente de ninguém), a sua morte provocou nela um vazio. Tendo-se sempre sentido mal amada por parte da família, decide dormir para atenuar o cansaço e, sobretudo, o tédio de viver.

Além dos pais que perdeu, tem uma amiga, Reva, que vem contrastar com a sua personalidade desprendida, desinteressada, cínica, cáustica e desmotivada. Reva é uma amiga leal, ao ponto de não desistir da amizade nem quando a protagonista lhe diz diretamente que não faz sentido serem amigas. É uma amizade incondicional, baseada na crítica à forma física das celebridades, em reflexões sobre a vida amorosa de ambas, na bulimia de Reva e nas suas idas ao ginásio. Reva é a típica personagem básica, vaidosa, autocentrada, tonta e fútil, mas é impossível o leitor não rir das suas tiradas, assim como não é fácil ignorar o amor que ela sente por todos os que a rodeiam. De todas as personagens, é a única que se importa realmente com a protagonista e o seu bem-estar, a única que se inquieta com a sua falta de interesse pelas coisas do mundo. É, principalmente, fantástico ver a alegria de Reva e o seu amor pelos outros: Reva tem um caso com um homem casado, o seu patrão Ken, e está perdidamente apaixonada. Tem também uma mãe que ama e que está a morrer de cancro.

Além de Reva existe Trevor, o ex-namorado que arranja sempre maneira de voltar por pouco tempo, só para depois se escapulir para os braços de outra mulher. Trevor é rico e muito mais velho que a protagonista: ao fim de algum tempo juntos, encontra sempre argumentos que provam a sua grande maturidade face à personagem principal. Porque é que ela tolera este comportamento e não se interessa por outras pessoas? Parece sempre estar à espera de Trevor, à espera que ele volte e mude de ideias, como se não pudesse escolher outra pessoa. Trevor é o protótipo do homem idiota, também ele básico, superficial, e que responde a um “Amo-te” com “Deixa-te dessas tretas!”.

Com amigos destes, ninguém precisa de inimigos. Precisa, sim, de um psiquiatra: a nossa protagonista encontra refúgio no consultório da Dra. Tuttle, a médica excelente e qualificada que lhe fornece todo o tipo de drogas e comprimidos para dormir. As cenas do consultório são das mais hilariantes da obra: a protagonista, que passa quase todo o dia (tirando os momentos em que conversa com Reva) a dormir, diz que tem dificuldades em adormecer, e inventa até o tipo de pesadelos e maus pensamentos que lhe surgem. Inventa histórias complicadas, nas quais a Dra. Tuttle acredita piamente sem questionar, esforçando-se até por interpretar com a maior das seriedades tudo o que é dito. É incrível o quão esquecida consegue ser: teima em perguntar como está a mãe da protagonista, só para ouvir por três vezes consecutivas que ela se suicidou. Apesar de tudo isto, a Dra. Tuttle é extremamente necessária para o equilíbrio desta mulher solitária.

A ideia deste livro é demonstrar que, apesar de a vida poder parecer monótona, há sempre pequenas coisas que provocam o riso: como é que alguém aparentemente tão pouco interessante se pode revelar tão reflexiva? Em certos momentos, esta personagem fez-me lembrar o livro “Un Homme Qui Dort”, de Georges Perec, mas com uma diferença: Perec escreve na segunda pessoa (a sua obra acaba por se tornar uma sequência de ações que o leitor se realiza, como se o leitor se tornasse a personagem principal). A personagem de Perec também não tem nome, mas é mais genérica, menos pessoal, menos reflexiva e sobretudo mais indiferente do que a mulher deste livro.

Não é totalmente verdade que a protagonista não goste de ninguém: é precisamente a pouca indiferença dela que a leva a querer uma pausa da vida. Não suporta Reva de vez em quando, mas não consegue ficar longe dela ou mesmo não reconhecer nela beleza física e psicológica.

Ler este livro, de temática amplamente feminina, promete um tempo bem passado. É aquele livro que nos liberta a cabeça dos problemas maiores. Quando decidi lê-lo, pensei que não podia ter um ano de descanso e relaxamento, mas que podia, pelo menos, ter um momento de pausa.

Artigo escrito por Margarida Inês Pereira